sexta-feira, 23 de outubro de 2015

14) Biografias

14) BIOGRAFIAS


ÍNDICE

1 - Charles Spurgeon: Uma Breve Biografia
2 - BIOGRAFIA DE CHARLES HADDON SPURGEON
3 - Biografia de Daniel Rowlands
4 - Dispenseiro da Multiforme Graça: Um pouco da vida de Jonathan Edwards
5 - Richard Baxter - Naquele Tempo Havia Gigantes na Terra
6 -  Memórias de Matthew Henry          
7 - Biografia de Robert Murray McCheyne
8 - Um Belo Exemplo de Ministério da Palavra em Thomas Manton 
9 - George Whitefield


1 - Charles Spurgeon: Uma Breve Biografia

Por Professor Robert H. Ellison

† NASCE em Kelvedon, Essex, Inglaterra, em 19 de Junho de 1834.
† NOVO NASCIMENTO em Colchester, em 06 de Janeiro de 1850.
† Se converte num BATISTA, em 03 de Maio de 1850. (É batizado no Rio
Lark, em Isleham).
† Prega seu PRIMEIRO SERMÃO, na casa de uma família rural em
Teversham, 1850.
† Prega seu primeiro sermão na Capela Batista WATERBEACH, em 12 de
Outubro de 1851.
† Prega seu primeiro sermão na Capela New Park Street, Londres, em 18
de Dezembro de 1853.
† Aceita o PASTORADO da Capela New Park Street, Londres, em 28 de
Abril de 1854 (então com 232 membros).
† Primeiro sermão PUBLICADO no “New Park Street Pulpit, em 07 de
Janeiro de 1855.
† MATRIMÔNIO com Susanah Thompson (nascida em 15/01/1832) em 08
de Janeiro de 1855.
† VIAGEM DE BODAS por 10 dias à Paris, França, do matrimônio de
Spurgeon, na primavera de 1856.
† Inicia o Comitê para a construção do TABERNÁCULO METROPOLITANO,
em Junho de 1856.
† FILHOS GÊMEOS (não idênticos) Thomas e Charles, nascidos em 20 de
Setembro de 1856.
† Estabelece o THE PASTOR S COLLEGE em 1856, que se expande em
1857.
† INAUGURAÇÃO do Tabernáculo Metropolitano, com uma Reunião de
Oração, em 18 de Março de 1861.
† É fundada a Associação dos COLPORTOTES (distribuição de livros) do
Tabernáculo Metropolitano, em 1866.
† É fundado o Orfanato Stockwell (para meninos), em 1867. A primeira
pedra foi lançada em 9 de Setembro de 1869.
† É posta a primeira pedra pelo Diácono Thomas Olney para o EDIFÍCIO
do The Pastors College (a construção terminou em Março de 1868).
† São iniciadas suas férias anuais no sul da França, para descanso e
recuperação, em Dezembro de 1871.
† São agregados 571 membros em Fevereiro de 1873, para uma membresia
total de 4.417.
† É colocada a primeira pedra para um novo edifício do The Pastors
College, em 14 de Outubro de 1873.
† É inaugurado o FUNDO PARA LIVROS da Senhora Spurgeon, em 1875.
† Apresentação da lembrança pelas BODAS DE PRATA pastorais, em 20 de
Maio de 1879.
† É fundado o Orfanato Stockwell (para meninas), em 1879. A primeira
pedra foi lançada em 22 de Junho de 1880.
† CELEBRAÇÕES POR SEU JUBILEU e reconhecimentos, em 18 e 19 de
Junho de 1884.
† Primeiro artigo da “Controvérsia do Declínio” publicado na revista “A
Espada e a Colher”, em agosto de 1887.
† Morre ELIZA, a mãe de Spurgeon, com a idade de 75 anos, em 1888.
† ÚLTIMO SERMÃO pronunciado no Tabernáculo Metropolitano, em 07 de
Junho de 1891.
- Durante seu Pastorado, foram batizados e se uniram ao Tabernáculo
14.692 irmãos.
- No final do ano de 1891 a membresia contava com 5.311 (a capacidade
do Tabernáculo era de 6.000, com 5.500 assentos, 500 de pé; as
dimensões: 44.5 m de largura, 25 m de comprimento, 21 m de altura).
8
† Sofre muito pelas dores e enfermidades durante os meses de Junho e
Julho de 1891.
† Viaja de novo (pela última vez) para MENTON, França, em 26 de Outubro
de 1891.
† Nesse lugar, ADOECE GRAVEMENTE pela combinação sofrida e
duradoura de reumatismo, gota e enfermidade de Bright (rins).
† Ainda descansando em Menton, finalmente CAI DE CAMA, em 20 de
Janeiro de 1892.
† O corpo de Spurgeon MORRE, mas seu espírito entra na GLÓRIA, em 31
de Janeiro de 1892.
† É sepultado no cemitério de Norwood, em 11 de Fevereiro de 1892.
† Seu irmão JAMES (Pastor Assistente do Tabernáculo), morre com a idade
de 61 anos, em 22 de Março de 1899.
† Seu pai (e Pastor) JOHN, de quase 92 anos, morre em 14 de Junho de
1902.
† Sua esposa (e colaboradora) SUSANAH, morre aos 71 anos, em 22 de
Outubro de 1903.
† Seu filho (e Pastor) THOMAS, morre aos 61 anos, em 17 de Outubro de
1917.
† Seu filho (e Pastor) CHARLES, morre aos 70 anos, em 13 de Dezembro de
1926.




2 - BIOGRAFIA DE CHARLES HADDON SPURGEON

INTRODUÇÃO

O conteúdo deste trabalho foi publicado originalmente em duas partes, do mesmo modo em que foi dividido em A BANDEIRA DA VERDADE; o primeiro deles no número 25 (março de 1962) e o segundo em fevereiro de 1963 (números 28 e 29), e o autor deles, Iain Murray, é pastor da famosa Grove Chapel de Londres, e o fundador e diretor de A BANDEIRA DA FÉ E DA VERDADE, sendo hoje em dia um dos editores evangélicos mais importantes.
A primeira parte trata das circunstâncias históricas que envolveram a vida de Spurgeon, e a segunda trata das suas convicções doutrinárias, convicções que tinham sido registradas com fogo nele pelo Espírito Santo, que se irradiava dele por causa do seu amor ao Seu Redentor, e que tinham sido conservadas durante todo o tempo do seu ministério pela comunhão contínua com Deus. Spurgeon sentia pouca condolência por aqueles que mantinham um  sistema ortodoxo em que faltava a unção viva do Espírito.
Spurgeon havia se consagrado para a defesa da pureza do Evangelho. E a sua voz é muito importante nestes dias de confusão em  que o diabo introduz idéias contrárias à Revelação de Deus em tantas mentes evangélicas.

COMEÇANDO A VIDA

 A pregação do Evangelho continua sendo o poder de salvação do mundo. A mensagem da cruz é a mensagem que proclama que o Senhor, no seu grande amor com que nos amou, se humilhou até a morte, e morte de cruz, para nos salvar e  continua  sendo, e jamais deixará de ser, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. Enquanto houver pecadores que precisam de arrependimento; enquanto houver almas para serem salvas; enquanto houver feridas morais e espirituais para serem curadas, e para dar ao mundo a felicidade eterna, o Evangelho será sempre um poder.
A pregação de Cristo crucificado é, e continuará sendo, o anúncio mais agradável para os ouvidos humanos, a mensagem mais vital para o coração dos homens, o único poder verdadeiramente regenerador e salvador que podem conhecer os séculos. O poder vivificador  e a grande atração da mensagem da cruz, continua sendo ainda hoje o mesmo que foi há vinte séculos atrás, apesar das mutações do tempo.
Aquilo que afirmamos aqui encontra uma ilustração perfeita e uma prova cabal na vida de homens como Savonarola, Lutero, Wesley, Whitefield, Moody, Gipsy Smithmorado, Billy Sunday e outros milhares; homens que em grande número careciam dos elementos humanos mais necessários para poderem brilhar nessa pregação, e que, ademais, tiveram que enfrentar as condições ou circunstâncias mais adversas.
A vida destes homens seria inexplicável, se nós quiséssemos explicá-la e entendê-la somente de acordo com critérios humanos; porque há neles características, elementos, características que ultrapassam os limites do humano, e que entram no Reino do sobrenatural, do divino. Ignorar estes fatos é ignorar essas vidas; negar esta parte ou direção divina neles, é deixá-las incompreensíveis. Esses grandes  pregadores que passaram pelo cenário da vida, atraindo multidões, convertendo os seus corações, fazendo com que as almas se rendam aos pés de Cristo, eram homens, com todas as limitações e as imperfeições dos homens; mas eles foram eleitos, dirigidos, usados por Deus, conforme os Seus planos. Eram homens que, como o apóstolo dos gentios, foram constrangidos a exclamar: "Ai de mim, se eu não pregar o Evangelho!"; mostrando com isso a vontade determinada de Deus que estava sobre eles com o caráter de uma obrigação, de uma ordem. E que ao pregá-lo, eles tiveram a ajuda e a direção divinas, de forma que a mensagem deles chegasse aos corações. Mas, o que nós vimos dizendo tem o seu mais brilhante e perfeito exemplo naquele homem ciclópico chamado Charles Haddon Spurgeon, para quem o mundo, por consentimento unânime, tem chamado, com toda a justiça, "o Príncipe dos pregadores"; porque foi, realmente, o pregador mais eminente desde os dias do apóstolo  Paulo.
Escrever sobre este homem eminentemente grande que com o poder da sua pregação influenciou milhares e milhares, e que fez sua fama se estender aos quatro ventos, e muito especialmente no mundo religioso, é a difícil tarefa que nos tem sido encomendada. Relatar a história dessa vida, fazendo com que se salientem as características excelentes da sua grandeza, e a multiplicidade das suas obras, não é nenhuma tarefa fácil para nós. Porém, será uma tarefa muito agradável e proveitosa, já que o estudo de uma vida tão frutífera, tão consagrada, tem sempre  lições, santas e boas para serem aprendidas; e características e traços particulares para produzir uma santa inspiração.
Charles Haddon Spurgeon nasceu em 19 de junho de 1834, em Kelvedon, Condado de Essex, no sudeste da Inglaterra; com uma população sem qualquer significação histórica ou geográfica, aparte de ter sido o berço deste grande homem.  Kelvedon era um distrito rural de pouca importância, com casas humildes, e com rudes porém honrados habitantes, sendo esta a única honra com que contava. Porém, o fato de ter nascido Spurgeon em tão humilde lugar, não lhe atribuem pequena importância alguns dos seus biógrafos, por entenderem que isso contribuiu para a formação do seu caráter. Nós, embora aceitemos que o meio tem muito a ver com respeito à formação e o desenvolvimento do caráter, pensamos que muito pouco ou nada Kelvedon influenciou neste respeito, se é somente considerado como lugar de nascimento, porque o lugar onde a pessoa nasce é algo muito incidental na vida dos homens, de forma que possa ter uma grande influência no sentido indicado.
Até onde é possível lembrar, os antepassados de Spurgeon eram gente humilde e simples, honrada e piedosa, franca e amiga do trabalho nobre e produtivo. Dos seus ascendentes o nosso pastor não teria seguramente do que se envergonhar, senão que tinha motivos para se sentir feliz e satisfeito, já que nem sempre se encontra nas classes superiores e aristocráticas a honra, nem na riqueza o poder, nem nos títulos e diplomas a grandeza. Feliz o homem que pode regozijar-se no  fato de que seus antepassados eram pessoas honestas e piedosas, porque estes são os brasões mais brilhantes de toda genealogia! Feliz o homem que, assim como Spurgeon, pôde ter entre aqueles que formaram a sua família, pessoas de convicções tão profundas e consciências tão estreitas que prefeririam a prisão e o ostracismo, do que aparecer aos seus próprios olhos como desleais!
Pouco antes de nosso biografado abandonar esta vida, em novembro de 1890, falando dos seus antecessores, a revista "Gráfico" de Londres publicou que a "A família de Spurgeon é de origem Huguenote. A perseguição que se seguiu à revogação do Édito de Nantes lançou alguns membros desta família a este país, Inglaterra, alguns dos quais fixaram sua residência em Norfolk e outros em Essex. C. H. Spurgeon descende destes últimos.".
"Muito cedo no seu ministério em Londres, em uma livraria da avenida Paternoster foi apresentado ao Sr. John Spurgeon, descendente da família de Norwich; e depois de comparar as suas notas sobre os seus antepassados, foi observado que a piedade, honestidade e lealdade eram iguais em ambos os ramos destas duas famílias. O mesmo espírito de intolerância religiosa que enviou John Bunyan ao cárcere de Bedford por pregar o Evangelho, também enviou em 1677, a John Spurgeon para a prisão de Chelmsford, na qual por questões de consciência, dormiu numa cama de palha por quinze semanas, num tempo extremamente frio, sem qualquer fogo para se aquecer.".
O bisavô de Spurgeon foi contemporâneo do período do começo do reinado do rei Carlos III. Seu avô, Santiago Spurgeon, se converteu em sua primeira infância em Halstead. Enquanto  aprendia um ofício em Coggeshall, se uniu à Igreja daquele lugar. Aos vinte e seis anos de idade ingressou no Ministério Evangélico, matriculando-se na  Academia de Hoxton em 1802. Em 1810 aceitou o pastorado da Igreja de Stanbourne, em Essex da qual foi pastor por mais de meio século.
John Spurgeon, o pai de Charles, nasceu em Stambourne em 1811, sendo o segundo de dez irmãos. Durante quinze anos se dedicou ao comércio no qual não lhe sorria a prosperidade, e ao mesmo tempo se ocupava na proclamação do Evangelho em distintas congregações, no dia do Senhor. Quando já havia chegado à metade da jornada de sua vida, abandonou os negócios e se dedicou completamente ao ministério, aceitando o pastorado da Igreja
Nós falamos brevemente das coisas, das circunstâncias, dos elementos que contribuíram para a formação do caráter de Spurgeon. Até onde vai a influência materna sobre a formação do caráter dos seus filhos? A educação dos filhos pela mãe tem algo de misterioso que transcende a nossa mente. Mas é conhecido e reconhecido por todos que a influência materna é enorme e duradoura.
Quando Spurgeon já chegava ao final da sua carreira, em muitas ocasiões se comprazia em reconhecer publicamente, falando de sua mãe com a maior ternura, a dívida enorme que tinha contraído com sua boa mãe; e isto sem esquecer que a maior parte da sua infância, a passou fora da sua casa paterna, sujeito a outras influências e recebendo uma educação que teve uma grande significação na formação do seu caráter e na inclinação da sua vida.
Até onde a mãe de Spurgeon se preocupava com os seus filhos se revela no seguinte episódio, relatado depois de muitos anos pelo pai do nosso biografado: "Eu tinha estado muito tempo fora de minha casa, enquanto tentava edificar congregações, e eu sentia que estava negligenciando a preparação religiosa de meus próprios filhos, enquanto trabalhava para o bem  de outros. Com estes sentimentos eu voltei para casa, abri a porta e fui apanhado de surpresa ao não encontrar meus filhos no quarto. Quietamente eu subi as escadas, e eu ouvi a voz de minha esposa. Estava ocupada orando com as crianças. Eu a ouvi orar particularmente por cada um deles, enquanto os chamava pelos respectivos nomes. Ao chegar a Charles, orou especialmente por ele, porque era de um espírito elevado e valioso temperamento. Eu escutei até que terminou, e realmente sentindo isto, eu disse: "Senhor, eu continuarei fazendo a tua obra. As crianças terão quem cuide delas.".
Este incidente, simples e inexpressivo aparentemente, nos dá um vislumbre do caráter e  espírito cristão da nobre mulher que gerara o nosso  biografado, e da atmosfera espiritual em que se   desenvolveu na sua casa. E não há sábio, nem filósofo que possa avaliar devidamente o valor da oração fervorosa, intensa, de uma mãe, intercedendo por seus filhos; nem indicar até onde vai a influência na vida posterior do objeto dessas orações. Apesar da incredulidade de alguns homens, e da zombaria que eles fazem disto - a oração fervorosa de uma mãe, santa e boa, intercedendo por seus filhos - tem um valor inexprimível e uma influência duradoura, para com Deus e para com os homens.
Os negócios a que se dedicava o pai de Spurgeon por esta época eram pouco produtivos, e a vida financeira da família era difícil; por outro lado, na casa do avô de nosso biografado se desfrutava de uma maior abundância e de grande conforto. Pastor de uma Igreja formada por camponeses, simples e consagrados, que muito estimavam seu dirigente espiritual, e que contribuíam liberalmente às suas necessidades, a vida em sua casa era bastante confortável. Talvez, em razão disto Charles, ainda numa idade muito tenra, tenha sido enviado para Stambourne. Qualquer que fosse a causa disto, é certo que desde muito cedo foi para a casa do seu avô, para passar lá uma temporada.
A permanência de cerca de seis anos nesta casa cristã onde sempre teve os exemplos mais saudáveis e os mais valiosos ensinos, em meio a  uma atmosfera espiritual, foi um dos motivos que contribuíram grande e positivamente, para a formação e desenvolvimento do caráter de Spurgeon, e que com segurança cooperaram para influenciar a sua vida posteriormente, enquanto incubava nele aquelas características morais e espirituais que, de modo tão saliente, se mostraram  na sua vida. Mas, em um verdadeiro sentido, a casa dos avós, em Stambourne, não era outra coisa que a continuação ou prolongamento da casa paterna de Kelvedon e Colchester. Tanto numa quanto noutra encontramos a mesma atmosfera espiritual; o mesmo e não falso afeto; o mesmo conselho e magníficos exemplos; e idêntica consagração ao trabalho evangélico.
Tanto numa quanto noutra havia a mesma reverência em relação à Bíblia, que de maneira tão especial caracterizou a vida de alguns puritanos; a retidão de consciência que sempre se encontrou nos não conformistas ingleses, por sua recusa decidida e viril das práticas e costumes da Igreja oficial; a plena e absoluta dedicação à obra do Evangelho. Não havia, pois nenhuma diferença em alguma das influências que Spurgeon recebeu nessas duas casas, a de seus pais e a de seus avós. Ao contrário, ambas se complementavam e  fortaleciam mutuamente a educação moral e espiritual que deram àquele menino.
Ambas as casas sempre viveram na memória e no coração de Spurgeon, e de ambas ele falou, em inúmeras ocasiões, do modo mais terno. Poucos meses antes de partir deste mundo, Spurgeon, esgotado pelo excesso de trabalho, e minado por uma doença tenaz, passou uma temporada em Stambourne e reviveu os dias da sua infância, regozijando-se grandemente nas reminiscências daquele passado feliz e distante. O fruto desta visita a Stambourne foi o magnífico livro que deu à impressão na qual nós achamos detalhes curiosos e descrições sobre o lugar, e notícias do que significou alguns anos de sua infância passada ali.
Havia na casa de Stambourne três pessoas, pelo menos que contribuíram com zelo e efetividade iguais, para a educação de Spurgeon. Em primeiro plano estava o avô, Santiago Spurgeon, homem forjado nos antigos costumes puritanos, e de coração terno e bondoso,  que tinha grande afeto por Charles, por ser o seu primeiro neto. Santiago Spurgeon era muito querido em sua paróquia e fora dela, não somente por sua grande retidão no que se refere a princípios religiosos, mas também pelo seu caráter afável e carinhoso. No seu longo pastorado de mais de cinqüenta anos em Stambourne, chegou a  batizar aos que nos seus últimos dias já eram anciãos, e aos filhos dos filhos destes anciãos, motivo porque era um patriarca querido e respeitado pelo seu povo.
Este ancião era muito amigo das crianças, para as quais sempre tinha palavras carinhosas, conselhos sábios e um bolso cheio de doces. Contudo, o seu sistema era a retidão jovial com o afeto e a bondade. E, de acordo com este sistema, sempre tratou o seu neto. O próprio Spurgeon faz referência, muitas vezes, a esta retidão afetuosa do seu avô, que tanto bem lhe fizera. Principalmente, recorda aqueles domingos, observados ao antigo modo puritano, nos quais não era permitido às crianças a mais leve expansão. Geralmente, no dia de domingo, o avô costumava levar o seu neto aos seus estudos, enquanto lhe pedia que ficasse quieto, e ele o deixava se sentar em um assento baixo, ou no chão, próximo à lareira, com uma revista ilustrada na mão, enquanto ele meditava no seu sermão e lhe dava os últimos retoques. E ali o menino tranqüilo, permanecia, quase sem mover-se, durante horas, fazendo esforços heróicos para não interromper o bom avô. Mas este silêncio que era uma verdadeira penitência para um menino de sua idade, nunca foi motivo para que o nosso  biografado diminuísse o seu carinho pelo seu avô. Ao contrário, aquele avô era tão bom, tão afetuoso que o menino não seria capaz de querer-lhe  afetuosamente.  
No ano de 1856, quando o nome de Spurgeon começou a voar nas asas da fama, ele teve o alegre privilégio de poder pregar em Stambourne, em razão das bodas de ouro de seu avô no Ministério Cristão, coisa que sempre estimou como uma das  maiores bênçãos que Deus tinha lhe concedido, e um dos privilégios mais bonitos que havia tido em sua vida. De acordo com o Dr. Cook, este sermão foi publicado sob o título de “O Deus do Anjo”. O ancião teve uma alegria especial em promover a  maior divulgação deste sermão e de outras publicações do seu neto, sempre tendo muito cuidado de possuir uma boa provisão das suas novas produções. Dá para imaginar o legitimo orgulho e a alegria profunda do bom ancião, ao poder celebrar o qüinquagésimo aniversário no Ministério, e que neste ato estiveram presentes o seu filho e o seu neto, e que este seria o pregador da noite! Que alegria que o seu filho e o seu neto fossem dois pregadores consagrados do Evangelho, havendo o último chegado ao cume da fama.
Durante esta época, contando cerca de oitenta anos de idade, costumava dizer a Charles cada vez que o via: “Charles, eu creio que te deixarei seguramente em herança alguma gota reumática"; e somava com aquele bom humor que o caracterizava: "Porque eu creio que esta gota encurtará os anos da minha vida". E realmente, ele  deixou essa herança, e foi dessa doença que morreu seu neto! O bom ancião faleceu aos oitenta e sete anos de idade, tendo a alegria de ver aos pés do seu leito o seu querido neto.
Na casa de Stambourne Charles conviveu também com sua avó, que era uma mulher industriosa que considerava como seu dever consciente ser uma sincera e perseverante companheira do seu marido. Era tranqüila em seus modos e reservada; porém, trabalhava incansavelmente em obras de assistência social, ocupando posições de honra nas sociedades e comissões de benevolência. Era uma dessas humildes senhoras que ganham o afeto de todos. Spurgeon se lembrava de sua avó com as palavras mais ternas e as maiores demonstrações de afeto. A terceira pessoa que contribuiu muito na educação religiosa de Spurgeon em Stambourne, foi sua tia Ana, a quem nosso biografado sempre chamou de "tia-mãe", foi talvez a pessoa mais querida a ele, com exceção da sua mãe. Assim que o menino chegou a Stambourne, "ela o pegou para si", tomando o cuidado de tudo que se referisse a ele. Foi ela que lhe ensinou a ler e escrever, e foi sem dúvida quem mais contribuiu para a formação do seu caráter. Ela teve o cuidado de dirigir os seus primeiros passos na vida, corrigindo os seus defeitos nascentes, e lhe inspirando sentimentos nobres, foi uma segunda mãe para nosso biografado, e ele se agradava em reconhecer isto e de proclamá-lo abertamente.
Nesta casa de Stambourne Spurgeon aprendeu lições que jamais esqueceria. Aquele ambiente contribuiu em uma grande medida ao sucesso da sua vida posterior.
Nós já dissemos que Spurgeon aprendeu a ler aos pés de sua tia Ana. Depois, e durante alguns meses, freqüentou a escola de uma senhora  apelidada Burleigh, e nela não se destacou por um intelecto muito brilhante, mas por sua persistência no estudo, e por sua grande memória. Se os seus poderes de recepção não estavam muito desenvolvidos, ele teve por outro lado, grandes poderes de retenção; muitas vezes tardava em compreender as lições, mas trabalhava nelas persistentemente até que as entendesse, e uma vez aprendidas, não mais as esquecia.
Desde a mais tenra idade Spurgeon demonstrava uma grande afeição aos livros. O avô de Spurgeon tinha um grande número de livros sempre o  mantinha entretido com a leitura.  Foi nesta ocasião que ele leu pela primeira vez “O Peregrino”, de Bunyan, o livro "Os Mártires", de Fox, a história do Bispo Bowner, personagem que para ele sempre foi antipático, e outros livros mais, alguns deles tão volumosos e áridos que mesmo na idade adulta é preciso possuir uma grande determinação para se entregar à sua leitura. Mas o desejo de ler era tão profundo naquele menino que não ficava assustado em face da aridez de qualquer livro.
Quando Spurgeon contava um pouco mais que seis anos de idade, regressou à casa de seus pais, estabelecendo-se então em Colchester, próxima de Kelvedon, no mesmo condado de Essex onde ia regularmente à escola, primeiramente à que a Sra. Cook dirigia, esposa de um capitão da marinha mercante, e depois à de um certo Lewis, homem de quem é dito que reunia as melhores condições como instrutor. Nestes anos de estudo em Colchester, parece que Spurgeon fez um progresso considerável, devido a seu empenho e perseverança, embora não contasse mais do que dez anos de idade, e em 1844 ele já tinha adquirido  um bom conhecimento das gramáticas latina e grega, e recebeu algumas lições de filosofia.
No verão deste ano Charles foi passar as férias com os seus avós em Stambourne, e num desses   dias aconteceu a famosa profecia do Presbítero Knill com respeito à grandeza futura de nosso biografado. O próprio Spurgeon relatou este fato quando já estava no ápice da fama:
Quando eu era um menino, estava na casa de meu avô; e de acordo com o que era o hábito, eu li as Escritas na devocional da família. Numa destas ocasiões, o Sr. Knill cujo nome é muito famoso, e cuja memória é preciosa para milhares de pessoas, dentro e fora do país, estava na casa, com o propósito de pregar no domingo em Stambourne, como representante da Sociedade Missionária de Londres. Aquele bom homem nunca olhou a face de um menino sem tentar compartilhar alguma benção espiritual. Era todo amor, bondade, e fervor, e ansiava ganhar os corações dos homens, como aqueles que estão na miséria e precisavam do ouro espiritual para enriquecer seus corações. Ele ouviu o menino lendo, e o elogiou; um pequeno e sábio elogio é a estrada mais segura ao coração dos jovens. Estava com ele o menino que na manhã do sábado seguinte lhe ensinaria onde ficava o jardim, e o levaria a dar um passeio antes do almoço. Na porta soaram alguns golpes e o menino deixou a cama, e saiu para o jardim com o seu amigo, que havia ganho o seu coração imediatamente, por meio de histórias agradáveis e palavras afetuosas,  dando-lhe ao mesmo tempo a oportunidade de expressar-se. A conversação foi toda sobre Jesus e a coisa agradável que é servi-lo e amá-lo. E o "ganhador de almas" se ajoelhou; tendo os seus braços em torno do corpo do menino, e fervorosamente intercedeu para a sua salvação. A manhã seguinte testemunhou a mesma cena de instrução e súplica e também a outra, enquanto durante o dia inteiro um não ficava longe do outro, nem pararam de pensar um no outro. Os sermões missionários foram pregados na Igreja puritana, e chegou a hora em que o homem de Deus teria que ir para outro lugar como representante da Sociedade.
Mas ele não partiu até que fizesse a profecia mais estranha. Depois de orações muito mais ferventes, em união ao seu protegido, parecia ter um grande peso na sua mente, e não poderia partir antes de se livrar daquela carga. Spurgeon diria mais tarde: “nos anos subseqüentes ouvi dizer ele que tinha sentido um interesse singular por mim, e uma profunda esperança que não podia explicar. Reunindo a família, me sentaram nos seus joelhos e recordo distintamente o que ele disse: "Eu não sei como, mas eu sinto um solene pressentimento de que este menino pregará o Evangelho a milhares, e que Deus abençoará através dele muitas almas. Tão seguro estou disto que quando meu pequeno homem pregar na capela de Rowland Hill, como ele pregará um dia, quero que ele me prometa que ele cantará o hino que começa, "Deus se move de maneira misteriosa, para efetuar suas maravilhas.”.
Esta promessa, claro que, foi feita e a ela seguiu outra, que de acordo com o seu desejo expresso me ensinaria o mencionado hino, e que pensaria em tudo isto.
Assim Spurgeon falou sobre a célebre profecia que fez o Pr Richard Knill, sobre a sua futura grandeza, e acrescenta: "A declaração profética teve seu cumprimento. Quando eu tive o prazer de pregar a Palavra de vida na capela Surrey, e também preguei no primeiro púlpito do Sr. Hill, em Water-Under-Edge, o hino foi cantado em ambos os lugares.".
Esta profecia sobre a grandeza futura de Spurgeon, feita com uma tão grande antecipação, seguramente fará com que os céticos riam, e os que não podem aceitar outra coisa além do “natural e lógico”, e que não admitem de maneira nenhuma a intervenção milagrosa; porém, "o tempo das profecias não passou, nem cessou o tempo dos milagres". Em incontáveis ocasiões há acontecimentos e fatos que não podem ter uma explicação meramente humana e materialista; que  permanecerão inexplicáveis e incompreensíveis, se nos empenharmos em descobrir o que têm de maravilhoso e sobrenatural. Nós cremos firmemente, que há uma enorme quantidade e variedade de intervenções divinas nas coisas humanas em variadas ocasiões; e é inegável que a grandeza de Spurgeon será incompreensível para aqueles que sistematicamente se recusam a reconhecer que a mão de Deus estava no timão do barco da sua vida.
A profecia do Sr. Knill produziu uma mudança na vida de Spurgeon, e na estimativa que  seus pais, avós, familiares e amigos tinham de sua vida. Não há pais que deixem de imaginar que seus filhos chegarão a ser eminentes em tal ramo da atividade humana, e que esperam deles grandes coisas; e isso foi o que aconteceu, de um modo muito especial, com a família de Spurgeon. Desde o momento daquela profecia, já não se tratava meramente de um desejo incerto, nem de uma esperança indefinida, mas senão de algo que tomava forma e consistência, e o fato de ser isso possível, imporia maiores obrigações e cuidados com respeito ao menino.
E essa profecia foi um incentivo novo e poderoso para Spurgeon adquirir uma melhor preparação, que foi apropriada para aquele trabalho particular que havia sido profetizado e ao qual se dedicaria. Ele sempre creu que as palavras do Sr. Knill tinham influenciado em grande parte a sua vida. Conforme ele próprio afirmou:
As palavras do Sr. Knill contribuíram para efetuar o seu próprio cumprimento? Eu penso assim: eu cri nelas e mirava o futuro, e a época em que pregaria a Palavra. Eu sentia muito poderosamente que nenhuma pessoa inconversa deveria se atrever a entrar no ministério. Isto fez que me sentisse mais interessado em buscar a salvação; e quando pela graça divina pude confiar no amor do Salvador, não passou muito tempo sem que minha boca começasse a proclamar a redenção efetuada por ele.
O certo é que não há filosofia humana que possa aquilatar o valor que no ser humano podem ter palavras como as daquele servo de Deus, principalmente quando se trata de uma criança, em quem as impressões são mais profundas e duradouras; e que é impossível fixar o limite da influência que elas possam exercer na vida.
Spurgeon regressou a Colchester sentindo essa influência sobre sua vida, e disposto, não obstante a sua tenra idade, mirava o futuro, ao homem e para o desejo de coisas maiores e melhores. Com esta idéia e sentimentos se dedicou a seus estudos habituais. E depois de algum tempo cursou seus estudos na famosa escola industrial de Maidstone.
Já por esta época Spurgeon havia aumentado seu cabedal de conhecimentos. Durante sua permanência em Maidstone, ganhou prêmios e medalhas em torneios literários que eram realizados no Colégio. Sua aplicação nos estudos, e sua prodigiosa memória, haviam desenvolvido de tal  maneira seus poderes mentais que começou a se destacar por sua grande capacidade mental.
Em 1849, seu pai conseguiu, à custa de muito empenho, que Spurgeon pudesse ingressar na famosa escola de Newmarket dirigida pelo Sr Swindel, enquanto aumentava seus conhecimentos, sobretudo no grego, latim e francês. Encontrando-se neste Colégio, e quando tinha somente quinze anos de idade, nosso biografado escreveu um ensaio sobre o papado, para concorrer a  um prêmio; e embora, depois de muita demora e discussão lhe deram o prêmio, e seu trabalho foi classificado de magnífico, e mereceu as honras de que o mesmo cavalheiro que havia oferecido o prêmio, considerando o valor que resultaria do seu trabalho, lhe recompensou com uma boa quantia de dinheiro.
Um dos professores daquele colégio, o renomado professor Dr. J. D. Everett, nos dá a seguinte descrição do jovem Spurgeon:
Vivíamos na mesma casa, ocupávamos a mesma habitação, dávamos juntos nossos passeios, discutíamos nossas dificuldades comuns, e éramos os melhores amigos. Ele era franzino, com rosto pálido, porém cheio, olhos e pele castanhos, de maneiras vívidas e brilhantes, com um incessante manancial de conversação. Não era musculoso e não se ocupava de jogos atléticos, e era tímido.
Havia sido bem educado numa família de fortes tendências puritanas e era proficiente nas matérias que eram ensinadas nas classes médias dos colégios daqueles dias. Sabia algo de grego, bastante latim para obter o sentido geral da Eneida de Virgílio, sem necessidade de dicionários, e sentia grande inclinação pela álgebra. Era um rapaz esperto e hábil em todo gênero de conhecimentos dos livros; e, a julgar pelos relatos que me fez das experiências que teve no estabelecimento do seu pai, era também hábil nos negócios. Era um cuidadoso observador dos homens e das coisas e muito exato em seus juízos. Se regozijava numa algazarra, mas era honrado, trabalhador e estritamente consciente.
Tinha uma memória assombrosa para passagens da oratória, e costumava recitar-me trechos de conferências, com vívida descrição, que havia ouvido do ministro congregacional, Sr David, nas férias que passou em Colchester. Eu lhe ouvi também recitar grandes trechos do livro “Graça Abundante” de João Bunyan.
Parece que antes de vir para Newmarket, não obstante sua pouca idade, a dúvida lhe assaltou no que respeita às questões religiosas, e que se sentiu inclinado ao livre pensamento. Seguramente será interessante para o leitor conhecer seu próprio testemunho acerca desta fase obscura de sua vida. Pregando no “Exeter Hall”, em 18 de maio de 1855, disse a este respeito:
Talvez haja aqui nesta noite alguém, que tenha vindo sem fé, um homem guiado pela razão, um pensador livre. Para ele não tenho argumento absoluto. Não me proponho a estar aqui como um controversista, senão como pregador de coisas que sei e que sinto. Porém eu já fui como ele. Houve um tempo ruim em que eu soltei a âncora da fé. Cortei o cabo da minha crença; que eu não amarrei firmemente à costa da revelação; permiti que meu barco fosse levado pelos ventos; que disse a minha própria razão: “sê tu meu capitão”, disse a meu cérebro: “sê tu meu piloto”; e embarquei numa viagem louca. Graças a Deus, tudo já passou; porém lhes contarei esta breve história. Foi uma navegação rápida por sobre as águas do livre pensamento. Fui adiante, e à medida que me adiantava, os céus começaram a escurecer; porém para contrabalançar esta deficiência, as águas se fizeram luminosas, com brilhantes colorações. Vi faíscas que iam para cima, e que me agradaram, e pensei: “sim, este é o pensamento livre, é uma coisa magnífica”. Meus pensamentos pareciam gemas, e segurava as estrelas com ambas as mãos; mas aos poucos, em vez destes lampejos de glória, vi turvos demônios, feras horríveis, se levantarem das águas, e à medida que eu afundava, eles grunhiam e lançaram a mão na proa da minha embarcação e me arrebentaram, enquanto que eu, em parte me alegrava da rapidez das minhas idéias; contudo, tremi com a terrível rapidez com passava dos limites da minha fé. Enquanto ia adiante velozmente, comecei a duvidar de minha própria existência; duvidei que existisse o mundo, duvidei que havia algo fora de mim mesmo, e cheguei a muito perto dos terrenos áridos da incredulidade. Cheguei ao mesmo fundo do mar da incredulidade. Duvidei de tudo. Porém aqui  o diabo se enganou a si mesmo, porque a mesma extravagância da dúvida provou seu absurdo. No momento que cheguei ao fundo do abismo, ouvi uma voz que dizia: “porém pode ser certa esta dúvida?”. A este mero pensamento despertei. Me levantei desse sonho de morte, que Deus sabe que pode condenar minha alma e arruinar este meu corpo, se não houvesse despertado. Quando me levantei, a fé me fez voltar atrás; a fé gritou: “Para trás! Para trás!”. Fixei minha âncora no Calvário e levantei meus olhos a Deus; e eis-me aqui vivo e fora do inferno. Portanto falo o que sei. Tenho efetuado essa perigosa viagem; tenho chegado salvo à terra. Pede-me que eu volte a ser um incrédulo! Não, já tenho provado isso; no princípio é doce, porém depois é muito amargo.
Esta é a maneira brilhante com que Spurgeon, com aquela eloqüência que lhe era característica, fala daqueles dias de intranqüilidade e trevas que passou nos férreos e feridores braços do gélido indiferentismo desse mal chamado “livre pensamento”, desse monstro que em múltiplas ocasiões se veste com a mais formosa vestimenta, e se transfigura em anjo de luz, para melhor enganar aos incautos, e afundá-los na tristeza e na dor; naquela indiferença que nada cria e faz, porém uma providência que vela pelos eleitos e que, embora às vezes permite que se extraviem no caminho, quando chega o momento do perigo real, os livra dessas mãos terríveis. E assim Spurgeon, para quem Deus em seus inescrutáveis propósitos havia preparado grandes coisas, foi não somente salvo do indiferentismo, senão também ganho para a obra de Deus.
A família de Spurgeon vivia nesta época em Colchester, onde o pai dedicava as horas de trabalho ao comércio, e pregava aos domingos em Tollesbury, de cuja pequena congregação era pastor. Nosso biografado parece que teria o costume de freqüentar a igreja de seu pai, sempre que tinha oportunidade; porém no domingo 15 de dezembro de 1850 não pôde fazê-lo por causa do intenso frio que fazia, e a grande nevasca que caía. Em vista disso, e seguramente guiado pela providência de Deus, dirigiu seus passos por outros rumos, na busca de um lugar onde pudesse ouvir a pregação do Evangelho. Porém, deixemos que o mesmo nos relate a sua experiência  conversão:
Eu posso recordar o tempo em que meus pecados saltavam diante da minha face. Eu me considerava o mais maldito de todos os homens. Eu não havia cometido grandes transgressões contra Deus; senão que recordava que havia sido bem educado e instruído, e por isso pensava que meus pecados eram maiores que os de outras pessoas, uma vez que tendo nascido num lar piedoso e cercado de pessoas piedosas, para mim era uma grande ofensa para Deus ser como eu era. Clamei a Deus pedindo misericórdia, porém temia que não me perdoaria. Um mês depois do outro clamei a Deus, porém ele parecia não me ouvir, e eu não sabia o que significava ser salvo. Algumas vezes estava tão cansado do mundo, que desejava morrer; porém recordava que havia um mundo pior depois deste, e que seria terrível apresentar-me diante do Senhor sem estar preparado para isto. Em muitas ocasiões cheguei a pensar mal que Deus era um tirano sem coração, porque não respondia minhas orações; e em outras ocasiões pensava que merecia seu desfavor; “se me enviar ao inferno será justo”, assim eu pensava. Porém recordo a hora em que entrei num lugar de adoração, e vi um homem alto e magro no púlpito que nunca mais voltei a ver desde aquele dia e provavelmente não voltarei a ver até aquele dia em que nos encontraremos no céu. Ele abriu a sua Bíblia e a leu com voz débil: “Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra, porque eu sou Deus, e não há outro.” (Is 45.22).  Ah! Pensei para mim, eu sou um dos limites da terra; e então aquele homem virando-se e fixando seus olhos em mim, disse: “Olhe para mim!”. Bem, pensei, eu cria que teria que fazer muitas coisas, porém ali aprendi que teria somente que olhar. Havia pensado que teria que fabricar minha própria vestimenta; porém, vi que, se olhasse para Cristo, ele me daria uma vestimenta.
Eu lhes contarei como eu fui levado ao conhecimento dessa verdade. Poderia suceder que ao lhes contar isto, alguém possa ser trazido a Cristo. Deus teve por bem convencer-me de meu pecado e pequenez. Vivi como uma miserável criatura, sem encontrar esperança que me consolasse, pensando que Deus seguramente não me perdoaria. Por fim, o ruim chegou ao pior, e eu me encontrava como um ser miserável que nada podia fazer.
Meu coração estava quebrado em pedaços. Pelo espaço de seis meses orei, orei em agonia, contudo meu coração, nunca obteve uma resposta. Decidi visitar no lugar onde vivia, todos os locais de adoração, a fim de encontrar o caminho da salvação. Me sentia disposto a fazer qualquer coisa, contanto que Deus me perdoasse. Saí determinado a visitar as igrejas e fui a todos os locais de adoração, e embora respeite aos homens que ocupam estes púlpitos agora, sou obrigado a dizer que nenhum deles pregava completamente o Evangelho. Com isto quero dizer que eles pregavam a verdade, grandes verdades, muitas e boas verdades, apropriadas para suas congregações, compostas de pessoas de mente espiritual; porém o que eu desejava saber era: “como posso ter os meus pecados perdoados?”. E eles nunca me disseram. Eu queria saber como um pobre pecador, sob a convicção de pecado, poderia encontrar a paz com Deus; e não a encontrei quando fui ouvir um sermão sobre “não vos enganeis, de Deus não se zomba”, que me pôs em condições piores; porém não me ensinou como poderia me salvar. Fui outro dia e o texto foi sobre a glória dos justos; nada para o pobre de mim. Eu me parecia com o cachorro que está debaixo da mesa, a quem não se permite comer os manjares dos filhos. Fui uma e muitas vezes, honradamente posso dizer que não recordo ter ido nunca sem orar a Deus, e estou seguro que ninguém estava mais atento que eu, porque desejava grandemente compreender como poderia ser salvo.  
No fim do dia nevou tanto que não pude ir ao lugar onde havia decidido ir, e me vi obrigado a parar no meio do caminho, e esta foi uma bendita parada, porque encontrei uma rua bastante escura, cheguei a uma praça e me encontrei numa pequena igreja. Era uma igreja dos Metodistas Primitivos. Havia ouvido de muitas pessoas falar desta gente, e sabia que cantavam tão alto que seu canto dava dor de cabeça, porém não me importava. Queria saber como poderia ser salvo, e não me importava que me desse dor de cabeça. Assim que me sentei o culto continuou, porém não vi o pregador. Por fim, um homem muito magro, o Pr. Robert Eaglen, subiu ao púlpito, abriu a Bíblia, e leu as palavras: “Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra, porque eu sou Deus, e não há outro.”. Então, fixando seus olhos em mim, como se me conhecesse, disse: “Jovem, tu estás em dificuldade”. Sim, eu estava em grande dificuldade. Continuou: “nunca sairás dela enquanto não olhares para Cristo.”. E então, levantando suas mãos, gritou como creio que somente podem gritar os Metodistas Primitivos: “Olha, olha, olha”. “Somente tens que olhar”, disse. E nesse momento vi o caminho da salvação. Oh! Como saltei de alegria naquele momento! Não sei se outra coisa disse. Não prestei muita atenção, tão possuído que estava por aquela única idéia. Quando a serpente foi levantado no deserto, o povo somente teria que mirar para ser curado. Eu estava esperando para fazer o que corresponderia, porém quando ouvi esta palavra, “olha”, que agradável me pareceu!”.
Spurgeon contava nesta época com quinze anos e seis meses de idade. Pelo curto número de seus anos, pela magnífica educação moral e religiosa que havia recebido, pela vida que havia vivido, entregue quase exclusivamente a seus estudos, e pelo que se nos diz de seu caráter reto e nobre, sabemos que nunca poderia ser culpabilizado de grandes pecados, de pecados grosseiros e repugnantes. Contudo havia sentido com toda a intensidade de sua jovem natureza, a necessidade do perdão e da salvação que são em Cristo Jesus; e sua conversão foi tão real, tão profunda e tão absorvente, que transformou toda sua vida, fazendo-se notável para todos. Tão exata é esta afirmação, que alguns de seus melhores biógrafos dizem que os amigos e familiares de Spurgeon, para quem permanecia ignorado o fato de sua conversão, se deram conta imediatamente de que algum acontecimento sobrenatural e vital havia tido efeito em sua vida.
Acerca do ministro que foi o instrumento nas mãos de Deus para a conversão de Spurgeon, pelas investigações levadas a cabo pelo Sr. Danzy Sheen, que escreveu um magnífico folheto sobre a vida do grande pregador, sabemos o seguinte: Que o Pr Roberto Eaglen, era um ministro Metodista Primitivo, que fazia um trabalho itinerante no circuito de Ipswich nos anos 1850-51, em cujo distrito Colchester estava em missão, que pregou na igreja daquele lugar no domingo de 15 de dezembro de 1850, que por causa da forte nevasca chegou à igreja muito depois da hora marcada para o começo do culto; que pregou sobre o texto de Is 45.22. Muitos anos depois, o Pr Tomas Lowe apresentou o Sr. Eaglen a Spurgeon indicando a este que aquele era seu pai espiritual. À primeira vista Spurgeon não o havia reconhecido porque Eaglen havia engordado muito, contudo se regozijou muito, e disse que nunca havia esperado ver o rosto deste pregador até a manhã da ressurreição.
Imediatamente depois de sua conversão, sentiu nosso jovem o anelo intenso de se ocupar no serviço de Deus, para o serviço dos homens. Todos os que têm relatado a história de sua vida estão acordes em dizer que Spurgeon se dedicou com todo entusiasmo ao trabalho do Senhor. Trabalhava entre as crianças da Escola Dominical, dando-lhes um ensino tão agradável e instrutivo, que conquistou a simpatia delas, a tal ponto, que logo lhe rodeavam cheias de afeto. Porém o trabalho a que com maior empenho se dedicava era a  visitação para fins religiosos, a qual fazia durante a tarde, depois de terminar seus labores no colégio, casa por casa, entregando seus folhetos e falando sempre que tinha oportunidade, sobre o plano de salvação.
É impossível ponderar os benefícios que produziu este trabalho de grande distribuição de folhetos, porque cada uma dessas páginas, muitas vezes, levam sempre alguma mensagem espiritual aos homens.
Outra coisa que preocupou grandemente a Spurgeon foi a necessidade que tinha de se unir a uma igreja cristã. Já sabemos que seu avô e pai eram ministros congregacionais, e que toda sua família pertencia a esta denominação. Contudo, depois de meditar muito, estudando a Palavra de Deus, com oração, decidiu unir-se a uma igreja batista, por crer que estas eram as que mais se aproximavam do Novo Testamento. E para unir-se a uma destas igrejas, pediu e obteve permissão de seus pais. Porém deixemos que ele mesmo nos relate sobre isto: Escrevendo em sua revista, no número correspondente do mês de abril de 1890, disse:
Em janeiro de 1850 pude, pela graça divina, lançar mão de Cristo como meu Salvador. Sendo chamado pela providência de Deus, a viver em Newmarket, tratei de me unir à igreja de crentes daquele lugar; porém de acordo com minha leitura das Sagradas Escrituras o crente deve ser sepultado com ele no batismo e assim entrar em sua vida cristã pública. Me pus a buscar um pastor batista e não pude encontrar um senão perto de Isleham, no condado de Fen, onde residia um certo W. W. Cantlow, que anteriormente havia sido missionário na Jamaica, porém que então era pastor de um das igrejas batistas de Isleham. Meus pais desejavam que eu seguisse minhas próprias convicções, o Sr Cantlow preparou o necessário para o meu batismo. Eu nunca esquecerei o dia 3 de maio, o dia de aniversário de minha mãe, e eu mesmo me encontrava a poucas semanas de completar dez anos de idade. Me levantei cedo a fim de ter umas horas tranqüilas para a oração e a dedicação a Deus. Depois teria que caminhar umas oitos milhas para poder chegar ao lugar onde haveria de ser submergido no nome da Trindade, de acordo com o sagrado mandamento. Não era um dia quente, e por isso a caminhada de três horas me foi muito agradável. A contemplação do risonho rosto do Sr Cantlow foi um prêmio para essa caminhada. Me parece agora ver ao bom homem, e a lareira junto à qual falamos sobre o ato solene que iríamos realizar.
Fomos juntos ao embarcadouro, porque os amigos de Isleham usavam o mais amplo batistério no rio que lá havia.
O embarcadouro de Isleham, no rio Lark, é um lugar muito tranqüilo, a meia milha da população, e pouco turbado pelo tráfego em qualquer época do ano.
Onde se vêem três pessoas de pé, é o lugar por onde se entra na água. Logo se encontra a profundidade conveniente, e assim, é efetuado o batismo. Este lugar tem servido a cinco igrejas batistas, e por nada elas deixariam de batizar ali.
A mim me pareceu que havia uma grande concorrência naquele dia do meio da semana. Vestido, creio com uma jaqueta, assisti ao culto prévio à ordenança, porém esqueci o que se refere a ele, porque todos os meus pensamentos estavam na água, umas vezes com o Senhor em alegria, e outras comigo mesmo em grande temor, ao fazer essa profissão pública. Era uma nova experiência para mim, não havendo visto nunca um batismo. O vento batia o rio, com rajadas cortantes, quando chegou minha vez de entrar na água; porém depois de haver caminhado uns passos e notado a gente que se encontrava na barca, em botes e em ambas as margens, me senti como se o céu, a terra e o inferno me estivessem contemplando, porque não me sentia envergonhado de ser apontado ali como um seguidor do Cordeiro. A timidez havia desaparecido e muito poucas vezes volto a sentir desde então. Naquele rio Lark perdi meus temores, e me convenci de que na guarda dos mandamentos há grande prêmio. Esse foi um dia triplamente feliz para mim. Bendito seja o Senhor por sua bondade perseverante que me permite estar comentandoi com alegria sobre isto depois de quarenta anos.
E como temendo que alguma pessoa pudesse estranhar que sendo toda sua família congregacional, ele tivesse se unido a uma igreja batista, acrescenta:
 Se alguém pergunta por que fui batizado assim, respondo: porque creio que esse batismo foi a ordenança de Cristo, mui especialmente unida a ele pela fé em seu nome. “O que crer e for batizado, será salvo”. Eu não teria nenhuma idéia supersticiosa acerca de que o batismo me salvara, porque eu já estava salvo. Não buscava que meus pecados fossem limpos pela água, porque cria que meus pecados haviam sido perdoados pela fé que é em Cristo Jesus. Porém, eu considerava o batismo como um indício da limpeza do crente, o emblema de sua sepultura com o Senhor, e o testemunho externo de seu novo nascimento. Eu não confiava nele, senão que, porque confiava em Cristo, como meu Salvador, me senti obrigado a lhe obedecer como meu Senhor, e seguir o exemplo que me deu no Jordão, no seu batismo. Não cumpri a ordenança externa para unir-me a um partido e fazer-me batista, senão para ser um cristão conforme a norma apostólica, porque eles, quando creram, foram batizados.”.
Depois de permanecer em Newmarket um ano, Spurgeon obteve um assento de mestre em Cambridge, cidade onde se encontra uma das célebres universidades inglesas. Nesta ocasião foi prestar seus serviços na escola que, para a instrução de jovens internos, havia aberto pouco antes o Sr Guillermo Leeling, consagrado batista com quem já anteriormente havia estado em colntato, e de quem muitos pensam que teve uma grande e decidida influência na decisão de Spurgeon. Aqui suas atenções não eram tão árduas como haviam sido até agora, e nosso jovem, acompanhando-se de brilhantes estudantes, e se saturando numa atmosfera de intensa intelectualidade, pôde se entregar mais e melhor a seus estudos favoritos.
Ali, em Cambridge, Spurgeon, sentindo no mais profundo do seu ser o chamado divino a uma vida consagrada ao serviço do Senhor, deu começo àquele ministério tão intenso e absorvente, tão cheio de trabalhos e de êxitos, que singularizou sua vida tão maravilhosamente, permitindo-lhe chegar aos mais elevados cumes da eficiência, e por ela, à fama.

 A PESSOA DE SUPURGEON

É impossível chegar a calcular a importância do significado da vida de Spurgeon sem conhecer algo da situação religiosa do país no momento em que começou seu ministério, em meados do século XIX. O cristianismo protestante era mais ou menos a  religião nacional, se observava rigorosamente o domingo, se respeitavam as Escrituras, e aparte dos milhares não alcançados em algumas das grandes cidades, era costume geral freqüentar a igreja. Todas estas coisas se aceitavam de modo tão geral, e estavam evidentemente tão arraigadas, que as mudanças espirituais que desde então tem presenciado a nação eram tão remotas para aqueles vitorianos como os automóveis e os aviões. Contudo, não é preciso observar por muito tempo o cristianismo que prevalecia nos anos de 1850 a 1860, para notar alguns sinais dificilmente identificáveis com o que achamos no Novo Testamento: era demasiado elegante, demasiado respeitável, demasiado amigo do mundo. Era como se textos tais como “o mundo inteiro jaz no maligno” já não fossem corretos. A igreja não carecia de riqueza, nem de homens, nem de dignidade; porém sofria uma triste escassez de unção e poder. Havia uma tendência geral a esquecer a diferença entre a erudição e a cultura nos púlpitos, porém havia uma notável ausência do tipo de pregação que quebranta os corações dos homens. Talvez o pior sinal de todos era o fato de que poucos teriam consciência destas coisas. A igreja, externamente, era suficientemente próspera para contentar-se em seguir a rotina dos anos anteriores. Um escritor contemporâneo, lamentando este apático formalismo, observava: “O pregador fala durante um tempo determinado, a congregação se senta, e escuta talvez com muita paciência; canta-se o número acostumado de estrofes, e a atividade do dia tem terminado, geralmente, não costuma ocorrer nada mais.”. Ninguém negará que esta é, nem mais nem menos, a descrição do atual estado de coisas na maioria de nossas igrejas. Se o pregador der um soco mais forte com seu punho no púlpito, isto será lembrado, mas tudo o que tiver falado será logo esquecido. Spurgeon logo atacaria este tradicionalismo morto, com palavras mais diretas: “Crêem que porque algo é antigo, tem de ser venerado. Amais as antiguidades. Gostariam que a carroça não fosse puxada através da estrada feita pelo avô de vocês, e cujas marcas das rodas do seu carro que por ali passou ainda se vêem. “Que não o toquem”, dizeis: “que siga sendo um sulco profundo”. Acaso vosso avô não passou por ele estando ainda  enlameado? Por que não haveis de fazer o mesmo? Se era bom para ele, é bom para vós. Sempre haveis sentado comodamente na igreja. Nunca vistes um avivamento, nem quereis vê-lo.”.
Os setores evangélicos da igreja não haviam escapado das tendência predominantes da época. Admirava-se a memória de Whitefield e Wesley, porém não se lhes seguia. O fio da verdade evangélica havia perdido gradualmente o seu corte. Aquelas rígidas doutrinas metodistas que haviam sacudido o país um século antes não haviam sido abandonadas – e uns poucos as pregavam com fervor – porém a opinião geral era que a época vitoriana necessitava de uma apresentação mais refinada do evangelho. Com semelhantes pontos de vista, era inevitável que a enérgica e definida Teologia Reformada da Inglaterra dos séculos XVI e XVII estivesse completamente abandonada. O historiador da Reforma Merle dÁubigné, de Genebra, que visitou este país em 1845, diz que se viu obrigado a se perguntar se o puritanismo “existe todavia na Inglaterra. Talvez terá caído sob a influência dos acontecimentos nacionais, e a sob a mofa dos novelistas. Acaso, no fim, será necessário, voltar ao século XVII para encontrá-lo.”. Não obstante, é certo que alguns dos líderes evangélicos do país, especialmente os menos jovens, estavam profundamente preocupados pela situação espiritual das igrejas; John Angell James, por exemplo, que havia pastoreado a famosa igreja congregacional de Carr´s Lane, em Birmigham, desde 1805, escreveu em 1851: “O estado da religião em nosso país é baixo. Não creio que haja pregado jamais com menos resultado para salvação do que agora; e, o mesmo ocorre com a maioria. É uma aflição geral.”.  
Se estas coisas eram certas quanto ao país em geral, o eram especialmente em Londres, e a igreja batista de New Park Street, situada num setor de “penumbra e sujeira” junto à margem meridional do Tâmisa, em Soutwark, não era uma exceção. A congregação teria uma admirável história que se remontava ao século XVII, porém por aquela época se encontrava como os barcos abandonados junto ao lodo durante a maré baixa. Durante anos havia estado em decadência, e o edifício, grande e ornamentado, construído para uma congregação de mil pessoas, estava vazio em suas três quartas partes durante os cultos. Esta foi a cena que encontrou o jovem de dezenove anos que veio de Essex para pregar pela primeira vez no púlpito de New Park Street na fria e triste manhã de 18 de dezembro de 1853. Foi a primeira vez que a voz de Spurgeon se ouvia em Londres, porém quase imediatamente foi chamado a iniciar um pastorado que haveria de continuar durante trinta e oito anos até sua morte, em 31 de janeiro de 1892.

HIPERCALVINISMO

Um dos primeiros ataques que o ministério de Spurgeon sofreu depois de sua chegada a Londres, provinha de um setor da comunidade batista que naquela época poderia se descrever como hipercalvinista. Este rótulo não é dos que Spurgeon gostava de usar, pois considerava o emprego do nome do grande reformador como sendo totalmente errôneo: “Poderão chamar-se calvinistas, porém, a diferença do reformador cujo nome adotam, carrega um sistema de teologia da Bíblia com objetivo de interpretá-la, em vez de fazer que todo sistema, sejam quais fossem seus méritos, seja um caminho à Palavra de Deus pura e sem adulteração.”. Em janeiro de 1855, no número correspondente de The Earthen Vessel (O vaso de Barro), um escritor anônimo desta escola poria em tela o juízo da posição de Spurgeon e seu chamamento ao ministério. A fraseologia pouco tradicional de Spurgeon, as multidões que o seguiam, seus convites e exortações gerais a todos os ouvintes a se arrependerem e crerem no evangelho, e a amplitude de sua teologia, eram motivos de suspeita. Não era suficientemente estrito, nem bastante discriminador segundo este crítico, que se lamentava: “Spurgeon prega todas as doutrinas e nenhuma doutrina; todas as experiências, e por conseguinte nenhuma experiência.”.
Por uma razão que mais tarde se verá, o jovem pregador não se ocupou em se enfrentar com este ataque. Não obstante, às vezes fazia uma pausa, no transcurso do sermão para tratar dos pontos de vista dos hipercalvinistas. Suas reflexões são ocasionalmente semi-humorísticas, como a seguinte:
“Não é certo que há muitos bons irmãos hiper que têm pleno conhecimento das doutrinas da graça,  porém que, quando estão lendo a Bíblia, um dia acham um texto que parece bastante amplo e geral, e dizem: “Não pode ser que isto signifique o que diz; tenho que adaptá-lo até que se encaixe com o que diz o comentário do doutor Gill.”. Com maior freqüência se ocupava mais a fundo dos princípios que conduzem a este tipo de práticas, pois o hipercalvinismo não somente causa desequilíbrio pessoal, com também, o que é mais grave, impede a plena pregação do evangelho. Não creio, declara ele no curso de um sermão sobre o bom samaritano, na maneira em que alguns pretendem pregar o evangelho. Não têm um evangelho para os pecadores como pecadores, senão somente para os que estão por cima do nível da pecaminosidade, e que são tecnicamente denominados pecadores conscientes. É preciso que interrompamos esta citação por um momento para esclarecer esta terminologia. O hipercalvinismo, em sua tentativa de fazer que todas as verdades do evangelho se enquadrem com o divino propósito de salvar os eleitos, nega que haja um mandado universal para se arrepender e crer, e afirma que somente estamos justificados em convidar a ir a Cristo aos que estão conscientes da experiência de pecado e necessidade. Em outras palavras, as exortações do evangelho têm de ser dirigidas aos que têm sido espiritualmente despertados a buscar  um Salvador e não aos que estão na morte da incredulidade e da indiferença. Desta maneira se tem inventado um sistema para limitar o evangelho aos que têm razões para supor que são eleitos. À semelhança do sacerdote da parábola, continua Spurgeon, vêm ao pobre pecador e dizem: “Não estás consciente da tua necessidade, não podemos convidar-te a vir a Cristo. Estás morto, e é inútil pregar às almas mortas”, de modo que passam pelo outro lado, sempre perto dos eleitos e dos ressuscitados, porém sem ter nada que dizer aos mortos, por temor de apresentar a Cristo demasiadamente cheio de graça, e a sua misericórdia demasiado livre. Tenho sabido de ministros que dizem: pois saiba você que deveríamos  mostrar o estado do pecador, e advertir-lhe, porém não devemos convidá-lo a vir a Cristo. Sim, terão que passar pelo outro lado, depois de haver-lhe contemplado, pois sua própria confissão é que não têm boas novas para o pobre infeliz. Bendigo a meu Senhor e Mestre por haver-me dado um evangelho que posso levar aos pecadores mortos, um evangelho para o mais vil dos vis.
Spurgeon fazia ênfase nesta questão porque se dava conta que se a justificação do pecador para receber o evangelho depende de algum mérito ou sentimento pessoal, os não convertidos, como tais, não têm o dever imediato de crer em Cristo, e podem chegar à conclusão de que, por não sentir penitência nem necessidade, o mandamento de crer no Filho de Deus não está destinado a eles. Por outro lado, se a justificação depende, não de algo que haja no pecador, senão exclusivamente do mandamento e dos convites de Deus, teremos uma mensagem para toda criatura debaixo dos céus. Spurgeon não cria que a eleição deveria ser ocultada aos não convertidos, porém sustentava que o hipercalvinismo, ao desviar a atenção dos homens do centro da fé pessoal em Cristo, havia deformado a ênfase do Novo Testamento e fomentado a complacência nos incrédulos. Havia alegado que, devido a que a fé é operada no homem, pelo poder do Espírito de Deus, não podemos mandar aos homens que creiam, porém, ao adotar esta atitude, passava por alto o fato inegável de que a Escritura nos apresenta sempre a incredulidade como pecado pelo qual somos responsáveis. “Se não houvesse caído virias a Cristo no instante em que lhes fosse pregado, porém não o fazes por causa da tua pecaminosidade.”. O fato de que o homem não obedeça o evangelho, em lugar de ser escusável, é a maior expressão da depravação humana.
De tudo isto se depreende que o hipercalvinismo é mais que um mero desvio teórico do evangelho, e Spurgeon falou energicamente porque sabia por experiência que reduz as igrejas à inatividade ou as leva à paralisia completa. “Tenho conhecido alguns irmãos que tratavam de ler a Bíblia ao contrário. Diziam “Deus tem um propósito que se cumprirá sem dúvida alguma, portanto, não nos moveremos nem um palmo. Todo poder está nas mãos de Cristo, portanto estaremos quietos”, porém não é assim como Cristo lê esta porção. Diz: “Todo poder me é dado, por conseguinte ide e fazei algo”. Os indolentes de nossas igrejas ortodoxas dizem: ”Deus fará sua própria obra”; e logo buscam a almofada mais confortável que possam encontrar, e a colocam debaixo da cabeça e dizem: “os propósitos eternos se levarão a cabo: Deus será glorificado”. Tudo isto é um belo discurso para ser pronunciado, porém pode ser usado com os propósitos mais malévolos. Com ele podem fabricar ópio, que os porá num profundo e terrível sono, e impedirá que tenham a menor utilidade.”.
Aos olhos de Spurgeon o hipercalvinismo teria seu ponto mais defeituoso em não chegar a se caracterizar pelo zelo em favor do evangelismo militante e de alcance mundial. Embora soubesse que não poucos dos crentes desta persuasão eram melhores que o credo que defendiam, via claramente que tanto as evidências teológicas como as históricas indicavam que a influência deste ensino nunca fomentou a obra missionária fervorosa. Se o evangelho é tão somente para pecadores conscientes, como pode a igreja atuar sob a compulsão do mandato “ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura?”. Se o crer pertence somente ao penitente, não pertence a todos os homens em todos os lugares, pois as multidões da terra estão em tal condição: “me agradaria levar a um dos que somente pregam a pecadores conscientes, e instalá-lo na capital do reino de Dahomey. Ali não há pecadores conscientes. Contemplem a boca manchada de sangue humano, com o corpo manchado do sangue de suas vítimas imoladas. Como encontrará méritos ali o pregador? Não sei o que poderia dizer, porém sei qual seria minha mensagem. Minhas palavras seriam estas: “varões e irmãos: Deus, que fez o céu e a terra, tem enviado a seu Filho Jesus Cristo ao mundo para morrer pelos nossos pecados, e qualquer um que nele creia não perecerá, mas tem a vida eterna.”.
Chegou o dia, disse em outro sermão, em que somente a idéia de enviar o evangelho aos pagãos era considerada por nossos irmãos ortodoxos como quixotismo, algo que não deve nem intentar-se, e ainda agora, se diz: “o mundo inteiro para Jesus”, abrem os olhos e dizem: “Ah, tememos que vocês sejam contagiados pela redenção universal, ou que passem para o campo arminiano.”. Que Deus conceda a estes amados irmãos novo coração e espírito apropriado; atualmente seu coração é demasiado pequeno para dar-lhe muita glória. Oxalá tenham corações maiores, corações como o do seu Senhor, e que lhes seja dada graça para apreciar mais o sangue precioso, pois nosso Senhor não morreu para comprar umas tantas centenas de almas, ou para redimir para si um punhado de pessoas, mas derramou o seu sangue por uma multidão que não se pode contar,  e seus eleitos serão mais numerosos do que as areias do mar.”.


A GRANDE CONTROVÉRSIA

Se o leitor se atém às biografias de Spurgeon publicadas no século XX, não lhe seria difícil achar referência à oposição do pregador à escola dos hipercalvinistas. J. C. Carlile, por exemplo, diz: “Naturalmente, a teologia de Spurgeon o levou freqüentemente à controvérsia”, e imediatamente procede a mencionar a controvérsia que esboçamos anteriormente. Se nos deixa com a impressão de que Spurgeon era exatamente como nós oposto aos extremos; e se nos confirma nesta impressão quando se nos diz, por parte de W.Y. Fullerton, que “se separou da escola especialmente austera”.
Desde logo se declara vagamente o calvinismo de Spurgeon, porém Carlile acrescenta que as rígidas verdades da fé calvinista eram sustentadas praticamente por todos os protestantes. De modo que, com tais garantias, se permite que confiadamente suponhamos que o conteúdo doutrinal da pregação de Spurgeon não causou grandes comoções no mundo religioso de seu tempo. Isto é completamente enganoso. De fato, os biógrafos do século XX têm passado por alto completamente a mais importante controvérsia de seu ministério inicial; não há nem sequer um vislumbre de palavra que ressoe nos seis volumes dos sermões de New Park Street; não pode achar-se nos índices destas biografias, e o mais assombroso é que, em geral, tem desaparecido da edição Kelvedon dos próprios sermões de Spurgeon que se estão publicando atualmente. Por que os evangélicos modernos têm de ter tanto cuidado em fazer desaparecer a palavra arminianismo?
Abrimos aqui um breve parêntesis para comentar o caráter dito rígido do calvinismo. Sabemos que Calvino valeu-se para esboçar sua teologia especialmente da próprio texto bíblico, particularmente da teologia de Paulo. Ora, então não é Calvino que é rígido, mas a própria Bíblia, o próprio apóstolo Paulo, então podemos dizer que é o próprio Deus. Há portanto critério, valor, padrão, além da fé. Agora a questão que se levanta é a seguinte: o rigor de Paulo quanto ao comportamento dos crentes delineado em suas epístolas era um rigor exclusivo da cultura judaica?  Ele o retirou do estoicismo grego? Não. Ele os retirou dos mandamentos morais de Deus, que são eternos. Não furtarás, não mentirás, não cobiçarás, não darás falso testemunho; procede do céu e não da terra. É revelado desde o alto pelo próprio Deus. E quanto às questões não morais estão ficam subordinadas à lei régia do amor ao próximo, de modo que nem tudo que é lícito convém, quando a consciência, especialmente dos irmãos na fé for ofendida pelo nosso procedimento. Percebemos então que não se pode firmar doutrina liberal sem que se ofenda a santidade e vontade de Deus que determina todas estas coisas. É uma clara transgressão da vontade de Deus revelada desde o alto, a simples tentativa de se tentar conciliar uma vida cristã conformada ao mundo, a pretexto de que o evangelho deve se adaptar à cultura em que for pregado. Na verdade é a mensagem do evangelho que deve prevalecer sobre a cultura quando alguém se converte a Cristo, porque a mensagem é imutável.
Mas voltemos ao nosso biografado. Qualquer que seja o propósito com que se tenha feito, este método de tratar de Spurgeon tem criado de modo efetivo a impressão que dele se tem hoje em dia num amplo setor; porém cremos que esta impressão da natureza da posição evangélica de Spurgeon se desmorona por completo quando se estuda sua autobiografia e seus sermões sem abreviações. Afortunadamente, este estudo estará pronto possivelmente para os que desejem efetuá-lo, já que a primeira parte de sua autobiografia se publica agora novamente sob o título de The Early Years, e os volumes correspondentes ao New Park Street Pulpit virão logo a seguir. Quando em 1959 se publicou uma pequena seleção de seus sermões, em comemoração do avivamento que teve lugar um século antes, alguns críticos britânicos não puderam evitar expressar sua impressão de que os sermões tinham sido escolhidos expressamente com a tentativa de apresentar uma posição partidária que na realidade não era peculiar a Spurgeon, e quando os mesmos sermões foram traduzidos por um ministro espanhol, os batistas daquele país puseram em tela de juízo a veracidade da tradução. Podemos rir ao escutar a história do colegial da época vitoriana que cria que Spurgeon era o Primeiro Ministro da Inglaterra, porém em nosso tempo circulam idéias igualmente absurdas quanto à classe de homem que realmente foi.
Ao desenvolver estes conceitos é preciso primeiro demonstrar que o ponto de vista doutrinal que predominava nos anos de 1850 a 1860 não era calvinista, como afirma Carlile, senão ao contrário, arminiano, e foi principalmente devido a isto que Spurgeon estava contra isso que sua chegada a Londres foi vista tão desfavoravelmente pelo mundo religioso. Os embates de Spurgeon com o hipercalvinismo foram meras escaramuças comparados com a batalha que teve que travar com uma frente muito mais distinta e ampla; considerava que o hipercalvinismo era defendido tão somente por um grupo de influência comparativamente pequeno e espalhado, dentro da denominação batista, enquanto que mirava o arminianismo como erro que estava influenciando todo o setor não conformista, assim como dentro da igreja da Inglaterra. Por conseguinte, dedicou muito mais tempo e energia a este último, e o correto de seu procedimento de tal posição se demonstra pela forte oposição que logo encontrou.
Os poucos períodos religiosos que favoreciam ao hipercalvinismo não poderiam ter causado jamais a tormenta que rugiu em torno do ministério de Spurgeon em seus anos iniciais. Os periódicos em geral tanto os religiosos, como os seculares, estavam na realidade tão distantes do hipercalvinismo que nem sabiam sequer que Spurgeon fosse combatido pelos hipercalvinistas.
Umas breves citações sacadas de uma variada seleção de periódicos mostraria logo que a posição doutrinal de Spurgeon era sua principal falta aos olhos de seus contemporâneos: The Bucks Chronicle o acusava de fazer do hipercalvinismo requisito essencial para entrar no céu. The Freema, deplorava que denunciasse aos arminianos em quase todos os sermões. Mas The Patriot, periódico não conformista, recompilou melhor que nenhum outro, em linhas que reproduzimos, o porque todos se sentiam tão agravados pelo jovem pregador:
“Todos, a seu turno, vêm a ser objeto dos açoites do precoce principiante. Somente ele é um calvinista conseqüente, os demais são arminianos rematados, antinomianos licenciosos, ou crentes nominais nas doutrinas da graça. A preparação universitária não faz outra coisa que afastar os jovens do povo, e na realidade os lavradores constituiriam muito melhores pregadores. A religião que em nossa época é escrava do século, é a única que se exibe nos templos evangélicos. Quantos pregadores piedosos há no domingo que têm sido pregadores mui ímpios durante o resto da semana! Nunca ouve a seus irmãos ministros estabelecerem a doutrina da satisfação e da substituição de nosso Senhor Jesus Cristo. Estes pescadores de homens têm passado a vida inteira pescando com elegantíssimas canoas providas de anzóis de ouro e prata, porém apesar disso, os peixes não querem morder suas iscas, enquanto que nós, os menos elegantes, temos colocado o anzol nas bocas de centenas. Ainda mais duro, se cabe, é o tratamento que o senhor Spurgeon dá aos teólogos que não pertencem à sua própria escola especial. As perversões arminianas em particular, têm de voltar ao poço onde nasceram. Seu conceito da possibilidade de uma queda final da graça é a falsidade mais ímpia da terra.”.    
Estas citações estão matizadas pela fúria dos escritores, porém todas coincidem em duas acusações, a saber: que a doutrina de Spurgeon não era a que caracterizava o protestantismo contemporâneo, e que ele se opôs aberta e repetidamente ao arminianismo. Em vez de se declarar inocente destas acusações, Spurgeon as aceitou prontamente. Seu ponto de vista quanto à situação religiosa era que a igreja estava sendo tentada em sua maior parte pelo arminianismo, e que sua necessidade primordial não era simplesmente mais evangelismo, nem sequer mais santidade senão o retorno à plena verdade das doutrinas da graça, às quais, para defini-las estava disposto a chamar de calvinismo. É evidente que Spurgeon não se considerava a si mesmo simplesmente como evangelista, senão também como reformador cujo dever era dar mais proeminência no mundo religioso às antigas doutrinas do evangelho. A antiga verdade que Calvino pregou, que Agostinho pregou, que Paulo pregou, é a verdade que devo pregar hoje, ou do contrário seria infiel à minha consciência e a meu Deus. Não posso ser eu o que dá forma à verdade, ignoro o que é suavizar as arestas salientes de uma doutrina. (cabe destacar que Jesus disse que aquele que guardasse e ensinasse aos homens os mandamentos da lei de Deus seria grande no reino dos céus. Spurgeon levou a sério e colocou em prática as suas palavras). O evangelho de  John Knox é o meu. O que trovejou na Escócia há de trovejar de novo na Inglaterra. Estas palavras, que colocou no principio do capítulo intitulado Defesa do Calvinismo em sua autobiografia, nos levam de novo ao centro de seu ministério em New Park Street, há neste homem um zelo reformador e um fogo profético que, se bem despertou a alguns, excitou em outros a ira e a hostilidade. Spurgeon falou como homem convencido de que conhecia a razão da ineficácia da igreja, e ainda que tivesse que ser a única voz, não se calaria:
“Tem surgido na igreja de Cristo a idéia de que na Bíblia se ensinam muitas coisas que não são essenciais; que podemos alterá-las um pouquinho para facilitar as coisas; que contanto que andemos retamente no fundamental, o mais não é importante. Mas saibam isto: a menor violação da lei divina trará juízos sobre a igreja, e tem trazido juízos, e neste mesmo dia está impedindo que a mão de Deus nos bendiga. A Bíblia, toda a Bíblia, e nada mais que a Bíblia, é a religião da igreja de Cristo. E até que a isto voltemos, a igreja terá de sofrer.”
“Ah, quantos tem havido que disseram que os antigos princípios puritanos são demasiado duros para estes tempos; os alteraremos, os sintonizaremos um pouco”. A que te propões, insensato? Quem és tu que te atreves a tocar uma só letra do Livro de Deus ao que Deus tem rodeado de trovões, naquela tremenda sentença em que tem escrito: “Se alguém acrescentar algo a estas palavras, Deus trará sobre ele as pragas que estão descritas no livro desta profecia, Deus tirará sua parte do livro da vida, e da santa cidade.”. Quando pensamos nisso, nos damos conta de que é algo terrível que os homens não formem um juízo apropriado e correto sobre a Palavra de Deus, que o homem deixe um só ponto dela sem averiguar, um só mandamento sem estudar, extraviando assim talvez a outros, enquanto nós mesmos estamos em desobediência a Deus...”.
 “Nossas vitórias na igreja não têm sido como as vitórias dos tempos antigos. Por que é assim? Minha teoria para explicar isto é a seguinte: em primeiro lugar, o Espírito Santo tem estado ausente de nós em grande medida. Porém se chegarem à raiz para saberem a razão, minha outra resposta, mais completa, é esta: a igreja tem abandonado sua pureza original, e portanto, tem perdido o poder. Se houvesse deixado todo o erro, se pela vontade unânime do corpo inteiro de Cristo houvesse abandonado toda cerimônia indesejável, toda cerimônia não ordenada nas Escrituras, se rechaçasse toda doutrina não apoiada pela Sagrada Escritura, se a igreja fosse pura e limpa, sua senda seria para o alto e adiante, triunfante, vitoriosa.”.
“Isto poderá parecer de pouca importância, porém, na realidade é assunto de vida ou morte. Quisera suplicar a todo crente: pensa bem, amado irmão. Quando alguns de nós pregamos o calvinismo, e alguns o arminianismo, não podemos ambos ter razão, é inútil tratar de pensar que podemos. Sim e não, não podem ser os dois verdade. A verdade não oscila como o pêndulo que marcha para trás e para adiante. Não é como o cometa, que está aqui, ali, e em todas partes. É preciso que um tenha razão e o outro esteja equivocado.”.
Não é de se admirar que Spurgeon tenha sido atacado e perseguido. O que não era o caso de seus opositores ferrenhos que se acomodaram a um evangelho que não tinha o caráter daquele que Jesus e os apóstolos pregaram e que lhes trouxe a mesma perseguição. Jesus advertiu que por pregarmos a verdade seríamos perseguidos, e disse que bem-aventurados são os perseguidos por amarem a justiça do reino. Paulo disse que aquele que vivesse piamente em Cristo seria perseguido, assim como ele foi perseguido. Não admira portanto que Spurgeon fosse perseguido por sustentar corajosamente a verdade do evangelho.
Spurgeon não tinha a menor dúvida de que era esta ênfase o que provocava a intensa oposição a seu ministério: “nos culpam de ser hipers; nos consideram a chusma da criação; apenas há ministros que nos vêem ou falam favoravelmente de nós, porque defendemos pontos de vista enérgicos quanto à soberania de Deus, suas divinas eleições e seu especial amor, pelo seu povo.”. Pregando a sua própria congregação em 1860, dizia: “Não tem havido uma igreja de Deus na Inglaterra nos últimos cinqüenta anos que haja tido que passar por mais provas que nós. Apenas passa um dia em que não caia sobre minha cabeça o mais infame dos insultos, em que a difamação mais horrível não seja pronunciada contra mim tanto em privado como na imprensa pública; se empregam todos os meios para derrubar o ministro de Deus, me lançam todas as mentiras que o homem pode inventar. Não tenho freado nossa utilidade como igreja; não tenho reduzido nossas congregações, o que havia de ser tão somente um espasmo, um entusiasmo que se esperava duraria somente uma hora Deus o tem incrementado dia a dia; não por minha causa, senão por causa daquele evangelho que prego, não porque houvesse algo em mim, senão porque me apresento como expoente do calvinismo, sincero, direto e honrado, e porque procuro falar a Palavra com sinceridade.”.
Spurgeon não se surpreendeu da inimizade que se manifestava contra sua proclamação das doutrinas da graça: “Irmãos, em todos os corações há esta natural inimizade contra Deus e contra a soberania da sua graça.”. “Tenho sabido que há homens que mordem os lábios e rilham os dentes raivosos quando tenho pregado a soberania de Deus...os doutrinários de hoje aceitam um Deus, porém não há de ser Rei, a saber, escolheram um deus que não é deus, e antes servo que soberano dos homens.”. “o fato de que a conversão e a salvação são de Deus, é uma verdade humilhante. Devido a seu caráter humilhante, não agrada aos homens. Isto de que me dizem que Deus tem de salvar-me sim tenho de ser salvo, e que estou em suas mãos, como a argila está nas mãos do oleiro, “não me agrada” diz um. Bem, já pensei que não te agradaria, quem sonharia sequer que ia agradar-te?”.
Por outro lado, Spurgeon considerava o arminianismo como popular devido a que servia para aproximar mais o evangelho do pensamento do homem natural, aproximava o ensino da Escritura à mente mundana. O ponto de vista comum do cristianismo era aceito pelos homens simplesmente porque não era o ensino de Cristo, “se a religião de Cristo nos tivesse ensinado que por seu sangue havia quitado o pecado de todo homem, e que todo homem, por seu próprio e livre arbítrio, sem a graça divina, poderia ser salvo – certamente seria uma religião muito aceitável para a massa dos homens.”.
O aguilhão do comentário de Spurgeon se devia a que isto era precisamente o que um protestantismo superficial estava pregando como fé cristã. Assim, ao atacar os conceitos mundanos do cristianismo que circulavam, Spurgeon não podia evitar minar também o que tanto, dentro da igreja, estavam realmente pregando. Não é de estranhar que houvesse grande rebuliço. Porém Spurgeon não cedeu, pois cria que as antigas verdades eram suficientemente poderosas para transtornar este século. Num sermão sobre O Mundo Transtornado, declarou: “Cristo tem transtornado o mundo, no tocante a nossos conceitos religiosos. A massa humana crê que se um homem quer ser salvo, esta vontade é tudo que é necessário. Muitos de nossos pastores pregam com efeito esta máxima mundana. Dizem aos homens que têm de se predispor a si  mesmos. Agora bem, ouça como o evangelho transtorna esta idéia. “Não depende de quem quer, nem de quem corre, senão de Deus, usar de misericórdia.”. O mundo quer ter também uma religião universal; porém veja como Cristo derruba esta ambição: “Eu rogo por eles, não rogo pelo mundo.”. Nos tem escolhido entre os homens: “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai em santificação do Espírito, para obedecer”. Afirma que ninguém pode vir a Ele se não for atraído pelo Pai. Que ninguém conhece o Pai senão Ele e a quem Ele quiser revelar o Pai. Diz que o homem por si mesmo não quer ir a Ele para ter vida. Paulo afirma que a carne é inimizade contra Deus, como de fato é. E como vem agora o arminiano afirmar que é o homem que decide unilateralmente quanto à questão de se salvar ou não? Deus na sua eleição e misericórdia salva muitos que abrigam tal pensamento, e que O desonram dizendo que podem perder sua salvação, quando não a perderão, ainda que assim considerem em suas mentes, mas eles ensinam contra a verdade quando afirmam estas coisas, e obscurecem com isto a glória do Salvador e do Seu evangelho.
A doutrina da eleição, conforme ensinada na Bíblia, não é uma doutrina de pequena importância como alguns imaginam, ou mesmo desnecessária como alguns a consideram, porque é exatamente por ela que se afirma a salvação como dependente da iniciativa de Deus, uma obra de misericórdia de Deus, um dom de Deus para o pecador perdido. Deus elege sem levar em conta o mérito. Não escolhe os melhores entre os excelentes, senão a incapazes entre ímpios, pois se diz que não há um só justo sequer, e todos estão destituídos da glória de Deus. Assim pois escolhe com base exclusivamente na Sua misericórdia e amor, dando vista ao cego pecador para que veja a Cristo, e vida para o morto pecador para que viva em novidade de vida. Como pois está no domínio do cego e morto pecador decidir sobre a sua salvação, sem contar com a obra de convencimento do pecado, da justiça e do juízo, bem como da obra de regeneração que são realizadas pelo Espírito Santo?

IMPOSSIBILIDADE DE TRANSIGÊNCIA

Antes de analisar as conseqüências doutrinais de algumas das passagens citadas, vale a pena comentar o fato de que Spurgeon evidentemente considerava que a diferença entre o calvinismo e arminianismo era algo concreto e detalhado, e não meramente uma questão de “equilíbrio” ou proporção da verdade. Não entendia por arminianismo uma ênfase na responsabilidade humana, pois pregava a responsabilidade do homem tão energicamente como os demais. Cria menos ainda que uma posição bíblica conseqüente abarque ambas posições, muito ao contrário, achava difícil ter paciência quando se enfrentava com tal confusão: não crerão, disse, que é preciso que tenham erros em sua doutrina para torná-los úteis. Temos a alguns que pregam o calvinismo na primeira parte do sermão, e terminam com o arminianismo, porque crêem que isto lhes fará úteis. Necessidades inúteis. Isto é o que logram. Se um homem não pode ser útil com a verdade, não pode sê-lo com o erro. Há suficiente provisão na doutrina pura de Deus, sem necessidade de introduzir heresias, para pregar aos pecadores.”. O fato é que na controvérsia entre os dois sistemas há questões doutrinais definidas, e quando um homem se enfrenta com estas questões, há de defender um sistema ou outro.
Até parece que Deus em sua infinita sabedoria, não foi categórico em relação a algumas questões exatamente para provar o nosso amor pela verdade. Se a afirmaremos diante dos homens não para agradá-los, mas para agradar a Deus, ou se o contrário. E a verdade é fixada quando é afirmada na face do erro. Mas desaparece quando por fraqueza tentamos transigir com o erro pelo temor de não desagradar alguns.
Algumas destas questões podem ser formuladas como se segue:
Há um plano eterno de redenção pelo qual Deus tem determinado salvar, por meio de Cristo, a certas pessoas a quem Ele tem escolhido?
Este plano faz provisão para a concessão gratuita de todo o necessário para seu cumprimento, ou está seu cumprimento condicionado pela aceitação do homem?
Quando Cristo morreu, assegurou infalivelmente a redenção de todos aqueles a quem representou como substituto?
É certo que o Espírito Santo, ao regenerar pecadores, leva a cabo plenamente o propósito do Pai, e aplica sem falta a obra redentora de Cristo?
É possível resistir à obra regeneradora do Espírito?
Somos regenerados, ou nascidos de novo, por causa da nossa fé e arrependimento, ou é a fé o efeito e resultado da regeneração?
Provavelmente haverá quem deseje fazer objeções à mera formulação de perguntas como estas. Os breves artigos doutrinais do evangelismo moderno – diferentemente das confissões reformadas dos séculos XVI e XVII - nada têm a dizer sobre estas questões; é de presumir que isto é devido a não se considerar que ainda seja necessário. A atitude prevalecente tem sido a de  franzir a testa diante das proposições claras e definidas da verdade, e lutar por preservar o caráter obscuro e indefinido, como se este último fosse mais espiritual e bíblico, e mais adequado para preservar a unidade. Por conseguinte, não há de surpreender que em semelhante atmosfera de escassa visibilidade espiritual, se tenha vulgarizado a idéia de que um homem pode ser ao mesmo tempo arminiano e calvinista. William Cunningham define a verdadeira posição e controvérsias sobre estes pontos “confirma decididamente a impressão de que há uma clara linha de demarcação entre o princípio fundamental dos sistemas de teologia agostiniano ou calvinista e o pelagiano e arminiano, que o verdadeiro cerne da questão na controvérsia entre estes grupos pode se comprovar fácil e exatamente; que pode sem dificuldade chegar-se ao ponto em que os homens podem e devem dizer sim ou não, e segundo digam uma ou outra coisa, podem ser tidos por calvinistas ou arminianos, e pode se lhes chamar assim com plena justificação.”.
Não nos propomos a formular as respostas de Spurgeon às perguntas antes citadas (em todo o caso as respostas serão suficientemente óbvias segundo as passagens que vamos citar), sendo melhor, examinar porque cria que os erros do arminianismo eram tão prejudiciais para a igreja. Somente partindo da Escritura, se pode determinar se teria razão em sua atitude e em atacar o protestantismo contemporâneo como fez, porém deve ser evidente para todos que este é um tema de importância vital para nós, já que afetará essencialmente nossa opinião do evangelismo na época atual. Ao explorar as razões da firme posição de Spurgeon frente ao arminianismo, não estamos, pois, escavando simplesmente algum antigo campo de batalha da antigüidade teológica; o fato de que a questão se preste tanto todavia à controvérsia demonstra que tem muito que ver com a presente situação das igrejas.
Por exemplo, ao se levantar a questão da possibilidade da perda da salvação por verdadeiros crentes, como pensam os arminianos, o que está em foco não é o conteúdo relativo às possíveis respostas à questão propriamente dita, mas a sua negação direta do perfeito sumo sacerdócio de Cristo, da perfeição de sua obra de salvação, da certeza da firmeza dos crentes na verdade de que são nova criatura nEle, que morreram para sempre para o pecado, e que têm a promessa de vida eterna e vitória sobre a condenação e a morte, pela identificação com a morte e ressurreição de Cristo. Em suma, nega-se indiretamente todas as verdades centrais do evangelho, que afirma que o crente não é mais para todo o sempre escravo do pecado, mas sim, escravo da justiça. Mas com que segurança estas verdades bíblicas poderão ser afirmadas diante do pressuposto da possibilidade da perda da salvação? O crente teria porventura todas estas coisas mediante a sua própria capacidade de retê-las, de produzi-las, mantê-las, ou na exclusiva suficiência de Cristo e da Sua graça, que salvou o crente, pois afinal todos são salvos simplesmente pela graça, mediante a fé, e não por obras.
Na verdade, subjaz por detrás das afirmações arminianas, uma poderosa influência do humanismo que predominou na sociedade moderna e que continua predominando especialmente na chamada pós-moderna de nossos dias com todo o seu aparato de sistemas em que o homem  simplesmente é colocado como o centro e dominador de todas as coisas, e onde Deus, e até mesmo a Sua existência e honra de Criador são descartados pelo mundo secular. O que está em foco na pregação de caráter arminiano é na verdade o temor de marchar na contra-mão do mundo, conforme exigido pela Palavra e vontade de Deus. O temor de contrariar a sociedade e cultura. O temor de apresentar Deus e a verdade de que Ele faz distinção entre crentes e descrentes, leva-lhes a pregar um evangelho que não ofenda a consciência dos incrédulos, e tiram a salvação das mãos de Deus e a colocam nas mãos do homem, e lhe dizem que cabe somente a ele decidir se permanecerá salvo ou não. Mas não é isto o que a Palavra ensina acerca da salvação.


COMEÇO DOS SEUS LABORES

Quando de sua chegada a Cambridge, Spurgeon se uniu à igreja batista da rua Saint Andrew, levando consigo uma carta de transferência. Esta igreja, de larga e honrosa história já havia tido épocas de grande fortalecimento, sob o pastorados dos célebres Robert Robinson, e Robert Hall, homens eminentes e de grandíssimo prestigio, dentro e fora de sua denominação, e que tinham profundos conhecimentos e grande eloqüência, além de uma singular piedade e uma consagração constante. Um destes dois homens, Robert Hall, havia sido um dos pregadores mais eminentes da época, que com o poderoso influxo de sua palavra, havia congregado em sua igreja o mais seleto da população, e chegado a uma multidão de corações. O nome de Robert Hall, seguramente era lembrado por muitos membros da igreja, quando nosso biografado se uniu a ela, se não por um conhecimento pessoal e direto, pelo menos, por sua fama e a magnífica influência que havia deixado depois de si.
A característica desta igreja, durante muitos anos, foi sua grande atividade no serviço do Mestre, tendo uma bem conhecida Associação de Pregadores Leigos, a qual atendia à pregação do evangelho em muitos lugares, nos quais por sua pobreza ou isolamento, se fazia impossível que neles se radicassem ministros. A magnífica obra efetuada por esta associação, foi realmente incalculável, não somente pelo número de lugares onde fazia conhecer a mensagem do evangelho, coisa que de outra maneira talvez tivesse sido impossível, senão também pelo benefício intelectual, preparatório e espiritual dos jovens pregadores. Verdadeiramente, a pregação leiga, quando é bem organizada e dirigida, não pode produzir menos do que bom fruto, e é uma grande lástima que em nossas igrejas, um número considerável das quais são numerosas e fortes, e contam com elementos que as capacitam a realizar um belo trabalho, não utilizem neste sentido os talentos de tantos jovens cristãos, consagrados e fiéis, que seguramente realizariam um grande trabalho no serviço de Deus e dos homens.
Desde sua chegada a Cambridge, Spurgeon se uniu a esta Associação de Pregadores Leigos, embora ele nunca houvesse pregado. Nesta época, segundo nos informa um escritor, o tempo de nosso jovem se distribuía da seguinte maneira: levantava-se muito cedo para dedicar as horas da manhã às suas devoções e estudos; logo se ocupava nos trabalhos do colégio, até quatro horas da tarde, e quase todas as noites ia a algum culto religioso, geralmente dirigido por um membro da referida associação. E os domingos eram muito ocupados para Spurgeon. A obra da Escola Dominical lhe atraía grandemente, e nela logo se destacou. Ele ocupou vários cargos na Escola Dominical, e por seu caráter afável e carinhoso, e pela magnífica instrução que dava aos meninos, estes chegaram a considerá-lo como um verdadeiro amigo. Muito freqüentemente era visto rodeado de meninos compartilhando muitas vezes suas brincadeiras, divertindo-lhes toda vez que ia instrui-los.
No trabalho da Escola Dominical se destacou pelas práticas que nela pronunciava e as que chegaram a lhe dar certo renome na população.
Seus biógrafos nos dizem que freqüentemente era convidado a ir às aldeias vizinhas para fazer estas práticas, e ele mesmo fala disso como veremos adiante. Como muitos outros antes e depois dele, a Escola Dominical foi o campo onde deu seus primeiros passos na vida ministerial. A maneira com que pregou seu primeiro sermão, a relata da seguinte forma:
Recordamos muito bem o primeiro lugar em que falamos a uma congregação de adultos. Essa não foi nossa primeira prática em público, porque tanto em Newmarket como em Cambridge, e em outros lugares a Escola Dominical nos havia oferecido amplo campo para falar do Evangelho. Em Newmarket, sobretudo, teríamos um considerável número de pessoas maiores no auditório, porque muitas viriam para ouvir o jovem pronunciar sua conferência. Porém nunca havíamos dirigido uma congregação regular, reunida para a adoração, até que numa tarde memorável nos encontramos em uma cabana em Teversham, dirigindo-nos a uma assembléia de humildes aldeões.
Tal coisa não é nova. Um número de irmãos dignos pregam o Evangelho nos vários povoados que rodeiam a Cambridge, tomando cada um deles seu turno, de acordo com um plano. Na segunda-feira, quem presidia era o venerável Sr. Santiago Vinter, a quem costumávamos chamar de Bispo Vinter.
    Num sábado havíamos terminado nosso trabalho de manhã na escola, e os meninos se dirigiam a suas casas, quando veio o dito bispo, e pediu-nos que fôssemos a Teversham no domingo seguinte, à tarde, porque ali haveria de pregar um jovem que não estava muito acostumado a fazê-lo, e que seguramente se alegraria muito de que alguém lhe acompanhasse. Essa foi uma ocasião habilmente preparada, se a recordamos bem, e cremos que sim, porque naquele momento, à luz daquela tarde reveladora de domingo, admiramos grandemente sua ingenuidade. Um pedido de ir pregar haveria recebido uma rotunda negação, porém meramente acompanhar a um bom irmão a quem não agradava estar só, e que provavelmente me pediria que lesse um hino, ou que orasse, não era um trabalho tão difícil, e o pedido, entendido dessa maneira, foi alegremente aceito. Nada sabia o jovem servo que Jônatas e Davi estavam fazendo quando se lhe ordenou que recolhesse a flecha, e da mesma maneira, mui pouco sabíamos nós o porque se nos lisonjeava ao se nos pedir que acompanhássemos aquele jovem a Terversham.
Nosso trabalho da Escola Dominical havia terminado e já havíamos tomado o chá, quando partimos através de Barnwell, e ao longo do caminho de Newmarket, com um jovem um pouco maior que nós. Falamos de coisas boas e por fim expressamos nosso desejo que ele sentisse a presença de Deus enquanto pregasse. Nosso companheiro pareceu estranhar o que dissemos e nos assegurou que jamais havia pregado em sua vida, e que não poderia fazê-lo;  e acrescentou que ele entendia que seu jovem amigo, o Dr. Spurgeon, haveria de fazê-lo. Este era um novo aspecto da situação, e eu somente pude responder que não era ministro, e que ainda que o fosse, não estava preparado. Meu companheiro repetiu, de maneira mais enfática, porém que não haveria sermão a menos que eu pregasse. Me disse que se eu repetisse uma de minhas práticas da Escola Dominical, que me apresentaria muito bem àquela pobre gente, e que provavelmente a satisfaria mais que o bem preparado sermão de um teólogo. Senti então que estava obrigado a fazer tal coisa, da melhor maneira possível. Segui caminhando silenciosamente, elevando minha alma a Deus, e me pareceu que seguramente eu poderia falar pelo menos a uns pobres camponeses da doçura e do amor de Jesus, porque eu sentia ambas coisas em meu coração. Pedindo a divina ajuda, determinei fazer uma tentativa. Meu texto seria, “para vós porém, os que credes, ele é precioso”, na esperança de que Deus abriria meus lábios para a glória de seu Filho. Me parecia que esse era um grande perigo e uma séria  prova, porém confiando no poder do Espírito Santo, pelo menos lhes diria a história da cruz, para evitar que o povo fosse para suas casas sem ouvir o evangelho.
Entramos no lugar de culto, que era uma humilde habitação, onde se haviam reunido uns poucos e sinceros camponeses com suas esposas, cantamos, oramos e lemos as Escrituras, logo surgiu o nosso primeiro sermão. Se foi longo ou curto, não o podemos lembrar agora, porém não foi um trabalho tão difícil como havia parecido que seria, porém nos alegramos de haver chegado a uma boa conclusão e de poder cantar um hino.
A pregação de nosso jovem, apesar de não ter se preparado, agradou muito àquele grupo de camponeses. Aquela pregação que não foi outra coisa que a tradução em palavras audíveis dos profundos sentimentos que se aninhavam em seu coração, teria uma nota tão mareada de sincera devoção ao Mestre do entusiasmo de sua alma juvenil, rendida absolutamente a Cristo, que não poderia deixar de impressionar aqueles ouvintes, gente humilde, porém cristãos fervorosos. Seu coração estava cheio do amor de Deus, e a história da cruz era espiritualmente formosa para ele, já que por ela havia encontrado a paz e a salvação;  e assim falando da abundância do coração, suas palavras haviam de ter eco no coração dos que o escutaram.
Pessoas que ouviram o nosso biografado por esta época, afirmam que sua pregação daqueles dias profetizava que chegaria a ser tão poderoso e popular pregador, e que abundava em ilustrações tomadas geralmente da matemática e da geografia. Por sua unção a natural fluidez de suas palavras, a veemência com que falava, e todas aquelas outras qualidades que constituem o verdadeiro orador, Spurgeon, ainda necessitava naqueles momentos, como é natural, de muito melhoramento, polir-se muito, e crescer na experiência, anunciava não obstante, que haveria de chegar a ser grande como orador sagrado.
Havendo-se rasgado o véu, nosso jovem continuou pregando nas distintas missões que se encontravam a cargo da Associação de Pregadores Leigos, uma vez que seguia atendendo a seu trabalho na Escola Dominical. Nesta pregação poria tanto entusiasmo, tanto de sua própria alma, que mui logo depois de seu primeiro sermão em Teversham, a fama do menino pregador como muitos o chamavam, começou a se estender pelos campos e aldeias que rodeavam a Cambridge; e de todas as partes recebia convites para a pregação do evangelho.
O Dr. H. L. Wayland disse que, seus serviços eram solicitados em todas as vilas que rodeavam a Cambridge, ainda que as condições materiais das igrejas eram tais que seus labores foram recompensados somente com muita experiência. Freqüentemente as necessidades das congregações pesavam muito em suas simpatias e em seu bolso. Ele tem relatado que uma vez, numa noite chuvosa, depois de haver caminhado algumas milhas para chegar a um povoado, deparou-se com o quadro de que ninguém havia se atrevido a sair de sua casa, então, envolto em sua capa, carregando sua lanterna na mão, foi de casa em casa, convidando e incitando as pessoas para que fossem ouvir o evangelho; e que assim pôde, reunir uma pequena congregação. Isto demonstra a intensidade com que se entregava à pregação, e o profundo anelo que sentia de ser  útil às almas de seus semelhantes. Com efeito, a história de sua vida põe abertamente que desde o mesmo começo de sua vida cristã, sentiu o desejo de ser útil no serviço de Cristo.
E este desejo de serviço não é, de nenhuma maneira, incomum nem estranho na vida cristã. Pelo contrário, isso é uma coisa perfeitamente lógica e natural, quando a alma, sentindo-se perdoada e salva, se rende a Cristo, não somente para adorá-lo, como também para trabalhar em seu nome. A grande mácula do ascetismo tem sido esta precisamente: que com uma grande aparência de ânsia de santidade, tem havido nele, na realidade um grande fundo de egoísmo pessoal, com menosprezo de toda outra consideração. Em todas as épocas da história da igreja cristã, o discípulo de Cristo melhor tem servido a seu Mestre e Senhor, quanto mais tem servido a seus semelhantes. Viver nas regiões afastadas, na profundidade das cavernas, na altura das montanhas, onde existe a impossibilidade material de pecar, quando com isso se diz buscar somente a santidade, poderá assinalar uma covardia, porém nunca uma virtude. A virtude está em viver no mundo, porém não de acordo com o mundo, para poder salvar o mundo. O entrar no serviço ativo do Mestre é característica essencial e lógica das almas redimidas e salvas. Estas almas, porque têm sido salvas, querem ser instrumento da salvação de outros, porque o espírito cristão é essencialmente altruísta, e quer para outros o bem que tem encontrado para si. No cristão, o gozo da salvação é tão real e intenso, que se desdobra e se manifesta na ânsia sincera de fazer com que outros participem deste gozo.    
No ano de 1852, quando somente contava com uns poucos meses de experiência como pregador, Spurgeon foi chamado ao pastorado da igreja batista Waterbeach, lugar próximo de Cambridge, e que era uma das dez estações que atendia à Associação de Pregadores Leigos daquele lugar. Spurgeon teria então dezoito anos de idade e, não obstante sua juventude, havia de distinguido tanto por seu sólido caráter cristão, e por sua eloqüência como pregador, e sua chamada ao pastorado foi confirmada por voto unânime da igreja. E nosso jovem, que não estava orgulhoso de si mesmo e que ambicionava igrejas fortes e campos extensos, em cidades populosas, ou em ricos distritos senão que cria ser uma grande honra ser chamado a este pastorado, aceitou pronta e alegremente ao chamamento.
Todos os campos são bons para o obreiro do evangelho, porque em todos os campos há seres que necessitam da mensagem do evangelho e almas para serem salvas. Crendo tal coisa, o que se entrega a essa obra de resgatar almas, que é a mais nobre e santa que possa se levar a cabo, se sentirá satisfeito em qualquer campo onde o Senhor lhe envie, e nele, contando com o auxílio divino, seguramente efetuará uma boa obra em nome do Senhor. Spurgeon, segundo a opinião unânime de seus biógrafos, foi sempre um homem humilde,  e mesmo nos dias de sua maior grandeza, não se ajustava com seu caráter o sentir desprezo por suas pequenas congregações. O que ansiava com toda a intensidade de sua alma era pregar o evangelho, e isto poderia fazer com igual entusiasmo e consagração fosse em Waterbeach fosse em Londres.
Waterbeach era uma população de somente mil e trezentos habitantes, que se encontravam extensamente espalhados num amplo território. O trabalho de visitação pastoral num lugar destas condições, não era nada fácil, senão que, ao contrário, oferecia muitas dificuldades. Contudo, Spurgeon aceitou o campo com alegria e entrou no trabalho com grande entusiasmo, e, com o auxílio divino, seu labor não foi em vão. A pequena congregação deste lugar se reunia no que primitivamente havia sido um celeiro, transformado agora em capela com paredes brancas e teto de palha. Nesse lugar tão humilde começou o trabalho evangélico de Spurgeon, pregando duas, ou três vezes cada domingo a congregações muito pequenas no princípio, porém que foram crescendo à medida que passavam as semanas.
Olhando desde o ponto de vista meramente humano, Waterbeach era um lugar pouco recomendável, para que nele se empregasse na obra evangélica um jovem carente da experiência necessária para poder contornar as dificuldades e moldar as condições imperantes. Porém a graça de Deus vale infinitamente mais que a experiência humana, e era esta graça que estava preparando e dirigindo o nosso jovem Spurgeon, para que pudesse efetuar grandes coisas no nome do Senhor.
Em primeiro plano, Waterbeach teria má fama. O elemento masculino da população composto em sua maior parte por toscos camponeses, era muito dado à embriaguez e à libertinagem, chegando assim a criar uma densa atmosfera de dissolução no povo, e um estado de grande alarme e intranqüilidade. E, naturalmente, quando Spurgeon assumiu o pastorado desta congregação teve que enfrentar este difícil problema. O mesmo faz freqüentemente referência em seus escritos a este baixo padrão moral da população, assim como a forma com que se defrontou com esta nada agradável situação. No púlpito, considerando um dever do seu ministério, atacava duramente esta baixa moralidade dos habitantes de Waterbeach, condenando seus vícios e corrupção, porém, pessoalmente, de acordo com seu seleto espírito cristão, tratava a estes bêbedos e libertinos com o maior carinho, e aproveitava todas as oportunidades para lhes dar um saudável conselho, e para alentá-los em seus propósitos de emenda.
Tal maneira de proceder não era uma elaborada tática sabiamente idealizada, senão algo natural e espontâneo em seu ser que era o sincero desejo de fazer bem àqueles que corriam para a destruição, e no cumprimento de um santo ministério legitimamente considerava que havia sido colocado naquele lugar para pregar o evangelho sem dúvidas e sem temores e para chamar os homens ao arrependimento, e não para agradar a seus ouvintes, nem para buscar o aplauso humano.
O pregador que está disposto a transigir com os pecados dos que formam sua congregação, que quer dar a parecer que os ignora, ou que tem especial cuidado na escolha de sua linguagem, para não ferir as suscetibilidades de seu auditório, já está fracassado, e seu fracasso se deve a que é infiel ao santo ministério a que tem sido chamado. Sua falta de êxito se deverá às condições internas de sua alma, e não às circunstâncias externas, por adversas e contraditórias que estas possam ser. O pregador, para ser fiel a seu ofício, tem que ser profeta de Deus, que denuncia o pecado e chama aos pecadores ao arrependimento. Tal coisa pode e deve fazê-la, não em termos virulentos, nem sentindo ódio em seu coração, senão salgando sua prédica com amor não fingido. Quando assim procede, não poderá deixar de ter a simpatia e o apreço de sua congregação, mesmo dos pecadores aos quais suas palavras irão ferir, porque aparte do carinho que demonstre pessoalmente por eles, compreenderão que é fiel a seu ministério e sincero em sua profissão. E os homens, qualquer que seja sua condição reconhecem sempre e sempre apreciam o mérito do dever cumprido. O mundo sabe distinguir entre o mercenário hipócrita e o homem sincero.  
Porém Spurgeon teve que se defrontar com outras dificuldades em Waterbeach, Quando assumiu o pastorado, a igreja daquele lugar contava com uns cinqüenta membros, dos quais se reuniam muitos poucos nos cultos, seja por uma condenável indiferença, seja porque viviam em lugares muito distantes, seja por outras razões. Quando Spurgeon pregou a primeira vez ali, em seu caráter de pastor da igreja, somente estavam presentes uma dezena de fiéis. Para os quais anteriormente haviam estado à frente desta congregação, fazê-la crescer sempre foi um verdadeiro problema, de muito difícil solução. E para Spurgeon, jovem entusiasta, que sentia seu espírito arder dentro de si, em sua ânsia de ganhar almas para Cristo seguramente esta dificuldade assumiu gigantescas proporções.
A solução deste problema se fazia mais difícil pelo fato de que ele continuou vivendo em Cambridge, lugar no qual, obrigado por razões econômicas, seguia exercendo seu posto de professor. Porém Deus estava com ele, e desde a primeira manhã em que pregou na pequena capela, a congregação foi aumentando, até ao momento em que deixou o lugar para aceitar o chamamento para ir para Londres. Na realidade, com sua chegada a Waterbeach começou um avivamento que durou uns dois anos, que somente terminou com sua saída daquela igreja; e este avivamento foi tão grande, tão intenso, que não se recordava que o povo daquele lugar houvesse testemunhado outro semelhante.
A questão econômica era também outra dificuldade com que era necessário lutar no pastorado de Waterbeach. Aquela igreja jamais havia pago a seus pastores mais de vinte e cinco libras esterlinas por ano; porém com o avivamento que veio a ela, o número de seus membros aumento de cinqüenta para cem, e a congregação se encontrou em condições de poder oferecer a seu pastor cinqüenta libras anuais, ou seja, uns dezenove chelins por semana, aproximadamente. Desta quantia, como o próprio Spurgeon informou ao Dr. Wayland numa de suas visitas à Inglaterra, teria que pagar doze chelins por sua habitação em Cambridge, e com os sete restantes teria que cobrir todas as suas necessidades.
As condições econômicas de Spurgeon, pois, não eram nada folgadas. Durante o tempo que permaneceu em Waterbeach padeceu estresses e experimentou a penúria. Nos anos subseqüentes, até o fim de sua jornada terrena, passaram por suas mãos, verdadeiros rios de ouro; porém no meses que permaneceu naquela pequena população do condado de Essex, teve que provar o fel da pobreza, da quase miséria, do fel que tem amargado, e que seguramente seguirá amargando, a vida de tantos servos fiéis do Senhor que, não obstante sua fé robusta e sua grande consagração, muitas vezes se têm sentido à beira do desalento, por não receberem o suficiente para satisfazerem as necessidades mais prementes da vida. A pobreza dos ministros é inquestionavelmente, um dos maiores obstáculos para o progresso do evangelho, porque o homem que não recebe o suficiente para cobrir as necessidades essenciais de sua família, sentindo pesar sobre seu espírito esta tremenda preocupação, não está, seguramente nas melhores condições para levar a cabo seu trabalho com toda a energia e o entusiasmo que são necessários.
Não é de estranhar, pois, que Spurgeon, anos depois, quando se encontrava no pináculo da fama, e quando a venda de seus sermões e livros lhe produzia bons ganhos, simpatizava absolutamente, e contribuía desprendidamente com sua maior eficiência, com o trabalho que levava a cabo sua consagrada esposa, com seu “Fundo de Livros”, e seu “Fundo de Auxílio aos Ministros Pobres”.
Porém se é certo que o pastorado de Waterbeach trouxe dificuldades ao jovem Spurgeon, também é que produziu grandes benefícios. A atenção de seu campo, que demandava dele todos os momentos disponíveis, e o fato de que recebia contínuos convites para pregar em vários lugares, criaram nele aquele hábito de laboriosidade que tão magnífica e singularmente haveria de se manifestar em sua vida posterior, quando se encontrava na turbulência da cidade mais populosa do mundo, e à frente da igreja mais potente e ativa de sua época.
Em Waterbeach também aprendeu a originalidade que lhe foi característica até o fim de sua vida. Ativamente ocupado em seu próprio labor, não teve tempo para poder escutar muitos sermões, nem sequer os de pregadores mais famosos de seu tempo; e assim pôde livrar-se desse vício que tão facilmente adquirem os jovens pregadores, e que a tantas vidas têm levado ao fracasso pelo vício da imitação daqueles a quem chegam a conceituar como modelos no sagrado ministério da Palavra. Leu muitos livros e muitos sermões, porque sempre foi um leitor onívoro, porém nunca foi um copista, grande ou pequeno. Conservando sua independência não anulou seus inatos poderes mentais, nem aprisionou sua personalidade espiritual, senão que sempre foi um homem livre que somente obedecia os impulsos de seu coração e o entusiasmo de sua alma ardente, ansiosa de ganhar outras almas para Cristo e para a salvação. Neste sentido a sua grandeza começou na pequena e mal afamada população de Essex. Os imitadores, quando muito, chegarão a ser simples medíocres, mas ele aprendeu ali a usar sua originalidade, e a buscar e confiar em seus recursos, coisas em que logo chegou a ter uma não depreciável fonte de poder, um verdadeiro elemento de sua grandeza inegável.
Sua pregação em Waterbeach foi tão eficaz, que a igreja cresceu rapidamente e o povo sofreu uma completa metamorfose, quanto à sua moralidade e seus costumes. Os bêbados se converteram em sóbrios e os libertinos amoldaram suas vidas de acordo com os mais estritos princípios de uma moral evangélica, e o homem que, como instrumento de Deus, havia efetuado esta transformação obteve o apreço, a simpatia, a consideração e o respeito de todos. Nesta conexão é muito interessante o relato que ele mesmo faz do primeiro fruto que teve em seus labores. Falando de seu primeiro convertido, disse:
Recordo bem ter começado a pregar numa pequena capela de teto de palha, e minha primeira ânsia era: “Deus salvará as almas por meio de mim?”. Pregava e teria o coração intranqüilo porque pensava, “este evangelho me salvou, porém foi outra pessoa que o pregava, salvará outras pessoas se eu o pregar? Passaram alguns domingos e eu dizia a um dos diáconos: Você sabe se alguma pessoa encontrou o Salvador? Meu bom e velho amigo me disse: ”Estou seguro de que sim, estou seguro quanto a isto.”. Eu disse que queria conhecer esta pessoa, e num domingo à tarde me disse: “há uma mulher em tal lugar que encontrou o Salvador faz três ou quatro domingos, mediante sua pregação.”. E eu lhe pedi que me levasse até ela. E a primeira coisa que fiz na segunda-feira pela manhã foi visitar minha primeira convertida. Muitos pais recordam seu primeiro filho, e pensam que não há nenhum menino como o seu, e que nunca terão outro igual. Eu tenho tido muitos filhos espirituais, nascidos da pregação da Palavra, porém creio que aquela mulher foi o melhor de todos. Pelo menos, não viveu muito tempo para que eu pudesse encontrar-lhe faltas. Depois de um ou dois anos de dar testemunho de sua fé, se foi ao lar celestial, a primeira de muitos outros que têm seguido após ela. Não tenho tido outra coisa que pregar que a Cristo e este crucificado. Quantas almas há no céu que têm podido ir ali por meio dessa pregação, quantas há na terra, servindo ao Mestre, é algo que não podemos dizer, porém qualquer que tenha sido o êxito, ele se deve à pregação de Cristo morrendo pelos pecadores.
No pouco tempo que permaneceu em Waerbeach, os pais de Spurgeon desejaram que ingressasse no famoso Colégio de Parque Regente, então sob a direção do célebre Dr Joseph Angus, proeminente na denominação batista, que anteriormente havia sido pastor da igreja batista a cuja frente muito em breve Spurgeon haveria de estar. Como Spurgeon se mostrasse resistente a isto, combinaram uma entrevista entre ele o Dr. Angus a fim de tratar do seu ingresso no mencionado centro docente. A entrevista seria realizada no lar do Sr Macmillan, o renomado editor evangélico. No momento marcado, ambos, o Dr. Angus e Spurgeon, chegaram ao citado centro, uma das serventes daquele local, por engano, os levou para salas diferentes, e ficaram esperando por um longo tempo um pelo outro, e pensando que o Dr Angus estivesse impossibilitado de comparecer ao encontro Spurgeon se cansou de esperar e soube que o Dr Angus, também cansado de esperar havia há muitos minutos deixado o local.
Spurgeon, que se encontrava pouco desejoso de ingressar no colégio e abandonar sua congregação em Waterbeach, estimou que o fato de não haver podido se entrevistar com o Dr Angus era uma indicação de que Deus não queria que ele cursasse estudos prolongados em uma instituição docente como aquela. Enquanto atravessava a Cambridge, para se dirigir ao campo para pregar numa das suas estações, lhe pareceu ouvir uma voz que lhe dizia: “Buscas coisas grandes para ti? Não as busques; e recebeu isto como um expresso mandamento de Deus fazendo-lhe tomar a decisão de não ingressar em nenhuma universidade.”.
Sobre este incidente na vida de Spurgeon se tem feito muitas e inúteis especulações. O que Spurgeon houvesse sido, ou deixado de ser e de fazer cursando longos estudos numa universidade famosa, não é nosso dever averiguá-lo, e é fútil deixar correr a imaginação em um ou outro sentido. O certo é que Deus não necessita de graduados para fazer sua obra, e que utilizou Spurgeon a tal ponto, que lhe converteu em um dos maiores homens de sua época, pelo menos no mundo cristão, não obstante não ter título algum.
Por outro lado, houvera sido um fanatismo e uma insensatez em Spurgeon deixar de tratar de obter os melhores conhecimentos humanos, sob a escusa de que estes conhecimentos são desnecessários quando Deus se agrada em usar as pessoas. Ele sabia que era seu dever preparar-se da melhor maneira possível, para melhor aproveitamento de seu ministério e que poderia efetuar seus estudos, e obter uma boa preparação intelectual, sem necessidade de passar longos anos numa Universidade. De fato, por meio de uma ordenada e sábia disciplina mental e de contínuos e prolongados estudos, chegou a adquirir profundos e variados conhecimentos, ao ponto de que o Dr. Guilherme Wright, que o conheceu intimamente, afirma que ele era um dos homens mais ilustrados de sua época, profundamente versado na literatura e nas ciências; e Robert Lesling, que por muitos anos foi seu mestre e amigo, diz que em qualquer momento que quisesse poderia obter um título universitário mediante rigoroso exame.
Spurgeon, pois, estava devidamente preparado para poder desempenhar com prestígio e eficiência, qualquer pastorado, preparado intelectual e espiritualmente. O mesmo Deus lhe estava preparando para os fins mais elevados e para uma eficiência maior na difícil e nobilíssima tarefa da proclamação do evangelho da paz numa cidade onde brilhavam e dominavam outros grandes pregadores. E essa preparação é a melhor e mais necessária.




CHAMADO A LONDRES

À medida que passavam os dias se estendia mais e mais a fama do jovem Spurgeon, e crescia sua atividade ministerial. A intensidade com que se entregava a seu trabalho, e o zelo e a diligência que desempenhava nele, assim como sua assombrosa eloqüência, fez com que ganhasse a simpatia e o apreço das igrejas de Cambridgeshire e Essex, de onde o prestígio de seu nome se estendeu grandemente e em todas as direções. “Visitava os pobres e lhes ministrava conforto e consolo. Viajava muitas milhas para poder chegar aos povoados onde deveria pregar, e num ano pregou mais de trezentos e sessenta sermões, sempre a numerosas congregações”. O jovem pregador como lhe chamavam, falava com tal ardor, com um fervor tão grande e uma fluidez tão assombrosa, que alguns de seus biógrafos nos asseguram que já naqueles dias era um dos pregadores mais solicitados da Inglaterra.
Em fins de outubro, princípio de novembro de 1853, quando Spurgeon não havia completado ainda vinte anos, foi celebrada em Cambridge, uma convenção de escolas dominicais, à qual Spurgeon foi especialmente convidado para falar, junto com outros dois anciãos pregadores. Ativamente ocupado em seus labores em Waterbeach, parece que lhe faltou o tempo necessário para se preparar devidamente, porém quando chegou seu turno no programa, depois que os anciãos haviam falado, levantou-se e falou com seu costumeiro entusiasmo sobre o assunto que se lhe havia designado, sem sequer imaginar que suas palavras haviam de ter tão magnífico e imediato resultado. Porém o certo é que, na providência de Deus, aquele discurso tão espontâneo, estava destinado a marcar época em sua vida.
No auditório daquela convenção se encontrava um cavalheiro do Condado de Essex, apelidado Gould, em quem a eloqüência, o juvenil entusiasmo, e a unção de Spurgeon, causaram uma impressão tão profunda, que durante muitos dias não pode esquecer o jovem de Cambridge. Por esta época a antiga e célebre Igreja de New Park Street, encontrava-se sem pastor desde há alguns meses, e num estado de grande decadência. Um dia, falando o Sr. Gould com Tomás Olney, diácono decano daquela igreja, lamentava-se das tristes condições em que se encontrava sua congregação, e então o Sr. Gould, lembrou do jovem que dias antes havia ouvido em Cambridge, falou dele a Olney, sugerindo a idéia de que talvez pudesse convidá-lo para o pastorado da igreja.
E assim sucedeu que num domingo de manhã, quando o jovem Spurgeon se encontrava na sua capela de Waterbeach escolhendo os hinos para o culto que haveria de começar dentro de poucos minutos, lhe foi entregue uma carta procedente de Londres. Ficou surpreso porque não estava acostumado a receber cartas daquela procedência, a abriu e se inteirou de seu conteúdo. Logo, passando-a ao diácono que se encontrava próximo dele, disse: “Seguramente esta carta não é para mim, senão para alguma outra pessoa com meu nome.”.  
Até esse extremo chegava a sua humildade e sua falta de presunção; considerando-se valer muito menos do que na realidade valia, não poderia nem sequer imaginar que pudesse ser chamado por uma igreja da populosa cidade.
Em seu lugar, ao saber que havia sido solicitado por muitas congregações do Condado onde ministrava, muitas pessoas teriam se considerado capacitadas para desempenhar os postos mais elevados, e dirigir as igrejas mais poderosas e influentes. Porém Spurgeon não era desta laia. Dele, quando se encontrava no pináculo da fama disse o célebre estadista inglês W.E. Gladstone, que era simples como um menino, e com razão, porque essa simplicidade se manifestou da maneira mais formosa em todos os momentos de sua vida.
No dia seguinte Spurgeon escreveu a Londres informando que havia recebido uma carta dirigida a seu nome, porém que supunha que tivesse havido algum engano, já que ele contava somente com dezenove anos de idade e não era outra coisa que o pregador de uma pequena igreja rural.
Porém em tempo oportuno recebeu outra carta de Londres na qual se lhe informava que sua idade e demais circunstâncias de sua vida eram bem conhecidas da igreja de New Park Street, e que ratificava o convite de ir pregar nela, e marcava a data para a visita de Spurgeon.
Spurgeon, pois, se considerou obrigado a aceitar este convite, e na data fixada se dirigiu a Londres, onde nunca havia estado anteriormente. As experiências dessa primeira visita à grande cidade, ele a relata da seguinte maneira:
Faz vinte e cinco anos, e parece que foi ontem, passamos a noite na casa de hóspedes de Parque da Majestade, em Bloomsbury, aonde nos havia dirigido o digno diácono. Como usávamos um amplo traje de cetim negro, e um cachecol azul com bolas brancas, os jovens senhores daquela casa de hóspedes se maravilharam grandemente ao contemplar o jovem do campo que havia vindo pregar em Londres, porém que evidentemente se encontrava em condições de grande rusticidade. Em geral eram das igrejas evangélicas, e se maravilharam muito de que o jovem camponês fosse pregador. Aquela casa de campo foi a agência mais deprimente que posso por em contato com nosso espírito. Na estreita cama permanecemos em desassossego, sem achar descanso. Não tínhamos nenhum amigo naquela grande cidade, cheia de gente, e nos sentimos estranhos entre estrangeiros.
Faz vinte e cinco anos, era uma manhã clara e fria, quando tomamos o caminho por Holborn Hill, até Blackfriars, e certas ruas e becos tortuosos ao pé de Southwark Bridge. Meditando, orando, temendo, confiando, crendo, sentimos que estávamos sós, e contudo não estávamos. Esperando a ajuda divina e interiormente esgotados por nosso sentimento de necessidade dessa ajuda, atravessamos o terrível deserto de ladrilhos, até encontrar o lugar onde haveríamos de apresentar nossa mensagem. Umas palavras subiram a nossos lábios muitas vezes, não sabemos por que era necessário passar por Samaria.
À vista do templo da igreja de New Park Street nos sentimos por um momento assombrados de nossa própria temeridade, porque nos parecia que era uma estrutura grande e bem ornamentada, que sugeria a idéia de uma, congregação rica. Era cedo e por isso não havia pessoas que estivessem entrando.
Naquele primeiro serviço de Londres, aquele célebre domingo pela manhã, Spurgeon teve uma reunião com menos de cem pessoas, num local onde cabiam comodamente mil e duzentas, e isso porque durante a semana havia visitado, e convidado as pessoas para aquele culto. O texto que ele pregou naquela ocasião foi Tg 1.17, e a pregação do jovem agradou tanto que no culto da noite a concorrência de pessoas dobrou. Com aquele primeiro culto começou, naquela igreja um avivamento que iria crescer durante trinta e sete anos, sem qualquer interrupção, até o dia da morte de Spurgeon. Realmente aquele avivamento foi o mais prolongado e intenso, e o de maiores resultados, de todos quantos se pode recordar na história das igrejas  cristãs de qualquer época ou país.
Se o sermão da manhã agradou à congregação, muito mais lhe agradou o da noite, baseado em Apo 14.5. Tão profunda foi a impressão feita por este sermão, que depois do culto, a congregação não se dispersou, senão que se dividiu em grupos, que cheios de entusiasmo, comentavam o que haviam ouvido, e expressavam seu desejo que o jovem pregador voltasse a pregar, e foi necessário, que os diáconos prometessem que tratariam de comprometer Spurgeon neste sentido, para que aquele público entusiasmado abandonasse o local.
Assim, vemos que desde o primeiro dia  em que Spurgeon se apresentou em Londres para proclamar as boas novas da salvação, obteve um franco êxito, da mesma maneira que lhe havia sucedido, anteriormente, no pequeno povoado de Waterbeach. Muitas pessoas têm investigado a que se deveu o êxito do jovem campesino em Londres, já que não contava com nenhum daqueles elementos humanos que os homens sempre consideram como indispensáveis ao triunfo, porém o segredo disso não deve ser buscado no humano, mas em outras esferas, onde o humano não vale nada, nem intervém. Seu êxito deve ser buscado em Deus, e somente em Deus, para quem todas as coisas são possíveis, e que se compraz em utilizar os serviços dos seus, para a salvação de muitos e para a glória de seu santo nome.
Nesta conexão nos parece necessário, para uma melhor compreensão do êxito obtido por Spurgeon em Londres, e de sua inegável grandeza, devemos fazer uma pequena pausa, para estudar, ainda que brevemente, a história  da igreja em que haveria de ministrar durante tantos anos, e efetuar uma obra que, pelo intenso, consagrado e grande benefício que efetuou, lhe deu o bem merecido ingresso no palácio da fama. Este estudo é bastante fácil já que o próprio Spurgeon deixou escrita a história do Tabernáculo Metropolitano; e de onde retiraremos os dados necessários.
A igreja de New Park Street era uma das mais antigas da Inglaterra. Esta gente havia originalmente pertencido a uma das congregações mais antigas dos batistas de Londres, porém  que se separou dela, no ano de 1852, por causa de algumas práticas que consideravam desordenadas, e desde então formaram um corpo distinto. Em princípio como ocorria com todas as igrejas não conformistas que existiam naquela época, esta igreja se reunia em casas particulares para celebrar seus cultos. Tinha poucos membros, porém eram crentes fiéis, consagrados e de reta consciência. Parece também que muitos deles desfrutavam de uma posição econômica folgada.
Seu primeiro pastor foi Guilherme Rider, homem de grandes virtudes, que além de consagrado tinha um brilhante intelecto. Naqueles tempos em que a denominação batista teria que abrir caminho através de grandes dificuldades, tendo contra si quase todos os poderes do mundo, Guilherme Rider, com profundas convicções e uma exemplar fidelidade à  Palavra de Deus, seguia o caminho que deveria seguir, com passo firme e seguro; e fazendo assim sua apologia teve que sofrer por causa da consciência.
Os dados que possuímos sobre Rider são muitos poucos e muito incompletos; porém sabemos que pelo ano de 1668 já havia falecido, porque nesta data a igreja elegeu como pastor a Benjamin Keach. Neste ano de 1668 Keach foi ordenado naquela mesma igreja, quando contava com vinte e oito anos de idade. Este homem eminente foi um dos mais notáveis pastores daquela igreja. Estava continuamente ocupado na pregação do evangelho aos povos de Buckinghamshire, fazendo de Winslow o seu centro de operações; e tanto floresceu a causa sob seus zelosos labores e os de outras pessoas, que o Governo colocou soldados no distrito a fim de impedir estas reuniões não permitidas pela lei, e dar assim o golpe de morte aos dissidentes.
Keach escreveu um livro intitulado: “O instrutor das Crianças”. Que lhe trouxe perseguições e condenações. Neste livro, ensinava que as crianças nascem em pecado e necessitam ser salvas pelos méritos de Cristo, o que constituiu um delito para os administradores da justiça daquela época. Eis aqui o auto condenatório de Keach: “Benjamin Keach, tem sido convicto de escrever, imprimir e publicar um livro sedicioso e cismático, pelo que a corte tem julgado e determinado que seja encarcerado por duas semanas, com exclusão de fiança, e que no próximo sábado seja exposto no poste de Aylesbury com um cartaz colado  em sua cabeça, com a inscrição: Por escrever, imprimir e publicar um livro cismático, intitulado O Instrutor das Crianças, ou um novo e fácil fundamento. E que na próxima quinta-feira seja exposto, da mesma maneira e por igual tempo, no mercado de Winslow; e que então seu livro seja queimado, diante da sua vista, para sua desonra e da sua doutrina. E pagará à sua majestade o rei, a quantia de vinte libras e permanecerá no cárcere até que encontre fiadores de seu bom comportamento e de que se apresentará nos próximos tribunais, para renunciar às suas doutrinas, e fazer a submissão que lhe seja ordenada.”.
Quando Keach foi conduzido ao poste de Aylsbury muitos amigos e membros da igreja lhe acompanharam, e quando lhe viram submetido a esta vergonha pública, se lamentavam grandemente. Porém o valente pregador, com um sorriso nos lábios, os consolava dizendo: “A cruz é o caminho para se chegar à coroa.”.  E lhes pregava o evangelho. Entre muitas outras coisas lhes dizia: “Amigos, não me envergonho de estar aqui com este papel na testa. O Senhor Jesus não se envergonhou de sofrer na cruz por mim; e é por sua causa que se me converte em espetáculo público. Gravem isso, não é por minha maldade que me encontro aqui, senão por escrever e publicar aquelas verdades que o Espírito Santo tem revelado em Sua Palavra.”.
Benjamin Keach era de constituição débil, e padecia de grande número de enfermidades. Dormiu no Senhor no dia 16 de julho de 1704, aos sessenta e quatro anos de idade e trinta e seis de serviço fiel naquela igreja. Foi sepultado no cemitério batista, no chamado Parque, no bairro Southwark, muito próximo do lugar onde a igreja  que por tantos anos havia pastoreado edificou depois seu templo.
“Quando o Sr Keach se encontrava em seu leito de morte, mandou buscar seu genro, o político Benjamin Stinton, e solenemente lhe exortou a cuidar da igreja que ele estava para abandonar, e especialmente a exercer o cargo do pastorado se este lhe fosse oferecido. O Sr. Stinton havia ajudado a seu sogro, pelo espaço de alguns anos, de diversas maneiras, e por isso não era um homem falto de preparação. Quando a igreja fez o convite ao Sr. Stinton, ele demorou a considerar o assunto, porém recordando as últimas palavras de seu sogro, e sentindo-se dirigido pelo Espírito, se dedicou ao ministério que desempenhou fielmente durante quatorze anos,  a saber, de 1704 a 1718.
Para ocupar o pastorado em seu lugar, a igreja convidou ao jovem John Gill para pregar, com a intenção de lhe eleger seu pastor. Porém havia uma marcante oposição a ele por parte de quase a metade da igreja. O assunto foi levado ao conselho de ministros que se reunia no café de Hanover, e este deu o conselho absurdo de que ambos partidos ouvissem a Gill cada um por seu turno, até que pudessem estar de acordo. O sentido comum veio a resolver esta questão, e essa espécie de dolo religioso nunca chegou a se efetuar. Os amigos, com grande sabedoria, se dividiram. Os partidários de John Gill, conseguiram o antigo lugar de reunião ao fim de cinqüenta anos, e ele foi ordenado em 22 de maio de 1720.
Muito pouco imaginaram seus amigos que classe de homem haviam elegido como seu mestre; mas o saberiam se houvessem se regozijado grandemente de que um homem de tão grande erudição, tão infatigável industriosidade e profundo juízo, e de tão grande sinceridade, houvesse vindo ao seu seio. Ele haveria de ser mais poderoso com a  caneta do que Keach, e de fazer uma mais profunda impressão na época, embora na eloqüência fosse menos poderoso do que o seu predecessor.
Muito cedo em seu ministério teve que defender as opiniões batistas contra o ministério paidobatistas de Rowel, próximo de Kittering, e o fez de tal maneira que mereceu o elogio que Toplady lhe dedicou com referência a outras controvérsias, quando lhe comparou com Marlborough, e disse que nunca pelejou uma batalha sem ganhá-la.
Gill, que havia efetuado profundos estudos neste ramos do saber, e que pôde adquirir a valiosa biblioteca de seu amigo John Shepp, na morte deste chegou a ser um eminente orientalista, profundamente versado em todos os idiomas do Oriente. Durante anos e anos esteve fazendo estes estudos favoritos, até que em 1748 terminou a publicação de sua magnífica obra “Exposição do Novo Testamento”, em três grossos volumes. Pouco depois a universidade Marischal, de Aberdean, lhe concedeu o título honorífico de Doutor em Divindade. Como reconhecimento de seus grandes conhecimentos nas Escrituras, dos idiomas  orientais, e das antiguidades judias. John Gill é também o autor de outras obras magníficas, entre as quais são dignas de menção especial, suas “Dissertações acerca da antigüidade do Idioma Hebreu, etc”, e seu “Corpo de Divindade”.
O Dr Gill foi um dos homens mais eminentes de sua época, um pastor consagrado e um crente fiel e sincero. Trabalhou ativamente pelo melhoramento temporal e espiritual de sua igreja, e faleceu no gozo de seu Senhor no dia 14 de outubro de 1771, depois de mais de cinqüenta anos de um eficiente pastorado, naquela igreja.
Para substituir o Dr Gill veio o Dr John Rippon. Alguém tem dito que Rippon não era tão brilhante nem tão profundo como seu ilustre antecessor; contudo, era uma pessoa de grande prestígio. No princípio, não lhe faltaram dificuldades no pastorado, porém soube vencê-las por sua paciência, bom juízo e seleto espírito cristão.
Sobre ele disse Spurgeon: “Pregou a prova por um tempo bastante considerável, e finalmente umas quarenta pessoas se separaram porque não estavam de acordo com o voto entusiasta da maioria, que lhe chamara ao pastorado. John Rippon modestamente expressou sua estranheza de que não fosse maior o número dos descontentes, e sua surpresa de que um número tão considerável estivesse de acordo em chamar-lhe ao pastorado. Com um grande espírito cristão, de amor fraternal e liberdade, propôs que, como estes amigos procediam de acordo com o ditado de sua consciência, e se proporiam a fundar uma nova igreja foram despedidos com amor e oração, e que como prova de amor fraternal lhes ajudaria na construção de seu templo com a quantia de mil e quinhentos pesos. Esta promessa foi paga e o Dr. Rippon tomou parte na ordenação de seu primeiro ministro. Tal procedimento seguramente haveria de receber as bênçãos de Deus. Assim a igreja da Rua Dean veio a ser outro renovo daquele ramo, e permanece até hoje como a igreja da Rua Trindade.
O Dr. Rippon se fez mais conhecido pelo menos no mundo literário, com a publicação de uma coleção de 1174 hinos, obra que era de uma inegável importância e que obteve uma grande demanda. Este livro, que produziu grandes benefícios materiais a seu autor, era usado na igreja do Tabernáculo durante a vida de Spurgeon.
Durante seu pastorado, em 1830, o antigo templo em que se reunia a igreja foi demolido, para dar lugar à ponte de Londres, e em seu lugar foi levantado um  novo templo na Rua de New Park (New Park Street). Também foi construído durante seu pastorado seis dos edifícios que compõem o Asilo das Anciãs. O Dr. Rippon morreu em Londres, aos oitenta e três anos de idade e sessenta e três no pastorado daquela igreja, e eles tiveram assim em cento e dezoito anos apenas dois pastores: Gill e Rippon.
Outro dos homens eminentes que passaram pelo pastorado desta igreja, foi o Dr. Joseph Angus, que depois foi presidente do Colégio do Parque Regente, e secretário da Sociedade Batista Missionária de Londres. Porém mais que outra coisa o Dr. Angus se tornou conhecido no mundo cristão por sua série de magníficos manuais, os quais o apresentam como um teólogo profundo e conceituado escritor evangélico. O Dr Angus somente esteve no pastorado dois anos, pois o assumiu em 1837, e depois dele a igreja teve somente dois pastores antes que Spurgeon chegasse a ela, a saber: Santiago Smith, que permaneceu à sua frente oito anos, efetuando um magnífico trabalho, e Guilherme Watters, que somente esteve no posto uns quatro meses, pois em junho de 1853 renunciou por entender que não teria a confiança dos diáconos.
Esta é a história da igreja a que serviu Spurgeon. Como se vê, essa história era muito venerável e honrosa, e em épocas distintas havia desfrutado de grande prosperidade e florescimento, sobretudo, durante o pastorado dos Drs. Gill e Rippon, porém nos momentos em que Spurgeon pregou nela pela primeira vez, se achava em grande decadência, ao extremo, de que, como diz um autor: “todo seu futuro parecia estar encerrado no seu passado.”. O local do templo, com capacidade para 1.200 pessoas sentadas e umas 300 em pé, apenas recebia a visita de sessenta ou setenta pessoas, em um ambiente glacial.
Há igrejas que às vezes, orgulhosas de seu passado e dos grandes homens que têm passado pelo seu púlpito, parecem não se ocupar nem se preocupar em absoluto com seu futuro. Vivem uma vida lânguida e indiferente, sem realizar sua finalidade no mundo; padecem de certa maneira de uma atrofia espiritual, que se bem é verdade que, graças a Deus, na maioria das vezes é momentânea, nem por isso deixa de ser terrível. Para curá-las dessa atrofia, e despertá-las desta paralisia, não bastam os esforços humanos, se são meramente humanos, e se faz necessária a ação divina, ao toque da qual todas as coisas se transformam e se fazem novas.
Quando Spurgeon pregou nela seu primeiro sermão, a igreja batista de New Park Street estava morrendo lentamente de morte natural, porém, como tem dito muito bem o Dr. Wayland, a providência, por sua vez que estava preparando o homem para o campo, estava também preparando o campo para o homem.


5 – MINISTÉRIO EM LONDRES

À revolução que produziram na igreja as duas primeiras pregações de Spurgeon, seguiu que os diáconos daquela congregação o comprometeram a pregar durante seis semanas, alternando as pregações em Londres e em Waterbeach, já que ele não estava disposto a abandonar a seus bons campesinos durante tanto tempo. Porém, não obstante esta intermitência nas pregações, a igreja de Londres cada dia se via mais animada, e era maior o número  de pessoas que concorria a ouvir-lhe.
O resultado foi que quando expirou este prazo, a maioria da congregação lhe pediu que suprisse o púlpito por espaço de seis meses, como prova, e como passo prévio ao chamamento ao pastorado. A carta que Spurgeon escreveu aos diáconos com este motivo, não tem desperdício, pois é um retrato de corpo inteiro do nosso biografado. Eis aqui parte desse documento:
Quanto ao vosso convite de seis meses, não tenho nenhum inconveniente, no que se refere ao tempo, senão que seria melhor a prudência da igreja em desejar ter a prova, durante tão longo tempo, a alguém tão jovem como eu. Porém escrevo depois de pesar bem o assunto, e digo positivamente que não posso nem me atrevo a aceitar um convite incondicional por tanto tempo. Fica mal a um jovem prometer pregar com tal duração a uma congregação de Londres, até que os conheça e eles conheçam a mim. Eu me comprometeria a suprir o púlpito pela metade desse tempo, e então, se a congregação discorda, ou se a igreja não está de acordo, me reservo a liberdade, sem quebrar nenhum compromisso, de retirar-me; e vós por vossa parte, tereis o direito de rechaçar-me, sem que pareça que me tratais mal.  Se eu não encontro razão para fazer isto, e se a igreja todavia me deseja, posso permanecer convosco outros três meses, sem que seja necessário um segundo convite formal. Respeito a sinceridade e o civismo da pequena minoria e somente me maravilho de que seu número não fosse maior. E agora, uma coisa é devida a todo ministro, e lhes rogo que a digam à igreja, que é, que tanto em privado como em público, todos devem se ocupar em orar a Deus que eu seja sustentado nesta grande obra.
Esta atitude e este fato deveriam ser ensinados obrigatoriamente como parte da matéria da Ética Pastoral nos seminários teológicos para que os futuros candidatos ao pastorado saibam de modo prático como devem atender aos convites ao pastorado de igrejas, levando em conta esta verdade de que eles não estão acima da vontade das congregações que os convocam, antes que estão se predispondo a estarem a serviço delas, ainda que não seja para fazer o que seja do interesse de homens, mas o que é da vontade de Deus.
Com este comedimento e este são juízo tão grandes, Spurgeon escreveu; e a igreja vendo claramente a conveniência do que pedia, aceitou. Porém não haviam chegado ao término dos três meses de prova, quando já se vislumbrava o que aquele jovem poderia chegar a ser e a fazer em Londres, e a congregação em unanimidade, pois a minoria havia se somado à maioria, lhe convidou a aceitar o pastorado com caráter oficial e permanente. Em conseqüência, na sexta-feira de 28 de abril de 1853 aceitou o chamamento, e imediatamente se estabeleceu no campo de seus futuros labores.
O pastorado da igreja de New Park Street, pelas condições em que se encontrava anteriormente havia estado e pelo avivamento que nela teve efeito com a vinda de Spurgeon, não era uma tarefa fácil, senão um trabalho de grande intensidade e de maior responsabilidade, porém Spurgeon entrou nele com todo o entusiasmo de seus poucos anos com uma plena confiança, e aquela fé robusta e inalterável que sempre demonstrou até o fim de sua vida, possuindo estas condições, não era de estranhar que fosse adiante, sem fraquezas pueris, consciente de que, com a ajuda divina obteria de sua parte um êxito franco e seguro naquela obra, e o mesmo em qualquer outra que o Senhor tivesse por bem entregar em suas mãos.
Durante aqueles três meses de interinidade, o público que concorria a lhe ouvir, havia sempre aumentado, ao extremo de que em algumas ocasiões todos os assentos estavam ocupados, e muitas pessoas teriam que permanecer de pé, contudo, algumas pessoas, e estas se consideravam otimistas, pensavam que tal aumento na congregação se devia à juventude do pregador, ou ao entusiasmo e inegável eloqüência com que pregava; e temiam que passada a novidade, as águas voltariam a seu nível, e que a igreja retornaria a ser o que anteriormente havia sido na época de Gill ou de Rippon, uma igreja ativa e desperta, porém com uma congregação de limites fixos e não muito dilatados. Mui prontamente, contudo, haveriam de se convencer de seu erro, porque agora, como disse um de seus biógrafos, começava a mais admirável carreira que se encontra relatada nos anais da história humana.
À medida que passavam as semanas, se estendia mais a fama de Spurgeon, seu nome e o relato de sua maravilhosa eloqüência corriam de boca em boca, e as pessoas, impulsionadas por uma irrefreável curiosidade viria a ouvir-lhe, aumentando sua congregação ainda mais a cada momento, ao ponto de, como disse um escritor: toda Londres saía a ouvir-lhe. O certo é que mui prontamente começou a ver-se que  o templo de New Park Street haveria de ser insuficiente para conter as congregações que se reuniam para ouvir sua palavra.
No pouco tempo em que Spurgeon se encontrava no pastorado de Londres, invadiu aquela cidade a cólera, dizimando a população, e o magnífico comportamento do jovem pregador durante a crueza da terrível epidemia, deu causa a que sua popularidade crescesse ainda mais e que faria com que ganhasse a simpatia de uma grande parte do povo, e adquirisse muitos amigos, os que logo haveriam de demonstrar-lhe sua fidelidade por meio de sua cooperação na obra que levou a cabo. Em seu Tesouro de Davi, tomo IV, pág 235 disse acerca desta epidemia:
No ano de 1854, quando apenas fazia doze meses que me encontrava em Londres, o bairro onde eu trabalhava foi visitado pela cólera asiática, e minha congregação sofreu muito a conseqüência dela. Famílias e mais famílias me chamavam à cabeceira dos que haviam sido atacados, e quase todos os dias se me pedia que visitasse os que estavam em estado grave. Com juvenil ardor me entreguei à visitação dos enfermos, e era chamado a todas as partes do distrito, por pessoas de todas as condições sociais e religiosas. Me cansei de corpo e me enfermei de coração. Meus amigos pareciam ir caindo um a um, e sentia, ou me parecia que me estava enfermando como todos aqueles que me rodeavam. Um pouco mais de trabalho e logo me vi derrubado como os demais, senti que minha carga era mais pesada do que eu podia suportar, e estava propenso a cair sob ela. Como Deus o quis, regressava ao meu lar lamentando-me depois de um enterro, quando minha curiosidade me levou a ler um cartaz que havia sido colocado na loja de um sapateiro, na calçada de Dover: “Porquanto disseste: O Senhor é o meu refúgio. Fizeste do Altíssimo a tua morada. Nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda.” (Sl 91.9,10). O efeito sobre meu coração foi imediato. A fé se apropriou desta passagem. Me senti seguro, refrigerado, envolto na imortalidade.
As leis morais são tão fixas e inalteráveis como as físicas, e o homem colhe inevitavelmente aquilo que semeou. É certo que o que faz o bem, recebe o bem. Em muitas ocasiões o fruto do bem, das boas ações que temos executado, é recebido quando menos se espera, e na forma em que não poderíamos nem sequer imaginar; porém tal coisa não desvirtua em absoluto o que vimos dizendo, senão que ao contrário, o prova.  No caso específico de Spurgeon, todo o bem que efetuou quando a terrível praga açoitava a Londres, não obstante haver sido efetuado espontaneamente, por mandado de um seleto espírito de sacrifício, sem visar a receber recompensa, e em cumprimento de seu sagrado dever, recebeu seu galardão no grande número de amigos que ganhou, e na melhor apreciação, por parte do povo, da obra que vinha levando a cabo em sua igreja.
Algum tempo depois, quando se encontrava empenhado na edificação do Tabernáculo Metropolitano, muitas das valiosas ofertas que recebeu para o fundo de construção, provinha destes amigos, muitas vezes ocultos e desconhecidos, que havia ganho durante aqueles terríveis dias de epidemia. A boa semente, semeada em meio de lágrimas e dor, floresceu e deu rico e abundante fruto nas horas de tranqüilidade e prosperidade.
E as multidões se reuniam invadindo a igreja de New Park Street, ao extremo que o local, muitas vezes era insuficiente para contê-las. Em 1854, num daqueles domingos em que o auditório ansioso enchia todo o espaço disponível no templo, o jovem pregador, ao terminar seu sermão, disse:”Pela fé caíram as muralhas de Jericó, e pela fé cairá também esta parede do fundo”, referindo-se à necessidade de aumentar o templo. Porém ao término do culto, um dos diáconos da igreja, talvez por um espírito demasiadamente conservador, e apegado às coisas antigas, disse a Spurgeon que não deveria voltar a mencionar tal assunto; ao que Spurgeon respondeu com sua característica prontidão: Que queres dizer? Não me ouvirão falar mais disto quando estiver feito, e portanto, quanto mais rápido se faça, melhor.”.
E efetivamente, mui prontamente começaram os trabalhos para aumentar a capacidade do templo. O propósito era arrancar alguns metros da parede do norte, a fim de que coubessem mais quinhentas ou seiscentas pessoas. Enquanto se efetuavam estas modificações, a congregação obteve um aluguel do Exeter Hall, enorme edifício construído em 1831, e que havia ficado famoso por abrigar nele importantes reuniões dos não conformistas, de algumas instituições filantrópicas e liberais, e porque em 1880 foi adquirido pela Associação Cristã de Moços de Londres. Este edifício, com capacidade para cinco a seis mil pessoas, se encontrava situado no Srand, uma das avenidas mais importantes daquela grande cidade, que corria paralelamente ao Tâmisa.
Desde 11 de fevereiro a 27 de maio de 1855, lapso de tempo em que se fez a reconstrução do templo de New Park Street, Spurgeon pregou de manhã e à tarde de todos os domingos, a congregações que a cada semana que passava iam ficando maiores, e logo se viu que este edifício, não obstante ser um dos maiores de Londres, haveria também de se revelar  incapaz para conter as grandes multidões que de todos os extremos da população vinham ouvir o jovem pregador, já feito famoso. Com efeito, apenas havia transcorrido um mês desde que a igreja havia mudado para este lugar, quando toda Londres, presa de grande assombro, presenciava o insólito espetáculo de que um jovem, recém chegado do campo, sem o esplendor de um homem ilustre, nem o brilho dos títulos universitários, somente com o poder de sua palavra atraía, dominava e comovia tão grandes multidões que, não encontrando espaço no edifício, invadiam a avenida fronteiriça a ele, interrompendo muitas vezes o trânsito.
A imprensa que sempre está à caça de notícias interessantes e de acontecimentos extraordinários não poderia deixar passar despercebida esta verdadeira revolução que o jovem Spurgeon estava efetuando com sua pregação, e assim, todos os diários de Londres começaram a se ocupar dele. Uns tratavam do assunto com seriedade e respeito, porém outros, e estes não eram poucos, lhe trataram desapiedosamente, lançando-lhe ao rosto as acusações mais absurdas e os ataques mais grosseiros e injuriantes. Principalmente, uma parte da imprensa tratou de ridicularizá-lo e desprestigiá-lo. Lhe representavam como um macaco, um ruminante, um boi, como a personificação mesma do diabo, em caricaturas as mais ridículas. Uma destas caricaturas apresentava os retratos em contraste, chamando a um “azedo” e a outro “melado”. O primeiro representava um jovem vestido humildemente, sem roupas eclesiásticas, que está falando, sem que haja nada agradável em suas maneiras, com os braços muito estendidos, porém com a maior sinceridade, o outro representa um teólogo com vestimenta canônica, tendo o cabelo partido no centro, e bem alisado, e que está lendo seu sermão com aspecto satisfeito.
Porém tudo isto não teve outro efeito do que fazer ainda mais popular o nome e a pessoa de Spurgeon, e que seus cultos religiosos tivessem uma maior publicidade e melhor assistência. E os que vinham para ver o touro fazer suas contorções, ou para dar-se conta da figura que teria o diabo, paravam para ouvir a pregação, grandemente interessados, e muitos deles foram levados aos pés de Cristo. As próprias armas que Satanás usava para impedir e atrapalhar a obra deste homem escolhido de Deus, se voltou contra si mesmo, e quantos mais diques colocava na obra  que Spurgeon realizava, dava maior rapidez à sua corrente.
E nosso jovem pregador, que teria bom humor e sabia olhar o lado engraçado das coisas, mais do que se sentir molestado pela publicação destas caricaturas, ria-se grandemente ao contemplá-las e as ia colecionando cuidadosamente e guardando, até que, quando terminou esta campanha de uma parte da imprensa, pôde encher com ela um álbum volumoso. E aqueles dos seus biógrafos que tiveram o privilégio de visitá-lo em ser lar em Westwood, afirmam quase unanimente terem visto este álbum, e que Spurgeon o considerava como uma das melhores e mais apreciadas recordações do começo de sua obra em Londres.
Spurgeon também conservava cuidadosamente, por ordem de data, uma rica coleção de mais de vinte volumes que continham todos os folhetos que acerca de sua pessoa e obra foram  publicados na Inglaterra.
Os primeiros são de oposição aberta, descendo alguns deles aos termos mais virulentos e até abertamente insultantes, e os últimos servem para pregar a bondade e magnificência de sua obra, e a fama de seu nome. E, como disse um periodista que teve o privilégio de visitar Spurgeon e examinar estes escritos: “é curioso ver a forma em que gradualmente se vai efetuando a transição da inimizade à amizade” em relação ao nosso biografado, por parte dos que o julgavam e acerca dele escreviam.
Em junho de 1855 a congregação regressou do Exeter Hall para o templo da Rua New Park, que reedificada, teria capacidade para mais quatrocentas pessoas do que dantes, contudo, o local estava pequeno. Todos os assentos eram ocupados, e a muitos não se lhes podia acomodar, e muitos mais teriam que ficar do lado de fora por falta de lugar. Dos que não conseguiam entrar, muitos ficavam desgostados, e se viam obrigados a deixar o lugar, e estes somavam centenas e milhares cada domingo. Parecia que não havia remédio, e este estado de coisas seguiu por algum tempo.
Aparte de pregar duas vezes cada domingo a sua congregação, continuamente estava recebendo convites para pregar em diversos lugares dentro e fora de Londres; e como aceitava estes convites sempre que lhe era possível, resultava que quase sempre teria ocupados todos os dias da semana. E onde quer que fosse, a fama lhe acompanhava e o mais franco êxito o seguia.
Atendendo a um destes convites, visitou a Escócia em 1855, no mês de regresso da igreja de Exeter Hall para o templo de New Park Street. O Dr Cook disse que o Sr Spurgeon pregou em Glasgow também, talvez aos maiores auditórios que jamais se reuniram ali para ouvir a pregação do evangelho. Porém no princípio foi recebido na Escócia com grande suspeita, acerca da qual se contam muitas estórias. Aproveitando sua estada na Escócia, pregou em muitos outros lugares além de Glasgow, sempre com o mesmo brilhante resultado. E no seu regresso à Inglaterra viajou por Essex, Cambridheshire, e Suffolk, pregando em muitas cidades, começando por Waterbech, donde havia ido para Londres, dois anos antes.
No seu regresso da Escócia se fez evidente que não seria possível permanecer muito tempo mais no templo de New Park Street, porque as multidões seguiam afluindo, sempre em escala crescente. Então começou a pensar na necessidade de edificar um templo que reuniria as condições apropriadas para dar  acolhida e segurança às centenas de pessoas que formavam sua congregação regular, porém a enormidade desta empresa, e a falta de meios para efetuá-la, fizeram com que não fosse possível realizar tão gigantesca obra.
Crendo na prudência daquela afirmação bíblica de que não é bom que o homem esteja só, no dia 8 de janeiro de 1856, Spurgeon contraiu matrimônio com a Srta. Susana Thompson, jovem que reunia as maiores virtudes, que desde a primeira pregação em Londres, havia sido uma assídua e regular concorrente aos cultos da igreja, ainda que fosse de família pertencente à denominação Congregacional. Na eleição desta jovem para companheira de sua vida, Spurgeon foi grandemente abençoado por Deus, que lhe deu uma ajuda tão idônea e uma amiga tão fiel, tão apegada a ele pelo mesmo sincero e intenso carinho, que é impossível justapreciar tudo o que ela significou para sua vida futura, pelo que lhe ajudou, alentou, aconselhou  e cuidou com amor. Com seu profundo espírito cristão e seus seletos dotes de caráter, iluminou e adoçou toda a sua vida.
Nas condições de Spurgeon, com sua rudeza de campesino não dado às sutilezas das grandes cidades, tendo muito que aprender todavia com seu caráter vivo, tendo que efetuar uma das obras mais intensas e difíceis que pode se entregar nas mãos do homem, sendo-lhe necessário usar de grande tato, da maior firmeza e de uma paciência inalterável, nas condições de Spurgeon, repetimos, a bênção que foi a possessão de uma esposa como a sua, adornada das melhores prendas de mente e de caráter, é um dom tão grande, que faz com que seja impossível à palavra humana aquilatá-lo e avaliá-lo. Não obstante, esta nobre mulher que esteve enferma e prostrada na cama a maior parte de sua vida matrimonial, realizou, como veremos mais adiante, uma obra que bem podemos qualificar de enorme e magnífica, sempre esteve disposta a ajudar seu esposo na medida de suas forças, e com seu terno e pacífico caráter genuinamente cristão envolvia a nosso biografado numa atmosfera de doce paz, de alegre sossego, de tão absoluta confiança em Deus, que este não poderia por menos que agradecer à bondade divina, cada vez mais, a grande bênção que havia derramado sobre ele, ao dar-lhe por companheira uma mulher tão congenial, tão compreensiva, tão pacífica.
Cinco meses depois deste feliz matrimônio, em junho de 1856, foi absolutamente impossível continuar os serviços no templo de New Park Street, porque o local era insuficiente para as grandes multidões que a ele afluíam, e foi necessário regressar ao Exeter Hall. Porém então surgiu uma dificuldade imprevista: os donos do mencionado prédio não estavam dispostos a alugá-lo a uma única denominação por um espaço dilatado de tempo; e era forçoso buscar outro local onde poderia celebrar os cultos da igreja. Pouco antes desta data havia sido inaugurado o Teatro da Música, de Surrey Garden, a fim de que nele pudesse dar seus concertos o célebre  artista M. Julien; porém alugar este edifício parecia a todos uma empresa gigantesca, e fora das possibilidades da igreja. Contudo, não havia outro caminho a seguir, se não se quisesse rechaçar as multidões, pois não era fácil encontrar locais de tanta capacidade em Londres.
Em conseqüência, enquanto se criava um fundo especial para a construção do novo templo, se alugou o Teatro de Música para celebrar nele os cultos de domingo à noite. Este teatro, que era talvez o edifício público de maior capacidade em Londres, por muitas razões era o lugar que conviria à igreja para suas reuniões, enquanto se construísse um templo próprio e adequado. Portanto, a igreja sabendo da imensa popularidade do seu pregador, decidiu enfrentar o problema da elevadíssima renda que seria necessária para cobrir os gastos.
A primeira noite que Spurgeon pregou no Teatro da Música, ocorreu um acidente que teve um tremendo efeito sobre o público, sobre o pregador e sobre o futuro da obra em Londres.
A primeira noite que realizaram o culto no Teatro de Música, o prédio estava completamente cheio em cada uma de suas porções, e havia sido lotado muito antes de começar o culto. Na metade do sermão, algumas pessoas mal intencionadas, que haviam vindo ao lugar com o propósito de ocasionar um distúrbio, e de interromper o culto, começaram a gritar “Fogo!”, “Fogo!”. A multidão imediatamente ficou excitada de uma maneira terrível e se lançou às portas pisoteando-se uns aos outros, e ocasionando a mais espantosa cena de desolação e morte. Ainda que Spurgeon desde a plataforma manteve sua presença de ânimo e com voz firme suplicou à multidão que permanecesse tranqüila, contudo, o alvoroço foi tão grande, que lhe foi impossível dominar a assembléia. Algumas pessoas sofreram a morte no edifício, e muitas outras foram feridas, mais ou menos gravemente.  Spurgeon tratou de seguir adiante com o culto depois que a polícia retirou os mortos e feridos, porém a excitação não era fácil de acalmar, e por isso, com umas quantas palavras de conselho e de exortação, francas e sinceras, terminou o culto.
Um acontecimento tão funesto e tão inesperado, no momento mesmo da inauguração dos serviços no Teatro de Música, quando daquele culto se esperava a salvação de muitas almas, e não a perda de vidas humanas, fez uma impressão tão profunda sobre Spurgeon, que lhe causou uma grave enfermidade. Seus nervos haviam recebido um sacudimento tão intenso e transtornador, que foram completamente desequilibrados, produzindo-lhe o princípio daquela dolência que haveria de levar-lhe ao sepulcro trinta anos depois. Porque todos seus biógrafos parecem estar acordes em que a pertinaz dolência de que Spurgeon padeceu por longos anos, e de que ao fim morreu, teve sua origem neste terrível e lamentável acidente do famoso edifício de Londres.
Este pânico no Teatro de Música, como é chamado por todos, teve efeito no domingo de 19 de outubro de 1856. No edifício haviam congregado cerca de sete mil pessoas para ouvir o jovem e já  famoso pregador, e esta enorme multidão, ao se lançar às portas, desejando cada qual sair primeiro, ocasionou a morte de sete pessoas, e feriu vinte e oito, que foram levadas ao hospital, em face da gravidade das lesões.
Spurgeon que, como é natural, era perfeitamente inocente e que em absoluto não foi responsável por este acidente, foi terrivelmente fustigado por uma parte da imprensa, chegando alguns periódicos a considerar-lhe responsável pelo acontecimento, com as frases mais duras e desapiedosas. Contudo, é justo reconhecer que estes periodistas, que escreveram sob a impressão das primeiras notícias do acidente, reconheceram paulatinamente o erro que haviam cometido ao acusar nosso biografado.
Não obstante o triste e lamentável deste acidente, ele havia operado indiretamente sobre a congregação e os assíduos ouvintes de Spurgeon no sentido de fazer-lhes pensar séria e detidamente na necessidade de construir um templo que oferecesse abrigo e segurança às multidões que se reuniam nos cultos. Já com antecedência se havia pensado na conveniência de um templo que fosse dedicado exclusivamente aos cultos da igreja; porém o custo de tal edifício, lhes havia impedido chegar a uma decisão nesse sentido. Porém este lamentável acontecimento lhes obrigou a não demorar mais nesta empresa, e a proceder com a maior rapidez possível à construção de um tabernáculo.
Outro dos resultados indiretos do pânico foi que diante dos injustos ataques de uma parte da imprensa, e a campanha de oposição de muitos clérigos, que se aproveitaram de tão triste acontecimento para combater-lhe, seus amigos se colocaram a seu lado, com maior apego e fidelidade para sustentá-lo e para defendê-lo. Salomão disse que o amigo se conhece na desgraça; e Spurgeon, diante da oposição e inimizade de seus gratuitos e zelosos contraditores, pôde dar-se conta perfeitamente do grande número de amigos, bons e fiéis, com que podia contar entre os elementos das mais diversas condições sociais. Estes amigos nos tempos difíceis, foram para Spurgeon como orvalho benfazejo em tempo de sequidão.
Em conformidade com a decisão adotada, a igreja adquiriu um amplo terreno no que era conhecido como “Alvo de Newington”, assim chamado porque em épocas passadas neste lugar se encontravam os alvos para as práticas de tiro dos arqueiros reais. Este local não era o mais apropriado para construir nele uma grande igreja porém a consideração de que a pregação de Spurgeon atraía grandes multidões a qualquer lugar, e as boas condições em que o terreno podia ser adquirido, moveu a congregação a se decidir por este lugar. Havia ademais algo mais sugestivo no fato de que neste lugar se levantara o famoso Tabernáculo Metropolitano, que foi um monumento ao labor de Spurgeon, e um dos maiores lugares de reunião com que contavam os batistas no mundo: que neste mesmo lugar, em anos anteriores, grande número de batistas foram publicamente queimados por sua fidelidade à Palavra de Deus, e aos ditames de sua consciência, neste lugar onde um governo intransigente e despótico, e uma igreja imperante, queimaram um grande número de batistas, para impedir-lhes de crer e pregar de acordo com os mandatos da consciência, um nobre descendente daqueles mártires, sem outra capacidade especial que o auxílio divino e o poder de sua palavra, levou milhares à salvação que é em Cristo Jesus.
A pedra fundamental do Tabernáculo Metropolitano foi colocada em 16 de agosto de 1859, Porém a igreja não contava com os recursos necessários para cobrir os custos de uma edificação tão gigantesca e custosa, e se fez necessária uma campanha especial para se chegar à quantia requerida. Spurgeon viajou extensamente pelo Sul da Inglaterra, pregando numa enorme quantidade de lugares e pedindo neles uma oferta especial para a edificação do Tabernáculo. O plano era que essas coletas fossem divididas em duas porções: uma metade para a igreja em que se fazia a  coleta, e a outra para o fundo de construção do Tabernáculo. Desta maneira se pôde reunir alguns milhares de libras, e por sua vez se beneficiava grandemente aquelas igrejas.
Às intensas gestões do pastor em prol da edificação de um templo próprio, e o entusiasmo que demonstrava neste sentido, responderam os membros da igreja da maneira mais espontânea e desprendida. Não somente se entregaram à oração fervente, rogando ao Deus Todo-Poderoso e Misericordioso que derramasse suas bênçãos com o propósito que os animava, senão que contribuíram com toda liberalidade que lhes era possível, na obra projetada.
O Dr. Wayland disse muito bem que, “uma vez e outra, durante o trabalho de construção, a incapacidade do homem provou a oportunidade de Deus”. Aquela construção não se proporia a satisfazer um vão orgulho, nem alentar nenhuma daquelas paixões que são tão comuns entre os homens, o único fim que se perseguia ao levantar aquelas paredes, era dar uma maior glória a Deus por meio de um culto mais amplo e perfeito, e fazer que muitas almas fossem transportadas do reino das sombras e da morte, ao da luz e da salvação que é em Cristo Jesus. E por isso, porque somente se buscava a glória de Deus e o bem dos homens, Deus ouviu a voz daquele povo escolhido no deserto, e respondeu suas orações de fé, abrindo as janelas do céu e enviando grandes quantias, pela mediação de muitos casos, de amigos desconhecidos. Por exemplo, um senhor de Bristol, que nunca havia visto a Spurgeon, porém que estava inteirado de seu magnífico labor, enviou cinco mil libras esterlinas para o novo templo. Outras pessoas se dirigiam ao lar de Spurgeon e deixavam cem, duzentas, quinhentas e até mil libras esterlinas, para que fossem empregadas no sentido indicado.  
Enquanto o templo estava em processo de construção, a igreja se mudou novamente, do Teatro da Música, para o Exeter Hall, em cujo lugar permaneceu desde 1859 até março de 1 de março de 1861, data em que se ocupou o Tabernáculo. E no transcurso deste tempo, se nos informa que Spurgeon, os diáconos e alguns membros da igreja, costumavam reunir-se depois de terminados os trabalhos do dia, e ajoelhando-se entre os materiais de construção, oravam a Deus, pedindo-lhe que abençoasse aquele trabalho que se estava levando a cabo, e aos obreiros que o efetuavam. E Deus foi tão pródigo em suas bênçãos, que não obstante o longo tempo da construção, e o grande número de operários empregados nela, nem um só se feriu.
O Tabernáculo Metropolitano custou trinta e uma mil trezentas e trinta e duas libras esterlinas, quatro chelins, e dez penes, em moeda inglesa, e muitas pessoas consideram que um edifício como este, custaria na atualidade, aproximadamente quatro vezes mais. Seu tamanho é de cento e quarenta e seis pés de fundo, por oitenta e um de frente; tem um salão principal com duas galerias, com capacidade suficiente para seis mil pessoas; seis salas de aula, cozinha, banheiro, sala de descanso, sala para trabalho das senhoras, salões para a sociedade de jovens, oficina para o secretário, três quartos para vestuário e outros três salões para depósito.
Este enorme edifício foi terminado em primeiro de março de 1861, segundo já dissemos. O primeiro culto que se celebrou nele foi de oração, dirigido por Spurgeon, no dia 18 do mesmo mês, com uma assistência de mais de mil pessoas. O primeiro sermão foi pregado pelo pastor numa segunda-feira, 25 de março. No dia seguinte houve uma reunião pública presidida por Sir Enrique Havelock Allan, filho do General Henrique Havelock (ambos batistas).
No dia seguinte se realizou uma reunião na qual falaram representantes de várias denominações evangélicas. Depois seguiram outros serviços, um dos quais foi presidido pelo Pr John Spurgeon, pai do pastor.
Neste época Spurgeon contava com vinte e seis anos de idade, e somente fazia seis que se encontrava em Londres. E não obstante sua juventude, e o tempo relativamente curto que se achava à frente deste trabalho, havia efetuado uma obra verdadeiramente brilhante, e o prestígio e a fama  de seu nome haviam chegado a uma altura tão enorme, que não encontra paralelo nos anais da igreja cristã, porque desde os dias apostólicos não sabemos de nenhuma outra pessoa que em sua idade e em tão breve lapso de tempo tivesse efetuado uma obra igual à que ele efetuou.
Porém a fama de Spurgeon não cessou, nem esfriou, nem se atenuou com a construção do Tabernáculo. Ao contrário, seu renome ia crescendo à medida que passavam os anos. Sua personalidade era melhor compreendida e apreciada, seu trabalho melhor julgado e estimado, e as multidões seguiam afluindo incessantemente para ouvir a mensagem de salvação dos lábios deste homem que colocava uma ênfase especial na autoridade da Palavra de Deus e na obra expiatória de Cristo, como meio único de salvação. Que um pregador atraia grandes multidões não é um fato incomum, e que as retenha um, dois, ou três anos, não é um acontecimento estranho na história das denominações evangélicas, mas que durante trinta e sete anos, um homem procedente do campo, sem ajustar-se a nenhuma das escolas de oratória, e sem possuir muitos dos elementos externos mais necessários para poder brilhar na tribuna, haja atraído e retido as enormes multidões que lhe ouviam, sem que sua popularidade tenha sofrido intermitências, é algo verdadeiramente maravilhoso. E Spurgeon realizou este milagre sob a ajuda e direção divinas.
Em 1868, em face das suas freqüentes enfermidades, e dado o enorme trabalho que gravitava sobre seus ombros, a igreja se reuniu parar nomear-lhe um auxiliar. Amplamente discutido o assunto, a designação recaiu em seu irmão de sangue, o Pr Santiago Spurgeon, homem que a uma sólida instrução  unia um seleto espírito cristão, e uma rica experiência nos labores evangélicos. Desde esta data, e por espaço de vinte e quatro anos, estes dois irmãos, que se amavam entranhavelmente, perfeitamente identificados tanto em seus anelos, quanto em seus métodos de trabalho, estiveram à frente daquela gigantesca obra, auxiliando-se mutuamente, consultando-se, complementando-se, sem que jamais houvesse entre eles a mais pequena rusga, nem a mais ligeira discrepância. Inquestionavelmente, a igreja, ao eleger a Santiago Spurgeon para o posto de co-pastor de seu irmão, elegeu ao homem para o ofício; porque há razões para crer que nenhum outro, dentro da denominação, fosse mais idôneo, moral, intelectual e espiritualmente.
Porém a fama de Spurgeon cresceu com os anos, e também aumentou e se solidificou o seu trabalho na metrópole inglesa. Deus quis usar este homem para a maior glória de seu nome e para o bem de muitos, e com efeito, como tem dito o Dr. Armitage, que durante muitos anos lhe tratou intimamente, “lhe proveu as condições necessárias para poder efetuar a obra que Deus lhe havia proposto realizar por meio dele.”. E por isso, sua pregação não era como metal que soa ou címbalo que retine, senão com todo poder, que ia até ao mais íntimo do coração de seus ouvintes, intensificando a espiritualidade dos crentes, e alistando-lhes no serviço e convertendo e salvando os pecadores.
Para convencer-nos do que dizemos, bastaria lançar uma olhadela na história da igreja do Tabernáculo, e mui especialmente em seu registro de membros. O Dr. Wayland nos dá os seguintes dados: Em 1854 a igreja tinha 313 membros, no ano seguinte 395, em 1856, 860; em 1857, 1046, e assim continuou até que em 1875 tinha 4.813. Se não houvessem perdido membros, por morte e outras causas, durante este tempo, haveria tido 8.000. Em 1886 os diáconos viram, ao examinar os livros, que o número de membros recebido, como convertidos pelo Sr Spurgeon, sem incluir os recebidos por carta, era de 10.809. Na época de sua morte este número havia aumentado em vários milhares.
Considerando estes números exclusivamente, sem entrar no estudo de outros fatos que são de uma grandíssima transcendência, podemos estar seguros de que se a alegria do pregador está no número de conversões que têm efeito sob o seu ministério, a de Spurgeon tem que ter sido muito intensa, muito bem-aventurada, já que as conversões se contaram aos milhares sob suas ministrações. Estas conversões eram a melhor prova do caráter benéfico da sua obra, porém também de sua alegria e coroa.



OS DONS DE SPURGEON

Consideremos algumas das razões que fizeram de Spurgeon o instrumento deste grande despertamento. Em primeiro lugar, Spurgeon possuía destacadas capacidades naturais que foram todas consagradas à causa da proclamação da Palavra. Seu poder intuitivo e descritivo lhe permitia apresentar verdades familiares com grande vigor. Tome-se a declaração em que exorta aos crentes a despertarem à urgência de dar a conhecer o evangelho. “Crente, recorda que o tempo passa enquanto dormes. Se pudesses parar o tempo, poderias permitir-te algum ócio; se pudesse, como vulgarmente se diz:  “agarrar o tempo pelos chifres”, poderias fazer uma pequena pausa, porém não deves descansar, pois as terríveis rodas do carro do tempo são impulsionadas a tão tremenda velocidade que os eixos estão esbraseados e não há pausa nesta corrida. Marcham, e logo tem passado um século como se fosse uma noite.”. Esta linguagem contrastava especialmente com o apático estilo do pregador do período médio da era vitoriana. Aos olhos do mundo religioso era uma desfaçatez que um jovem popularizasse um novo estilo de pregação. Porém de fato, isso é o que Spurgeon fez, e ao fazê-lo, demonstrou que possuía uma confiança em si mesmo, e uma originalidade nada comuns
Desdenhava apresentar o evangelho de modo solene e pouco pessoal, e falava a seus ouvintes como se lhes tivesse à mão e estivesse falando com eles na rua.
Spurgeon tomava verdades e temas “gastos” que haviam chegado a ser considerados como pouco interessantes e pesados, e os apresentava numa linguagem tão clara e convincente que os ouvintes dificilmente poderiam impedir que a pregação lhes capturasse e lhes comovesse profundamente. Veja a riqueza da linguagem da doutrina e da ilustração, por exemplo, na seguinte citação sobre a perpetuidade da igreja: “Reflitam primeiro no fato de que existe uma igreja. Que maravilhoso é isto! É talvez o maior milagre de todos os séculos é que Deus tenha uma igreja no mundo.”. Sempre uma igreja! Quando toda a força dos imperadores pagãos precipitou como uma avalanche atordoadora sobre ela, se sacudiu da tremenda carga como um homem sacode a neve do  corpo antes de entrar no abrigo, e seguiu vivendo sã e salva. Quando a Roma papal descarregou sua malícia ainda mais furiosamente, quando perseguiam cruelmente os santos em meio dos Alpes, os acossavam nos países baixos, quando os albigenses e os valdenses vertiam seu sangue nos rios, e tingiam de púrpura a neve, a igreja seguia vivendo, e nunca esteve em melhor saúde do que quando esteve submergida em seu próprio sangue. Quando depois de uma reforma parcial em nosso país, os que pretendiam ter religião determinaram que os autenticamente espirituais haveriam de ser arrojadas da mesma, a igreja de Deus não dormiu nem suspendeu sua carreira de vida ou serviço. O pacto firmado com o sangue deu testemunho do vigor dos santos perseguidos. Ouço seus salmos em meio às colinas da Escócia, e sua oração nas câmaras secretas da Inglaterra. Ouço a voz de Cargil e Cameron entoando sobre  os montes contra um falso rei e um povo apóstata, ouço o testemunho de Bunyan e seus contemporâneos, que preferiam apodrecer nas masmorras a dobrar os joelhos a Baal. Perguntem-me: Onde está a igreja? E poderei achá-la em qualquer período e em todo momento, desde o dia em que pela primeira vez, o Espírito Santo desceu no cenáculo sobre os discípulos, até agora. Nossa sucessão apostólica se apresenta em linha ininterrupta; não através da igreja de Roma; não nas mãos supersticiosas dos papas feitos pelo sacerdócio, ou dos bispos criados pelos reis (quão disfarçada mentira a sucessão apostólica dos que tão orgulhosamente se jactam dela!) senão através do sangue de homens bons e genuínos, que nunca abandonaram o testemunho de Jesus, através dos pastores autênticos, evangelistas laboriosos, mártires fiéis, e homens de Deus honrados, vamos descobrindo nossa árvore genealógica até chegar aos pescadores da Galiléia, e nos gloriamos em que, pela graça de Deus, perpetuamos aquela igreja verdadeira e fiel do Deus vivo, em quem Cristo habitou e habitará até o fim do mundo.
A maravilha mais surpreendente é que permaneça na perfeição. Nem um só dos eleitos de Deus tem voltado atrás; nenhum só dos comprados com o sangue têm negado a fé. Nem uma só alma das que foram chamadas eficazmente pode ser obrigada a negar a Cristo, ainda que sua carne seja arrancada dos ossos com tenazes incandescentes, ou que seu corpo atormentado seja lançado às feras. Tudo o que o inimigo tem feito contra a igreja tem sido inútil. A antiga rocha tem sido assaltada uma e outra vez pelas ondas tempestuosas, submergida mil vezes nas torrentes  e nas inundações, porém ainda assim suas colunas permanecem firmes. Podemos  dizer do Tabernáculo do Senhor, que nem uma de suas barras tem sido retirada, e nem uma de suas laçadas tem sido rebentada. A casa do Senhor, desde o fundamento até o pináculo segue perfeita: desceu a chuva, e vieram os rios, e sopraram os ventos e golpearam contra aquela casa, e não caiu, não, nem uma pedra caiu, porque estava fundada sobre a rocha.”.        
Não há dúvida de que uma das principais razões da influência de Spurgeon foi que possuía capacidades que lhe permitiam romper os moldes de sua época, e também a confiança para resistir à tormenta que suas ações despertavam. Num sermão sobre oração declarou: dado a que não tenho orado de forma convencional, se tem dito: esse homem não tem reverência! Meu senhor, você não é o juiz da minha reverência. Irmãos, me agradaria queimar as antigas orações que temos usado nestes últimos cinqüenta anos: aquela do azeite que ia de vaso em vaso, aquele texto mal citado e manuseado: onde dois ou três estiverem reunidos, estarás no meio deles para abençoá-los; e todas aquelas citações que temos fabricado, plagiando e copiando uns dos outros. Oxalá chegássemos a falar com Deus a partir dos nossos próprios corações.”. Era igualmente inflexível quando respondia aos críticos de sua pregação: “não sou demasiado meticuloso quanto à minha maneira de pregar. Não tenho buscado a estima do homem; não tenho pedido a ninguém que se submeta a meu ministério, prego o que desejo, quando desejo e como o desejo.”.
Provavelmente somente tem havido na história da igreja da Inglaterra dois evangelistas com os quais Spurgeon possa ser comparado devidamente. Em vários de seus dons naturais se parece a Hugh Latimer e George Whitefield, porém num desses dons superava estes dois. Tinha um poder mental que lhe permitia assimilar, digerir e logo popularizar praticamente tudo o que lia. A isto temos de acrescentar o fato de que a formação de Spurgeon tenha sido tal, que quando chegou a Londres, havia lido uma quantidade enorme de livros para um homem da sua idade. Estava empapado no que ele mesmo chamava a idade de ouro da teologia inglesa, o período puritano, e sobretudo havia sido um assíduo leitor da Bíblia desde a idade de seis anos.
O que Spurgeon escreveu de Bunyan se pode aplicar igualmente a ele: “Leiam qualquer coisa de sua pena, e comprovarão que é quase como ler a própria Bíblia. Havia estudado nossa versão autorizada, que em minha opinião nunca será superada até que Cristo venha; a havia lido até que todo seu ser estivesse saturado da Escritura. Cortem-no onde quiserem e descobrirão que seu sangue é “bíblico”, a mesma essência da Bíblia, que mana dele. Não pode falar sem citar um texto, pois sua alma está cheia da Palavra de Deus.”.


O PODER DE SPURGEON

Seria injusto ignorar os dons naturais de Spurgeon e o profundo de seus estudos, porém seria ainda maior injustiça imaginar que estas coisas explicam o caráter de seu ministério na primeira fase do mesmo. Dizer tal coisa estaria em contradição com tudo o que ele ensinava. Spurgeon veio a Londres consciente de que Deus vinha ocultando Seu rosto de Seu povo. Seu conhecimento da Bíblia e da história eclesiástica lhe convenceram de que, em comparação com o que a igreja teria motivos para esperar, o Espírito de Deus estava ausente em grande medida, e se Deus continuava escondendo Seu rosto, declarou à congregação, nada poderia ser feito para estender o Seu Reino. Não são vossos conhecimentos, nem vosso talento, nem vosso zelo, o que pode levar a cabo a obra de Deus. Não obstante, irmãos, isto pode ser feito: clamaremos ao Senhor até que Ele nos mostre de novo Seu rosto. Tudo o que necessitamos é o Espírito de Deus. Amados amigos cristãos, ide a vosso lar e orai pedindo-lhe, não descanseis até que Deus se revele a Si mesmo; não vos entretenhais, nem vos contenteis, em seguir com vosso perpétuo trote lento como tendes feito; não vos contenteis com a mera rotina das coisas habituais. Desperta Sião, desperta, desperta, desperta!
Antes que passassem muitos meses estava manifesto que a congregação de New Park Street estava despertando, e à medida que o afã na oração se converteu em característica da igreja, certa carga comum se espalhou do pastor à congregação. O Senhor envie bênção. É preciso que a envie, pois, se não o fizer, nossos corações se partirão. Que mudança houve nas reuniões de oração. Agora, em vez das antigas e apáticas orações, cada um parecia um cruzado sitiando a nova Jerusalém; cada um parecia estar determinado a assaltar a cidade celestial com o poder da intercessão, e logo a bênção se derramou sobre nós em tal abundância que não teríamos espaço onde recebê-la.
Até o final de sua vida Spurgeon se referiu ao avivamento de New Park Street como uma das evidências seguras de que Deus responde à oração, e costumava lembrar à sua congregação aqueles primeiros dias: Que reuniões de oração temos tido! Não esqueceremos jamais Park Street, aquelas reuniões de oração em que me sentia obrigado a deixá-los partir sem uma palavra de meus lábios, porque o Espírito de Deus estava, presente de modo tão manifesto que teríamos que nos dobrar até o pó. E que maneira de escutar havia em Park Steet, onde apenas teríamos o ar suficiente para respirar. O Espírito Santo descia como chuva que satura o solo até que os torrões estão a ponto de se partir, e não passava muito tempo sem que à direita e à esquerda ouvíssemos o clamor de: “Que faremos para ser salvos?”.
Algumas das admoestações mais solenes que Spurgeon jamais deixara de dirigir à sua congregação foram acerca do perigo de que cessassem de depender de Deus em oração. Que Deus me ajude se deixarem de orar por mim. Avisem-me naquele dia, e terei que cessar de pregar. Avisem-me quando se propuserem a parar de orar, e clamarei: Deus meu, dá-me a tumba neste dia e que eu durma no pó. Estas palavras não eram eloqüência de pregador, antes expressavam os sentimentos mais profundos de seu coração. Cria que sem o Espírito de Deus nada se podia fazer. Quando sua congregação cessasse de sentir sua dependência completa e absoluta na presença de Deis. Estava seguro de que antes de pouco tempo viriam a ser objeto de desprezo e comentário malicioso, ou talvez um mero lenho sobre a água.
Em todo seu ministério esta preocupação de Spurgeon teve um lugar especial em seu coração. “Se tivesse de escolher uma só oração antes de morrer, seria esta: Senhor, envia à tua igreja homens cheios do Espírito Santo e de fogo.”. Haja tais homens em qualquer denominação, e seu progresso será irresistível, priva-os de tais homens, envia-lhes cavalheiros de cátedra, de grande refinamento e profunda erudição, porém com pouco fogo e graça, cachorros amordaçados que não sabem ladrar, e inevitavelmente a denominação cairá.
Assim, pois, a verdadeira explicação do ministério de Spurgeon tem de se achar na Pessoa e Poder do Espírito Santo. Ele mesmo se dava conta disso de maneira muito profunda. Não era a admiração do homem o que desejava, senão que teria zelo que os homens reverenciassem e temessem a Deus. Um pregador disse: ”deveria saber que possui realmente o Espírito de Deus, e que quando fala opera nele uma influência que o capacita para falar segundo os desejos de Deus, ou do contrário, deve abandonar o púlpito sem demora; não tem o direito de estar ali. Não tem sido chamado a pregar a verdade de Deus.”.
A presença do Espírito Santo se manifestou no ministério de Spurgeon em duas facetas proeminentes. Em primeiro lugar, no espírito de sua pregação. Como o apóstolo Paulo, pregava “com fraqueza, e muito temor e tremor” (I Cor 23).  “Tremamos”, disse, “pelo temor de crer mal, e tremamos mais ainda pelo temor de confundir e interpretar mal a Palavra. Creio que Martinho Lutero havia enfrentado sem temor o próprio espírito do inferno, porém temos sua própria confissão de que seus joelhos tremiam quando se levantava para pregar. Tremia pelo temor de não ser fiel à Palavra de Deus. Pregar toda a verdade é uma carga tremenda. Nós, os que somos embaixadores de Deus, não podemos julgar, senão que temos de tremer diante da Palavra de Deus.”. Quando o Espírito Santo toma a um homem, lhe dá algo daquela mesma solicitude pelas almas dos homens e as  mulheres que se via no ministério terreno de Cristo. Jesus nunca pregou um sermão sem solicitude, dizia Spurgeon, e procurava ser feito semelhante ao Senhor. Seguindo este supremo exemplo, era às vezes levado a cumes de alegria.
Pregando em João 17.24 exclamou: “Tenho tido um pensamento, porém não posso expressá-lo. Poderia facilmente entrar no céu, isso é o que sinto neste momento, porém fui levado também àquelas profundidades semelhante ao Getsêmani, onde somos conscientizados da terrível realidade do juízo divino contra o  pecado humano.”. “Nosso coração está a ponto de romper-se”, dizia, “quando pensamos como as multidões rechaçam o evangelho”, e era nesse espírito que sempre procurava falar. Posso dizer neste momento, exclamou no transcurso de um sermão, que sinto realmente um anelo indescritível pela conversão de meus ouvintes. Teria por grande privilégio poder dormir o sono da morte esta manhã, se essa morte pudesse redimir vossas almas do inferno.
Para Spurgeon o púlpito era o lugar mais solene do mundo e nada poderia estar mais longe da verdade que o sugerir que fazia dele um lugar de entretenimento. William Grimshaw admoestou numa ocasião a George Whitefield, quando este pregava em Haworth, e, aquelas palavras pareciam ressoar nos ouvidos de Spurgeon. “Irmão Whitefield, não os adule, temo que a metade deles vá para o inferno com os olhos abertos.”.
Todo ministro pode entender o que John Wesley queria dizer quando exclamou: “Se houvesse de pregar um ano inteiro em um só lugar, conseguiria dormir e fazer dormir a maior parte da minha congregação.”, e havia momentos em que Spurgeon desejava que fosse aliviado da carga de pregar anos após ano a milhares de ouvintes. “Há momentos inumeráveis em que tenho desejado ser um pastor de uma pequena igreja campestre, com duzentos ou trezentos ouvintes, pois poderia velar por aquelas almas com solicitude ininterrupta.”. Porém sabia que não haveria de acontecer, e orava a Deus pedindo que lhe fosse selada a boca em eterno silêncio antes que se lhe permitisse chegar a ser descuidado ou a se sentir satisfeito enquanto as almas eram condenadas: seria melhor que nunca houvesse nascido se pregasse a estas pessoas sem solicitude, ou retivesse alguma parte da verdade de meu Mestre. É melhor haver sido diabo que pregador daqueles que jogam com a Palavra de Deus, operando assim a ruína das almas dos homens. A minha ambição é a de ser limpo do sangue de todos. Se, como George Fox, pudesse dizer ao morrer: “Sou limpo, sou limpo”, isso seria quase todo o céu que poderia desejar.”.
Contudo, descrever o espírito com que Spurgeon pregava não é apresentar a prova definitiva da nossa crença de que o Espírito Santo estava presente em abundância em seu ministério. O conteúdo de sua mensagem era mais importante para ele que sua maneira de pregar, e este é o segundo ponto que agora temos de considerar. As citações anteriormente feitas são, não somente incompletas, senão que por si mesmas poderiam ainda ser causa de engano. O solene sentido da responsabilidade não era o móvel impulsor de sua pregação, estava constrangido por algo superior ao chamamento do dever; amava proclamar a glória de Deus estampada na face de Jesus Cristo. Cristo era o tema glorioso, intensamente absorvente do ministério de Spurgeon, e esse Nome convertia suas fadigas no púlpito num banho nas águas do paraíso. É bem conhecida a história de como um obreiro despercebido foi despertado espiritualmente por um texto que Spurgeon pronunciou no vazio Palácio de Cristal, quando estava provando a acústica como preparação de um culto, porém o versículo que Spurgeon pronunciou não é parte incidental do quadro. Quando, segundo cria, não havia congregação nem ouvintes, as palavras que mais sentia e naturalmente vieram a seus lábios foram: “Eis aqui o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.”. É pois, surpreendente que repassando os títulos de seus sermões em 1856 e 1857 encontremos este nome constantemente repetido: “Cristo nos negócios de seu Pai; Cristo, poder e sabedoria de Deus; Cristo exaltado; a condescendência de Cristo; Cristo nossa páscoa; Cristo no Pacto.”. Examinemos por um momento um dos tais sermões intitulado “O Nome eterno” e pregado em princípio de 1855, quando teria vinte anos de idade. No curso desse sermão descreve o que seria do mundo se o nome de Jesus pudesse ser eliminado do mesmo, e incapaz de refrear seus próprios sentimentos exclamou: Sem meu Senhor, não teria o menor desejo de estar aqui, e se o evangelho não fosse certo, bendiria a Deus por aniquilar-me neste instante, pois não desejaria viver se vocês pudessem destruir o nome de Jesus. Muitos anos depois, a senhora Spurgeon recordava este mesmo sermão, e descreveu do modo seguinte o seu final, quando a voz de Spurgeon quase estava se extinguindo por causa do esgotamento físico:
“Recordo, com estranha vividez depois de tanto tempo, a noite do domingo em que pregou o texto “Será seu Nome para sempre”. Era um tema no qual se regozijava extremamente, seu principal deleite era exaltar seu glorioso Salvador, e naquele discurso parecia estar vertendo sua própria alma e vida em homenagem e adoração diante do seu misericordioso Rei. E eu creio que teria deveras morrido na frente de toda aquela gente. No final do sermão, fez um poderoso esforço para recuperar a voz, porém a pronúncia quase lhe faltava, e somente pôde se ouvir com acento entrecortado a patética conclusão: pereça meu nome, porém seja para sempre o Nome de Cristo! Jesus! Jesus! Jesus! Coroado Senhor de todos. Não me ouvireis dizer nada mais. Estas são minhas últimas palavras no Exeter Hall neste dia. Jesus! Jesus! Jesus! Coroado Senhor de todos! E então desabou, quase desmaiado, na cadeira que estava atrás de si.”.
Existe maior evidência que esta da presença do Espírito Santo no ministério de um homem? Se há, talvez seja aquela consciência, desconhecida de todos exceto do pregador, da própria presença de Cristo acompanhando-lhe enquanto fala: “Apenas é possível que um homem, mais próximo da tumba possa estar mais próximo do céu do que quando goza disto” escreve Spurgeon, e havia ocasiões em que poderia testificar: “Tenho discernido a presença especial de meu Senhor acompanhando-me, por meio de uma experiência tão segura como aquela pela qual sei que vivo. Jesus me tem sido tão real, acompanhando-me neste púlpito, como se eu lhe houvesse contemplado com meus olhos.”.
Não podemos abandonar o tema do ministério de Spurgeon sem dar um exemplo de como pregava a Cristo para toda classe de  ouvintes, e a Cristo como necessidade única de todos os corações: “Recorda, pecador, que não é o fato de que tu tenhas a Cristo o que te salva: é Cristo; não é teu gozo em Cristo o que te salva; é Cristo; nem sequer é a fé em Cristo, ainda que seja ela o instrumento: é o sangue e os méritos de Cristo; portanto, não olhes a tua fé, senão a Cristo, autor e consumador da tua fé; e se fazes isto, nem dez mil diabos poderão derrubar-te. Há uma coisa que todos nós confiamos demasiadamente em nossa pregação, ainda cremos fazê-lo sem qualquer intenção, a saber, a grande verdade de que não é a oração, não é a fé, não são nossos atos, não são nossos sentimentos aquilo em que temos de descansar, senão em Cristo, e em Cristo somente. Somos propensos a pensar que não estamos num estado apropriado, que não sentimos com suficiente intensidade, em vez de recordar que o que importa não somos nós mesmos, mas Cristo. Permita-me que lhe suplique, olha somente para Cristo, nunca espere ser liberado pelo eu, pelos ministros ou qualquer meio, seja da classe que seja, aparte de Cristo; não o perca de vista, que sua morte, sua agonia, seus gemidos, seus sofrimentos, seus méritos, suas glórias, sua intercessão estejam frescos em sua mente, quando despertar pela manhã, busca-O, quando te deitar à noite, busca-O”.  
Este era o espírito e a mensagem de C.H. Spurgeon à idade de vinte anos, e quem não crê que hoje necessitamos conhecer de novo o significado de ser constrangidos por amor de Cristo? Uma conhecida estrofe expressava a oração de Spurgeon, façamos nossas as suas palavras:
Mui mísero seria Senhor, se não tivesse amor por Ti. Poder morrer antes quisera, que ver meu amor não posto em Ti.”.
Até aqui temos procurado recuperar a imagem de Spurgeon tal como era nos dias de seu ministério em New Park Street. O retrato que se nos tem apresentado não é o de um jovial fenômeno do púlpito sobre o qual os homens derramavam elogios, senão muito ao contrário, um jovem cuja chegada em meio da vida religiosa, tão sonolenta de Londres, foi quase tão mal recebida como os canhões russos que na época retumbavam na distante Criméa. Estes fatos nos dão certo sobressalto, pois mais ou menos temos estado acostumados a olhar a Spurgeon como um benigno avô do evangelismo moderno. Quando o avivamento de 1855 e anos seguintes  sacudiu a Southwark de sua mornidão espiritual, o nome do pastor de New Park Street era símbolo de reprovação, e os golpes lhe vinham de todas as direções, desde então o nome tem sido convertido em símbolo da respeitabilidade evangélica, e tendemos a nos consolar em meio do predominante abandono dos princípios evangélicos, com o pensamento de que o mundo religioso recorda ainda um pouco a um homem de nossa mesma posição, cuja influência não faz muitos anos abarcou o globo inteiro. Contudo, quando recordamos o verdadeiro caráter de seu ministério, nosso consolo logo se evapora, pois nos deparamos com a pergunta, não de quanto admiramos a Spurgeon, mas de que é o que um homem como este pensaria de nós.
Há boas razões para supor que com freqüência temos recordado o que não devíamos acerca de Spurgeon. Lhe recordamos como personalidade, lhe temos esquecido como reformador enviado por Deus. Todos conhecem como sorria, porém quem recorda como chorava? Recordamos que era um grande batista, somos ignorantes de como acusou aos batista, e a outros não conformistas igualmente, de traírem a Cristo. Seu êxito como evangelista costuma ser evocado, se esquece a teologia que o sustentava. Conhecemos anedotas que mostram suas muitas capacidades, porém quão pouco sabemos da medida do Espírito Santo de que estava dotado! Lembramos a Spurgeon como homem entre os homens, porém temos esquecido em grande parte que estava nas mãos de Deus. Quando nos aproximamos do verdadeiro Spurgeon, esquecemos nossas homenagens e somos redargüidos.


O PRÍNCIPE DOS PREGADORES

  Spurgeon viveu e brilhou com claridade extraordinária, numa época em que, em seu próprio país, decolavam grandemente magníficos pregadores que possuíam grande caudal de sabedoria e uma brilhante eloqüência. Com efeito, em sua própria cidade, comoviam e arrebatavam às multidões, pregadores tão eminentes como George Whitefield, Howard Hinton e Liddon, todos os quais gozavam de grande prestígio e de grande fama, e fora da Inglaterra havia uma verdadeira corte de oradores sagrados, insignes mestres da Palavra que, dentro e fora de sua denominação, com sua grande eloqüência, não somente haviam escalado às maiores alturas, senão que também haviam deixado sentir sua influência para o bem, cooperando para modelar as correntes de seu tempo e a fazer mais real e efetiva a moral cristã.
Contudo, nenhum deles pôde chegar à altura a que chegou nosso biografado, que decolou formosamente entre estas eminências do púlpito, o mundo cristão lhe consagrou quando, em reconhecimento de que havia chegado aos mais altos píncaros da eloqüência, por unânime consentimento, espontaneamente lhe deu o bem merecido título de “O Príncipe dos Pregadores”, título que tanto compreende e significa. E foi com razão e justiça que a opinião cristã lhe consagrou desta maneira, porque quando se tomam em consideração todas as coisas, se chega ao convencimento de que, na realidade, ele foi o maior pregador desde os dias do apóstolo Paulo, segundo o juízo de eminentes personalidades.
Spurgeon foi formado para ser pregador e nasceu pregador, já feito: uma obra especial, numa época especial, e em especiais circunstâncias, de tal maneira que é único na história cristã, tem dito o Dr Thomas Armitage, e acrescenta: Londres teria um mais perfeito orador de púlpito em George Whitefield, um mais acabado retórico em Henrique Melville, um completo exegeta no Deão Trench, um mais profundo em Thomas Binney, um mais sensível metafísico em Howard Hinton, e um pensador maior em Liddon, porém todos eles juntos não puderam comover aos milhões como lhes comoveu a mensagem de Spurgeon, da parte de Deus, no púlpito.
Realmente seu caso é único. Procedente de uma pobre igreja de uma aldeia campesina, sem aqueles títulos acadêmicos e honoríficos que tanto brilho e renome dão e que tão conspicuamente contribuem para estabelecer a fama dos chamados grandes homens entrou a servir numa igreja de grande prestígio histórico, porém que agora estava morrendo lentamente de morte natural, e por espaço de trinta e sete anos, durante os quais teve que sofrer todo gênero de embates e contradições, atraiu e manteve as maiores multidões que até então se haviam congregado para ouvir a proclamação do  evangelho. E como se isto não fosse bastante dessas multidões, milhares e milhares, convencidos de pecado, se renderam aos pés de Cristo, para amar-lhe e servir-lhe como conseqüência da pregação deste homem singular.
À presença do assombroso labor e o magnífico êxito de Spurgeon, as personalidades eminentes se perguntavam continuamente, maravilhados deste portento humano, onde se encontrava o segredo do seu poder, e a chave do seu êxito. Porque a oratória, com seus recursos habituais, não realiza as maravilhas que este homem realizou. Para isso se requer elementos que não são os elementos retóricos, e poderes que não são precisamente os poderes da eloqüência humana.
O estudo cuidadoso de sua vida, demonstra que Spurgeon, como orador sagrado, possuía pouco dos chamados elementos ou condições externas, nos quais algumas escolas fazem bastante ênfase. Sua estatura era mediana, seu corpo forte, porém  rústico, com tendências à obesidade, seu rosto, sombreado nos últimos anos por uma barba pouco aparada, não era certamente a representação da beleza, e toda sua personalidade, contemplada no púlpito, não teria aquela simpatia atraente que tanto é observada em alguns dos grandes da tribuna. Além disso, Spurgeon, por não lhe permitir o absorvente trabalho em que se encontrava empenhado, nem por ser conforme ao seu caráter, não empregava nenhuma arte em sua pregação, nem usava dos truques que tanto agradam as multidões.
Como já temos visto em outro lugar, desde sua chegada a Londres e por espaço de alguns anos, teve que sofrer os ataques, a maior parte das vezes rudes e sempre injustos, da quase totalidade da imprensa londrina, que o representava em caricaturas as mais ridículas.
Nós temos buscado pacientemente algum dado que nos prove a certeza destas excentricidades de Spurgeon no púlpito, e não temos podido encontrá-lo. O que atraía e retinha tão grandes multidões, seguramente não se devia a isto, e é necessário buscar a explicação em outro lugar. Spurgeon não foi um contorcionista, nem um acrobata do púlpito, à maneira de Billy Sunday, a quem seu mesmo biógrafo Ellis chama de “o ginasta do púlpito”. Ao contrário, no que se refere à ação, Spurgeon era mais pausado, e severo em seus movimentos do que os que eram de se esperar em todo orador, ainda os da escola mais conservadora, que nos períodos de calor e emoção, e nos lapsos de eloqüência, são arrebatados pelo natural e espontâneo entusiasmo. Spurgeon não era uma máquina falante, sem vida e sem emoção, porém tampouco era um saltimbanco em sua pregação. Dominado completamente pelo assunto que tratava, falava com ardor e entusiasmo, e se movia e agia, porém sem rebaixar os limites naturais e corretos. Seu êxito como pregador, pois, não se deveu em nenhum sentido e em nenhum momento, a um exagerado e pantomímico acrobatismo. A pregação era para ele demasiadamente séria e sagrada, para que pudesse descer a este nível.
No que Spurgeon possuía um verdadeiro tesouro, rico e inesgotável, era em sua voz. Esta era uma das coisas que mais chamava a atenção dos assíduos concorrentes ao Tabernáculo, fazendo neles uma impressão magnífica e duradoura. Existe o que poderíamos chamar a fascinação da voz humana, da mesma maneira que existe a fascinação do olhar. Ainda não têm sido precisadas e talvez nunca o sejam, as estranhas e arrebatadoras sugestões do som, da melodia da voz humana, nem o grau deste e outros fenômenos morais, que continuam sendo um mistério, resistindo às empenhadas investigações do sábio. Porém, o certo é que este fenômeno não pode ser ocultado. E no caso particular de Spurgeon, se manifestava da forma mais evidente, exercendo um enorme e inexplicável fascínio sobre todos os que tinham ido ouvir-lhe.
Geralmente o Tabernáculo Metropolitano começava a encher uma hora antes do horário marcado para o início do culto, e aquela multidão de seis ou sete mil pessoas, que na maioria das vezes produzia rumores com seus movimentos e murmúrios. Alguém tem dito que enquanto se enchia o Tabernáculo parecia uma enorme colméia. Porém tão logo Spurgeon subia ao púlpito, todos estes rumores acabavam, e em meio de um grande silêncio, vibrava com uma grandíssima intensidade aquela voz clara e cristalina de timbre metálico; voz que vibrava com acento carinhoso a par de ser viril; voz que prestava de maneira maravilhosa para as transmissões de matizes de sentimentos os mais delicados e diversos, e dos ideais mais nobres e sublimes. E coisa admirável, aquela voz, que nos momentos de paixão adquiria as notas mais agudas, fazendo-se clara e distinta para as pessoas que estavam numa maior distância, naquele enorme edifício, não se fazia nunca desagradável para os que ocupavam os postos mais próximos do púlpito.
A voz de Spurgeon era robusta, e extensa, que sempre e em toda caso, chegou claramente até o último dos ouvintes. Em várias ocasiões na Inglaterra, e Escócia falou ao ar livre a multidões de quatorze e quinze mil pessoas, e dessas enormes multidões não saiu ninguém que não tivesse ouvido distintamente. O dia 7 de outubro de 1857,  dia de jejum nacional, de humilhação e oração ao Deus Todo Poderoso, pedindo sua bênção sobre o exército inglês da Índia, e a restauração da paz naquele lugar, Spurgeon pregou no chamado Palácio de Cristal, imenso edifício de Sydenham onde havia sido celebrada a Feira Mundial, para mais de vinte e quatro mil pessoas, sobre o texto de Mq 6.9, e toda essa imensa multidão o ouviu perfeitamente.
Em Spurgeon a pregação chegou a ser um verdadeiro poder psíquico, porque possuía abundantemente aquelas qualidades internas espirituais, sem as quais o sermão se converte em discurso, e se torna ineficaz ao fim proposto, porém que usadas pelo Espírito de Deus podem ter uma potência tão grande, que os homens, não obstante reconhecê-las e se maravilharem delas, não podem nem medi-las, nem analisá-las.
Destas condições espirituais há que se estudar várias em Spurgeon. Uma delas era sua fé firme e constante; uma fé que se sobrepunha às dificuldades e contratempos. Dele se podia dizer com toda segurança que era um homem de fé profunda e constante. A fé foi o segredo de sua vida consagrada, e uma das fontes de seu poder. Um eminente teólogo e professor de homilética, que em múltiplas ocasiões, ouviu as pregações de Spurgeon nos diz que tão logo este começava a falar, se podia ver que era um homem de fé inquebrantável. Aquelas coisas fundamentais de que falava, a seus numerosos auditórios, acerca de Deus, de Cristo, da vida eterna, não era para ele meras teorias, nem simples elocuções, senão tremendas realidades. “Deus era para ele uma tremenda realidade”, nos tem dito seu discípulo Archibaldo G. Brown, e como Elias, permanecia diante de Deus. Deus enchia todo seu horizonte. Jesus era tão absolutamente o Senhor de seu coração, que as lágrimas corriam de seus olhos em profusão quando falava do Salvador. Jesus havia fascinado o seu coração.
Era um decidido calvinista, e cria com positiva segurança na perseverança dos santos, e na eterna condenação dos ímpios. Seu credo levava consigo toda sua vida. A esse respeito não havia nele reserva mental alguma. Declarava o que sinceramente cria, e cria da maneira mais absoluta quando falava... Sentia que todo o mundo estava incluído na condenação, e que não havia outro meio de escape, senão a fé em Cristo Jesus, e que o Salvador somente podia ser encontrado por meio daquele sincero arrependimento cujo fruto é naturalmente as boas obras. Cria que o mundo estava perdido, e ensinava que não havia outro Salvador para adquirir a salvação, além dAquele que morreu no Calvário. Esse pensamento preenche tudo o que tem escrito, e é proeminente em tudo o que disse.
Sua fé o dominava, o sustentava e o impulsionava. Em meio às grandes dificuldades com que teve que se enfrentar em seus múltiplos labores, assim como nos momentos de sofrimento e de agonia, por causa das dores físicas, a fé lhe proporcionava o alento e conforto, para poder levar adiante sua imensa obra, sua fé lhe fazia cortar sua confiança nos homens e nas possibilidades humanas, para colocá-la somente em Deus. Um estudo da maneira em que pôde levar adiante essa obra gigantesca, durante tantos anos, demonstra que o primeiro e principal auxiliar com que contava era sua fé.
Como é conseqüente, esta fé profunda se manifestava em sua fidelidade à verdade, diante da qual não havia considerações que pesaram em seu espírito. Em toda sua vida, suas crenças, pregações, atuações, era guiado exclusivamente por esta lealdade à Palavra de Deus. O Dr. W. C. Wildinson diz a este respeito:
O que era mais notável neste homem admirável não era seu magnífico dom de eloqüência, aquele manancial sempre crescente de palavras, nem aquela atraente, viril e impressionante voz, que era como trombeta de prata, como uma flauta, como um órgão. Não era a inesgotável fertilidade de  seu produtivo gênio literário. Não era a incomparável fonte de poder e sabedoria de organização, administração, que sempre demonstrou. Não era uma só destas coisas, nem de todas elas em sua rara união e harmonia. Era algo distinto e superior. A coisa mais admirável em Spurgeon era a absoluta, sincera e completa fidelidade que sempre manteve, sem intermitências, desde o juvenil começo até a madura terminação de sua obra, a serena e imperturbável fidelidade de mente e de coração, de consciência, de vontade, de tudo que havia nele, ao mero e puro, imutável, não acomodatício neotestamentário Evangelho de Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Isso se destaca e eleva à eminência, como um pico do Himalaia, que reina sobre todas as demais alturas, na nobreza do caráter e da vida deste homem. Seja Deus louvado por ele!
Entre todos os rasgos que devem adornar ao cristão, e especialmente ao ministro cristão, um dos mais formosos e de maior valor efetivo é sem dúvida alguma, a lealdade à Palavra de Deus. De fato, como poderemos demonstrar nosso amor ao Salvador, se não é por meio de nossa fidelidade, que se traduz em atos de obediência e consagração? Não diz o mesmo Senhor: Se me amais guardareis meus mandamentos? Sem a fidelidade é impossível a obediência, e a obediência é o que demonstra o amor.
Em Spurgeon, esta fidelidade se fez manifesta desde seus dias juvenis, antes de ser chamado ao pastorado de Waterbeach, até os últimos momentos de sua vida, quando abatido pela enfermidade e pelo excesso de trabalho, dormiu nos braços do seu Senhor, no solo da nação francesa. Todas as coisas as subordinou sempre a esta fidelidade a seu Mestre, e nela não conheceu dúvidas nem intermitências. Por ela teve necessidade de lutar denodadamente quebrando muitas lanças a Seu favor. Como veremos mais adiante, ainda no seio de sua própria denominação, teve que assumir uma atitude que muitos chamaram de extremada, diante de seus irmãos, para não ser inconseqüente com essa fidelidade.
Eu não compreendo a fidelidade a Cristo, nos diz Spurgeon, que venha acompanhada de indiferença à Sua Palavra...Alguns abandonam os ensinos de Cristo por descuido, ou por infantil amor à novidade... O pior de tudo seria que fizéssemos omissão das regras de Cristo...Há discussões na igreja acerca do batismo e da ceia do Senhor. Porém, como podem estas ordenanças serem deixadas de lado por aqueles que admitem que são escriturísticas? Tenho ouvido uma pessoa dizer: Se Cristo estivesse aqui agora, veria o mal que tem provindo destas instituições, e as deixaria de lado. Eu não posso suportar tal afirmação. Seguramente não somos revisores dos ensinos e ações de nosso Senhor...Temos de protestar contra tudo o que queira se opor à Grande Lei do Grande Cabeça da Igreja.
Esta fidelidade de Spurgeon a seu Senhor e à Palavra de seu Senhor, foi inquestionavelmente um elemento de grande importância em seu êxito como pregador. O homem que tem convicções e que sempre procede de acordo com elas, se faz respeitar e estimar. E não há de se pensar nem por um momento que tal fidelidade possa ser simulada. Ela tem que ser uma coisa real, espontânea, verdadeira, ou os  homens se darão conta do engano de que se lhes faz objeto. Porém, quando esta fidelidade é real e não fingida, os homens a conhecem e apalpam, por assim dizê-lo, e se sentem arrebatados e influenciados por aquele que a possui.
Todos os que foram ouvir Spurgeon como críticos, para tratar de analisar sua obra e descobrir o segredo de seu poder – e estes não foram poucos – estiveram de acordo em afirmar que aquele homem falava como quem parte do princípio de que a Bíblia é a Palavra de Deus, e que era fiel a esta crença. E muitos, entre esses, como os Drs Weston e Robinson, chegaram a opinar que nisto precisamente se encontrava um dos fundamentos de seu enorme êxito. E tal opinião é perfeitamente compreensível.
“Um homem bom, sincero, sem malícia, é um tesouro de eloqüência”, tem dito um célebre escritor. Porém se a essas qualidades se aliam a energia de um caráter reto, a soberania da inteligência, a consagração a um serviço tão santo como o de ganhador de almas para Cristo e a salvação, e uma inquebrantável fidelidade à Palavra de Deus, então essa eloqüência revestirá os prestígios de apostolado, revivendo os dias do profetismo israelita. Então, quando se possuem estas condições psíquicas, o orador se eleva a  incomensurável altura, e se converte em mensageiro de Deus, e sendo dominado pelo ardor de seu próprio espírito domina a seu auditório, tranformando-o, melhorando-o, dirigindo-o, impulsionando-lhe a toda ação nobre e boa, como produto de uma vida mudada e consagrada. E esse foi o caso de Spurgeon.
Sua fidelidade não lhe permitiu conhecer o medo na enunciação ou na defesa da verdade. Sua palavra jamais rebaixou os limites da decência, nem o respeito que devia a seus ouvintes, porém tampouco entrou no campo das meias tintas, da associação com o erro, ou o uso da mentira. Se a palavra da verdade flagela, a sua flagelava, não por falta de consideração o fazia a seu auditório, senão por respeito e fidelidade a seu Senhor, e aos ditames de sua consciência. Qualquer um que leia superficialmente os seus sermões, se convencerá imediatamente do que estamos dizendo. O objetivo determinado, invariável de sua pregação era a proclamação da verdade segundo se encontra expressada na Bíblia, e se esta feria, não era muito para se ter em conta. Deus lhe havia mandado pregar a verdade, e não a satisfazer preferências individuais e gostos pessoais.
São pregadores pueris aqueles que tentam evitar as dificuldades, tem dito muito bem o Dr. W. H. Young. Elegem para seus sermões assuntos que não levantariam oposição, e quando aparecem dificuldades sérias, buscam outro rebanho e outro campo onde haja mais ricos pastos. Os homens deste caráter nunca transformarão o mundo, simplesmente porque têm medo de fazê-lo. Em todos os outros respeitos podem ser excelentes pessoas, e geralmente são homens de magníficos dons, bom gosto, educação, industriosos, ambiciosos, porém carecendo de valor, seus sermões se convertem em meros discursos, e seus mais poderosos argumentos em vazio casuísmo. De todas as debilidades, nenhuma é mais completamente fútil que o desejo de tentar agradar a todos. Não somente é este um propósito impossível, senão que é suicida, porque presisamente aqueles a quem tentamos agradar são os mais desgostosos. O ministro fiel não deve respeito e lealdade a ninguém no céu e na terra, senão a Deus. É perfídia pensar um só momento que tem de agradar as preferências dos homens, das denominações, do governo, da família, dos parentes, ou de seus melhores amigos. A verdadeira lealdade a Deus parecerá muitas vezes inimizade com pai, mãe, irmãos, esposa; porém, sempre o levará a manifestar o espírito daquele excelente pregador que disse: “Porém quando aprouve a Deus revelar a Seu Filho a mim, a fim de que o pregasse entre os gentios, não consultei nem carne, nem sangue, nem subi a Jerusalém a ver os que eram apóstolos antes de mim.”.
O dever do pregador é proclamar a verdade evangélica sem considerações meramente humanas, guiado por sua fidelidade ao Mestre e seu respeito a essa mesma verdade. Alguns pensam que, para não ferir suscetibilidades, e para poder interessar à congregação, se faz necessário atenuar a verdade, debilitá-la, não fazê-la tão ferinte, disfarçá-la em algo, porém tal coisa é um funesto equívoco que, aparte do dano que ocasiona ao próprio pregador que emprega este sistema, não produz nenhum benefício à congregação, nem contribui para seu êxito. A proclamação da verdade evangélica, sem paliativos e eufemismos, como quem fala em nome de Deus, foi uma das características de Spurgeon como pregador, e esta característica seguramente foi um dos elementos de seu êxito e de seu poder.
Outra característica que é necessário estudar quando se considera a vida e as obras de Spurgeon, e isso por tudo o que ela compreende e significa quanto ao que contribuiu para que ele chegasse a ser o que foi, é seu consagrado espírito de oração. A oração é, por assim dizer, o refúgio onde o pregador encontra o manancial da graça e de poder que são necessários para que lhe seja possível viver e fazer sua obra; refúgio tão necessário, que quando carece dele, nem pode viver bem sua vida, nem fazer bem sua obra. Não é oportuno que discutamos agora até que ponto é certa a frase de Agostinho, quanto a que “haver orado bem é ter trabalhado bem”; porém o certo é que o ministério dos joelhos é um dos mais importantes trabalhos do ministro, e por conseguinte, do pregador.
Spurgeon cria absolutamente na oração e na necessidade da oração, e a prática de sua vida nunca esteve em desacordo com esta crença. Em suas obras encontramos uma quase contínua referência  ao que vimos expondo. A este respeito é o famoso sermão, pregado aos estudantes de seu Colégio de Pastores, sobre A Oração Privada do Pregador, tão perfeito, tão brilhante e magnífico, que não podemos subtrair-nos ao desejo de transladar a estas páginas algumas de suas idéias, as que, depois de tudo, são a melhor demonstração daquele profundo espírito de oração que possuía. Temos aqui suas palavras:
Se tem que haver algum homem debaixo do céu obrigado a cumprir com o preceito “orai sem cessar”, este é sem dúvida alguma o ministro cristão. Este tem tentações especiais, provas particulares, dificuldades singulares, tem que manter um relacionamento reverente com Deus e deve estar ligado aos homens por meio de misteriosos interesses; necessita portanto de muito mais graça que os demais homens, e quando não é assim, se vê obrigado a clamar incessantemente pedindo força ao Forte, e dizer: Levantarei meus olhos para os montes de onde me virá o socorro.
As orações que fizerem serão seus auxiliares mais eficazes. Enquanto homens como Esaú andam em busca de sua paixão, vocês com o auxílio da oração acharão perto de sua casa a carne delicada, e poderão dizer com razão o que Jacó disse sobre ela: O Senhor ma trouxe”, se podem molhar sua pluma em seus corações, recorrendo a Deus com toda sinceridade, escreverão bem, e se ajoelharem à porta do céu podem reunir seus materiais, não deixarão de falar bem. A oração, como exercício mental, trará muitos assuntos ao entendimento, e assim ajudará na escolha de um assunto, e como prática espiritual purificará sua vista interior para que possam ver a verdade de Deus.
Os melhores homens e os mais santos têm feito sempre da oração a parte mais importante da pregação. A oração lhes auxiliará de um modo singular na preparação de seus sermões; nada de fato pode colocá-los tão gloriosamente em atitude de pregar, como o que acaba de descer do monte da comunhão com Deus, para falar com os homens. Ninguém é tão apto para exortar aos homens, como o que tem estado lutando com Deus a favor deles.
De Alleine se diz: “Derramava seu coração em rogos e pregação”, uma pregação verdadeiramente comovente, em que não há afetação, senão muita afeição, pode ser somente o resultado da oração. Não há retórica como a do coração, nem escola para aprender, fora do pé da cruz. Seria melhor que nunca aprendessem uma regra de oratória humana, senão que estivessem cheios do poder que procede de um amor nascido do céu.
Estas palavras de Spurgeon não são uma mera teoria, senão que são o produto de uma funda e sincera experiência. O que conhecia e que chama de a retórica do coração – de um coração que tem estado em íntima comunhão com Deus – podia falar desta maneira com toda justiça e verdade.
O Dr. Russel H. Conwell dedica um largo capitulo de sua biografia de Spurgeon para falar do grande poder que este homem de Deus teria na oração, e indica como este era realmente o manancial de onde bebia sua inspiração para a pregação, e seu poder na pregação.  Realmente, dali provinha o êxito de sua atuação, qualquer que esta fosse, já que com ela não buscava outra coisa além da glória de Deus e o bem dos homens.
Todos os que têm estudado sobre a vida de Spurgeon, se encontram de acordo em afirmar que não era orador no sentido humano da palavra, que para sê-lo teria necessitado de condições e elementos adquiríveis, que nele se encontravam em falta.  E contudo, desde os dias dos apóstolos ocupa um lugar único e singular na história da pregação, tanto pelas enormes multidões que, ano após ano, durante toda uma geração vinham ouvi-lo, quanto pelos incomparáveis resultados dessa pregação. Como se explica isto, que à primeira vista parece uma anomalia? Uma parte da explicação é encontrada nas seguintes palavras que ele mesmo pronunciou:
A oração não poderá fazê-los eloqüentes segundo o modo humano, porém lhes fará verdadeiramente tais, porque falarão com o coração; e não é este o significado da palavra eloqüência? A oração fará descer fogo do céu sobre seus sacrifícios, fazendo-lhes desse modo aceitáveis ao Senhor. Assim como desceram línguas de fogo sobre os apóstolos, quando estavam orando e vigiando, assim também descerão sobre vocês. Quando talvez estiverem fraquejando, serão levantados e sustentados de improviso, como pelo poder de um serafim. Colocarão rodas de fogo em seus carros que começavam a se arrastar pesadamente, e corcéis angélicos se unirão num momento aos seus carros de fogo, até que escalem os céus como Elias, num rapto de ardente inspiração.
Além disso, a pregação de Spurgeon era o que se tem chamado de cristocêntrica, a saber: Cristo era o fundo e o nervo de sua pregação, quer no que se refere à sua divina pessoa, quer à bendita obra que veio realizar no mundo. Era evangélica no sentido mais amplo e absoluto da palavra. De tal coisa nos convencemos facilmente pela leitura de seus sermões. Para ele o único propósito e finalidade da pregação era apresentar Cristo ao mundo, porém não um Cristo moralista e imperfeito, senão o Cristo dos evangelhos, perfeito em sua humanidade e em sua divindade, um Cristo Salvador, crucificado e morto para nossa redenção, um Cristo que é o único remédio para nossas enfermidades, e a única solução para todos os nossos problemas, quaisquer que estes sejam. Na realidade, para ele a pregação não teria razão de ser, se não tivesse este propósito e finalidade. E de acordo com esta maneira de pensar, perfeitamente ortodoxa, assim procedia em sua pregação.
Vale ressaltar que nem sempre é comum encontrar-se esta orientação sumamente evangélica nos ministérios, isto é, que estejam voltados para a pregação e ensino do evangelho que é Cristo salvando e não condenando o mundo. A missão da igreja não é anunciar a condenação mas a salvação. A condenação deve ser pregada como alerta para aqueles que rejeitarem as boas novas da salvação, a saber o evangelho de Cristo.
É por isso que os sermões de Spurgeon, sem uma única exceção nos mais de doze mil que pregou não deixavam de conter um apelo aos pecadores para que se entregassem a Cristo para terem os seus pecados perdoados e serem transformados em filhos de Deus, tal era a sua consciência de que a igreja está incumbida de pregar o evangelho, a saber, a salvação em Cristo Jesus.
Em toda a história da igreja, qualquer que tenha sido o povo, ou a época, ou as circunstâncias, quanto mais vital e cristológica tem sido a pregação, mais eficácia tem tido e mais êxito tem alcançado. Uma filosofia religiosa que careça de um Cristo crucificado, que não apresente com todo vigor e energia a obra expiatória pela morte de Cristo; que ignore e oculte o sacrifício do Cordeiro de Deus, poderá, ser uma formosa filosofia, mundana e acomodatícia, será tudo o que quer que seja, porém carecerá em absoluto de poder para atrair os homens, para salvar os homens, e para dar aos homens paz e felicidade.
Spurgeon cria na toda eficácia, exclusiva, de Cristo para a salvação humana; cria que pelo derramamento de seu sangue há remissão de pecados, cria que o que crê no Filho de Deus é salvo, e que o que não crê já está condenado, e porque cria tudo isto, da maneira mais rotunda e sincera, podia dizer com Paulo: “Determinei nada saber entre vós, senão a Cristo e este crucificado”. Para ele, o evangelho, todo o evangelho, somente o evangelho, era o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê. E por isso pregava esse evangelho que é absolutamente exclusivista em sua apresentação de Cristo como Salvador.
É aqui que muitos pregadores bem intencionados em muitas igrejas, ao longo de toda a sua história, têm fracassado e não têm obtido êxito, tal como Spurgeon obtivera, ainda que em pequeno grau, para a salvação de almas, pois não têm o evangelho de Cristo como o centro de sua pregação. Eles falam muitas verdades da Palavra de Deus, de seus juízos, da história de Israel, das muitas narrativas bíblicas, mas ocultam o evangelho, não proclamam as boas novas da salvação, convidando os pecadores à conversão.
Ouçamos o que Spurgeon disse a seus estudantes sobre isto, e assim poderemos julgá-lo melhor e com maior conhecimento de causa:
Muitos são os aspectos sob os quais temos de considerar o nosso divino Senhor, porém eu tenho de dar sempre a maior proeminência a Seu caráter Salvador, de Cristo, nosso sacrifício, o que leva nossos pecados. Se já houve uma época na qual houve necessidade de ser claros, decididos e veementes neste ponto, é agora. Pregar a Cristo sem a cruz, é negá-lo com um beijo. (é por isso que Paulo diz que pregava a Cristo crucificado, pois se tem visto muitos que pregam um Cristo triunfalista para enriquecer, curar etc, menos um Cristo que morreu por nossos pecados e que nos convoca a levarmos também a nossa cruz – nota do tradutor). Eu observo que algumas pessoas dizem crer na expiação, porém não nos querem dizer o que entendem por ela. Não pode isto significar que não têm uma verdadeira compreensão dela, e possivelmente tampouco uma fé real nela? Alguns pensam agora que é absurdo crer que o que se efetuou no Calvário faz dezenove séculos, possa ter alguma relação com os pecados de hoje. Os que deixam de lado a expiação como satisfação pelo pecado, também dão um golpe de morte na doutrina da justificação pela fé. O pensamento moderno não é outra coisa que a tentativa de reativar o sistema legal da salvação pelas obras. Não devemos cessar, queridos irmãos, de falar em nossa pregação da maneira mais definida e decidida, acerca do sacrifício expiatório, e lhes direi porque com toda segurança eu o farei. Pessoalmente não tenho nem a sombra de esperança da salvação por outro meio, estou perdido se Cristo não é meu Substituto, isto é, se não morreu de fato no meu lugar.
Alguns pregadores não crêem que o Senhor está com seu Evangelho, porque acham que para atrair e salvar os pecadores, seu evangelho é insuficiente e têm que lhe acrescentar as invenções dos homens. A pregação do simples evangelho tem de ser suplementada, crêem eles. Se o seu evangelho não tem o poder do Espírito Santo, você  não pode pregá-lo com confiança. Há pregadores que não podem pregar o evangelho porque estão com o coração cheio de amargura contra os pecadores, e entendem a justiça de Deus apenas como juízo contra eles. Não podem deste modo pregar o evangelho que exige com a paixão e amor pelos perdidos, e que entende a justiça sobretudo como a justiça de Cristo que está disponível para todo o que crê. Para serem feitos servos da justiça, pelo arrependimento e conversão, deixando de ser definitivamente servos do pecado.
Spurgeon, com estas palavras nos faz ver o que foi sua pregação, a qual aconselhou a seus alunos que a praticassem, pois foi o que ele havia feito em toda a sua vida, consciente e determinadamente, e os maravilhosos resultados obtidos em sua obra, são a melhor e maior evidência da eficácia e legitimidade do sistema que ele usou. De fato, por seus resultados temos de julgar a obra de um pregador, e saber se merece este bendito nome ou não. E considerando a obra de Spurgeon, não podemos deixar de ver que o mundo cristão teve razão e procedeu com justiça ao chamar-lhe de o príncipe dos pregadores. Porque em toda a história da igreja cristã é impossível encontrar outros pregadores que tenham chegado a subir às alturas a que este homem pode ascender.
É inquestionável, pois, que Spurgeon possuía grandes condições espirituais para poder ser o que foi: o maior pregador desde os dias dos apóstolos. Porém depois de enumerar todas estas condições, pesando-as e dizendo delas tudo o que é possível dizer humanamente, seria necessário agregar, com toda ênfase, que seu êxito como pregador,  foi o uso que Deus fez dele. De fato, para os que querem explicar o maravilhoso êxito de Spurgeon como pregador, aparte do sobrenatural e divino, esse assombroso êxito permanecerá sendo um indescritível mistério. Spurgeon, como João Batista, foi um homem enviado por Deus para efetuar uma obra estupenda e magnífica – uma obra que não tem muitos paralelos no seio da igreja de Cristo.
Pôde ascender às mais elevadas alturas da eloqüência cristã, e obter um dos êxitos mais sobressaintes da história, não porque fosse um sábio, nem um orador, mas simplesmente porque Deus o usou para sua glória e para o bem de muitos. Seu êxito na realidade foi o êxito de Deus, do Deus de amor que, condoído das misérias e necessidades espirituais dos homens, se compraz em enviar pessoas deste calibre moral e espiritual, e os inspira, os alenta, os usa, para que por meio de sua instrumentalidade, milhares e milhares possam encontrar o caminho que conduz às mansões de luz, e aos pés de Cristo, o bendito Salvador.


ENVIANDO SUA MENSAGEM A LUGARES DISTANTES

Uma das importantes fases do trabalho de Spurgeon foi a publicação dos sermões que pregou, primeiro na igreja de New Park Street, e depois no Tabernáculo Metropololitano. Por meio da publicação destes sermões enviou sua mensagem para longe, pelo espaço de um terço de século. Milhares de pessoas, que nunca tiveram o privilégio de ouvi-lo pessoalmente, puderam assim, ao menos, ler suas mensagens impressas, tão cheias de unção evangélica e da mais santa doutrina. E suas mensagens impressas lhe deram um renome que as personalidades mais eminentes nunca puderam  chegar a desfrutar, e a influência que exerceu, e o bem que realizou por meio destes sermões não é possível de ser expressado com a mera palavra humana.  
Sendo ainda muito jovem, Spurgeon leu um sermão impresso, publicado pelo Pr Joseph Irons, que fez tão profunda impressão nele, que determinou, segundo o mesmo nos informa, dar à estampa também alguns de seus sermões. No primeiro outono de seu pastorado em Londres pôde satisfazer este desejo, publicando um sermão intitulado Tempo da Colheita, que obteve uma recepção tão favorável, que lhe estimulou  a publicar outros. E assim, ao fim do seu primeiro ano em Londres, já havia publicado doze sermões. Foi então que se pôs de acordo com o Sr Joseph Passmore, editor, que era membro da igreja, e da família do Dr. Ripon, para empreender a publicação semanal de seus sermões, começando com o primeiro domingo do ano de 1855. Esta publicação continuou ininterruptamente até o ano 1892 em que faleceu Spurgeon, a saber, pelo espaço de trinta e cinco anos; e depois de seu falecimento, sua esposa continuou com a publicação  por mais alguns anos.
Temos que meditar no que esta publicação de sermões significava para Spurgeon, pelo trabalho extraordinário que estava sobre seus ombros. Os sermões de Spurgeon eram registrados taquigraficamente, e na manhã seguinte lhe era apresentada a tradução para sua correção, então era entregue ao impressor, e um dia depois teria que fazer a primeira e a segunda correção de provas. Isto, que parece coisa fácil e simples, é um grande e pesado trabalho quando há necessidade de fazê-lo pelo espaço de muitos anos seguidos, considerando-se que Spurgeon era um homem extremamente ocupado em diversos outros trabalhos de grande importância, e freqüentemente  se via obrigado a ficar de cama por pertinaz dolência. Porém, seus sermões haviam chegado a ter uma enorme circulação, e eram esperados ansiosamente todas as semanas por seus leitores. E nestas condições, Spurgeon sempre se considerou moralmente obrigado a continuar dando-lhes os sermões impressos.
Desde o princípio, a circulação destes sermões chegou à quantidade de 25.000 exemplares semanais, publicados na forma de folhetos baratos, a fim de que pudessem estar ao alcance de todas as classes de pessoas. E como nela não houve interrupção alguma, pois sempre havia bastante material acumulado, um simples cálculo nos demonstrará que nestes trinta e cinco anos  foram publicados trinta e dois milhões destes sermões. Porém alguns deles tiveram uma circulação de quarenta mil, cinqüenta mil e até setenta e dois mil exemplares, e do mais famoso de todos, aquele que pregou sobre a Regeneração Batismal, se publicaram trezentos mil exemplares. Ademais, seus sermões e conferências sobre assuntos especiais, foram muitos, e todos eles foram publicados em coleções, desde dez até cinqüenta volumes, e foram reproduzidos em grande número de periódicos e revistas, em diversas partes do mundo. Levando tudo isto em consideração, não soaria exagerado dizer que durante sua vida, dos sermões de Spurgeon foram feitas edições de quinhentos milhões de exemplares. E dos quais foram publicados depois de sua morte, nós não podemos nem sequer imaginar os milhares de milhares que têm sido impressos, como tampouco dos que se continuou dando ao mundo.
Fixemos a atenção nestes números, porque eles dizem muito. Cinqüenta milhões de sermões que circularam por todas as partes do mundo, que eram mais que lidos, devorados, e por centenas de milhares de pessoas, que em sua leitura encontravam conforto, paz e salvação.
Seguramente que, fixando-se neste estupendo labor, foi que o Dr R. H. Carroll disse: Spurgeon foi preeminentemente um pregador. Pregou talvez mais sermões do que qualquer outro homem, mais pessoas o ouviram do que a qualquer outro, e mais pessoas têm lido seus sermões que os de outro pregador. O auditório de Spurgeon tem dito outro famoso escritor, foi todo o mundo cristão. Supõe-se que mais de cem mil  pessoas o ouviram pregar pessoalmente, porém quantos têm podido conhecer sua mensagem evangélica por meio de seus sermões impressos?
Há coisas que não podem ser expressadas em cifras numéricas, e esta é uma delas. Somente Deus sabe quantas pessoas leram seus sermões e foram por eles salvas, ou alentadas, ou consoladas, ou abençoadas de alguma outra maneira.
Outro fato digno de menção relativamente aos sermões de Spurgeon  é o de que têm circulado em maior número de países do que os de qualquer outro pregador do passado ou do presente. Realmente é muito difícil que haja país cristão em que não encontremos, numa ou noutra forma, os sermões impressos deste homem eminente. As pessoas que se sentiam entusiasmadas com sua leitura, ao terminá-la, entregavam estes folhetos a outras pessoas, e estas a outras, e assim sucessivamente, até que estes sermões chegavam a converter-se em verdadeiros judeus errantes, em incansáveis viagens, por todos os caminhos do mundo. Com exceção da Bíblia e de O Peregrino de John Bunyan, que são os dois livros que têm mais circulado, e que maior número de traduções tem tido, cremos que não tem havido outra página impressa que tenha circulado mais e que tenha produzido maior benefício ao mundo, que aquela que contém os sermões de Spurgeon. Um só exemplo dará uma formosa ilustração do que vimos dizendo.
Numa segunda-feira, 9 de janeiro de 1888, uma grande multidão se reuniu no Tabernáculo Metropolitano para dar as boas vindas a Spurgeon, que regressava de seu lar em Mentone, onde havia ido por causa de sua má saúde, e também para reconhecer o fato de que se havia publicado o sermão número 2.000. Spurgeon nesta ocasião disse: Tenho em minha mão um sermão que escrevi ao qual dou um grande valor. Tem escritas as iniciais D.L, isto é, David Livingstone. Intitulado Acidentes e Castigos, número 408, e nele se encontram escritas estas palavras: Muito bom! D.L. Este sermão me foi enviado pela Sra Ines Livingstone Bruce, e está sujo e amassado, porém o guardo como uma relíquia, porque aquele servo de Deus  o levou consigo. Este sermão, que o grande pregador guardava junto com outros preciosos tesouros do mesmo tipo, havia viajado através de toda a África com o famoso missionário e explorador científico, que o leu várias vezes, e compartilhou sua aprovação com as palavras “muito bom”, e seguramente encontrou nele rico alimento espiritual.    
Na revista mensal que Spurgeon publicava em conexão com sua obra, relata um grande numero de estórias e incidentes quanto ao resultado de seus sermões impressos, das quais fazem eco quase todos os seus biógrafos, e especialmente G. Holden Pike. São tão interessantes, e põem tão manifestamente a magnífica obra efetuada por estes sermões,  na conversão e felicidade de milhares de milhares de pessoas, e entram tão perfeitamente na idéia deste capitulo, que não podemos subtrair ao desejo de mencionar algumas delas a seguir.
No ano de 1881, um jovem que sempre foi inválido, morreu deixando sua pequena fortuna de quarenta libras esterlinas, para que fosse empregada na obra de Spurgeon. Como você suporá, escreveu um parente deste jovem a Spurgeon, que há algum tempo ele manifesta grande interesse no trabalho que você realiza por Cristo, e uma das grandes alegrias de sua vida era a de ter-lhe ouvido pregar num domingo na última primavera. Tem lido seus sermões por longo espaço de tempo, distribundo-os depois de lidos, entre muitos vizinhos pobres. Sua vida tem sido de muitos sofrimentos, principalmente por causa de asma, porém agora a debilidade o está consumindo, e ele a enfrenta da maneira mais aprazível, tranqüila, esperando o chamamento de seu Mestre. Este jovem desejava ter o privilégio, antes de morrer, de receber algumas palavras de Spurgeon, porém ainda que este lhe tenha escrito de volta, quando sua carta chegou, o jovem já havia entregue seu espírito nas mãos de seu Senhor e Salvador.
Um crente que se achava perto de Nottingham, foi chamado a visitar e consolar em seus últimos momentos, a uma pobre mulher que estava expirando numa casa de má fama. O bom homem não foi remisso em cumprir com o que considerava um dever sagrado, e se dirigiu àquela casa, porém, em vez de encontrar uma pecadora a quem apresentar o plano de salvação, e compartilhar alento e consolação, encontrou uma crente que se regozijava em Deus seu Salvador, e demonstrava possuir um seleto espírito. Estranhando muito ele inquiriu daquela pobre mulher, como havia chegado a obter aquele estado de paz e felicidade, e se convenceu de que tudo isso se devia a um sermão de Spurgeon. Um sermão pregado em Londres, foi enviado à América, e uma cópia dele foi publicada num periódico daquele país, esse periódico foi enviado à Austrália, e um daqueles exemplares, por ter tido uma das suas páginas acidentalmente rasgada, foi devolvido à Inglaterra, e depois de tanto viajar, levou a mensagem de salvação à alma daquela mulher. A Palavra do Senhor não voltará vazia.
Um senhor que subia os Alpes, perto do Lago Genebre, encontrou uma casa, perdida naquele local isolado, à porta da qual, sentadas sobre a  grama, se encontravam duas mulheres profundamente abstraídas na leitura de um livro, e por isso não deram conta de sua presença, e intrigado, se aproximou para ver que livro era aquele que assim as absorvia, e perguntou a uma delas o que era o que estavam lendo. E ao lhes mostrarem o título viu que era um tomo de sermões de Spurgeon, traduzido para o francês. Deus falava tanto através de Spurgeon que buscou almas através de seus escritos até em lugares tão remotos como este.
Nos Estados Unidos os sermões de Spurgeon tiveram um franco êxito desde o princípio, tendo uma enorme circulação, e oferecendo o raro espetáculo de que periódicos que careciam de total matiz religioso, os reimprimissem em suas páginas, dando assim grande satisfação a seus leitores, e não pouco ganho com a sua publicação. Um conhecido escritor, falando a este respeito disse: A recepção dos sermões de Spurgeon nos Estados Unidos não tem paralelo na história deste segmento da literatura religiosa. Sem nenhuma daquelas ajudas para a popularidade que têm na Inglaterra, esses sermões têm vindo com sua mensagem de salvação, e têm sido recebidos com alegre emoção por milhares de pessoas em todas as partes deste vasto país. Até esta data (e isto foi escrito quando Spurgeon era o jovem eloqüente, segundo o chama o mesmo autor destas linhas) quarenta e quatro mil destes volumes têm sido vendidos, nos últimos doze meses, e estão fazendo tantos pedidos deles, que mil exemplares semanais não seriam suficientes para atender a estes pedidos. E isto é mais admirável, porque há pouca demanda nesta época por literatura religiosa. Os editores recebem diariamente dos ministros de todas as denominações, as mais valiosas e sinceras afirmações de que os sermões do Sr Spurgeon são precisamente o que eles e suas congregações necessitam e querem. As igrejas que carecem de pastores têm pedido estes sermões para lê-los desde o púlpito, e pode se assegurar que centenas e milhares de pessoas neste mundo ocidental, já têm sido trazidas ao contato com o poder da verdade, segundo é proclamada por este jovem mensageiro da cruz.
Porém, que tal coisa tenha ocorrido nos Estados Unidos, onde sempre se tem recebido uma santa educação evangélica, e onde se tem marcado em todo momento o profundo espírito religioso, apesar dos esforços que em oposição se tem feito, não tem realmente nada de particular, ou pelo menos, nada de assombroso. Ali, os livros e sobretudo os livros que têm um nervo robustamente cristão, é seguro que encontrarão uma calorosa recepção nas milhares de igrejas evangélicas, e os milhões de cristãos. (este era o quadro na primeira metade do século XX, quando esta biografia foi escrita).   O que é admirável e assombroso, e que fala muito a favor destes sermões, é que eles têm encontrado entrada e calorosa recepção nos países que, nem têm essa educação religiosa nem esse espírito francamente cristão.
Na Rússia, nessa mesma Rússia tão extensa em território, onde os cristãos hoje, em pleno governo soviético, estão padecendo todo gênero de perseguições por causa da consciência, uma vez, quando era vasto império dos Romanoff, e os crentes não deixavam de sofrer terríveis perseguições, os sermões de Spurgeon tiveram uma recepção que não era de se esperar, e chegaram a efetuar ali, como em outros lugares, sua magnífica obra de salvação e de melhoramento espiritual.
Em 1881, um ministro escreveu a Spurgeon de São Petersburgo: “Por meio de seus sermões você está tomando uma grande parte no avanço do reino de Cristo, tanto em São Petersburgo como no interior. Você é bem conhecido entre os sacerdotes, os que parecem agarrar-se a seus sermões traduzidos, e o que parece estranho, eu conheço casos em que o censor, de boa vontade tem dado permissão para que suas obras fossem traduzidas, e isto quando se mostrava irredutível em relação a outras publicações.
Outro ministro, o Pr F. H. Newtom, da Missão Batista Alemã, escrevendo a Spurgeon em 1882, desde Warschaw, diz o seguinte: Nas últimas semanas tenho  visitado as igrejas batistas da Silésia e da Polônia Russa, e creio que lhe interessará conhecer sua atividade na fé cristã. Em quase todas as populações e vilas, uma das primeiras perguntas que me faziam era: Como está o irmão Spurgeon? Em muitas das estações longínquas, onde não há nenhum missionário, regularmente se faz uso de seus sermões impressos, e estou seguro de que se sentirá agradecido a nosso Mestre comum ao saber que aqui, na Polônia, e em outros lugares, muitos dos membros das igrejas atribuem seu primeiro despertamento religioso ao ter ouvido ou lido algum dos seus sermões. Nos cultos que tenho dirigido em vários lugares durante minha viagem, freqüentemente tenho usado a oportunidade de me referir à obra de Deus que você está efetuando em Londres e em outros lugares.
O seguinte fato é relatado por Spurgeon: Um dos soldados do 73º Regimento escreve ao seu lar quando estava na Índia para dizer que ele recebe nossos sermões pelo correio semanalmente, e que no domingo à noite os soldados lêem os sermões de Spurgeon, quando a verdade é que não lêem nenhuma outra coisa que tenha sabor religioso. Afirma que quando um sermão tem passado pelas mãos de 50 a 60 homens, retorna a ele completamente sujo, usado, amassado.
Um dos filhos gêmeos de Spurgeon, o Sr Thomas Spurgeon, missionário em Auekland, Austrália do Sul, escreveu a sua mãe em 1881, acompanhando um recorte do períodico The Melbourne Argus, no qual aparecia reimpresso o sermão nº 785 de seu pai, e diz: Este recorte de periódico me foi entregue por um missionário deste lugar, o qual o considera como uma preciosa relíquia. Ele foi resgatado por um homem que morreu no hospital, e se lhe deu em herança como um grande tesouro. Este homem o encontrou no chão, numa cabana na Austrália e por meio de sua leitura chegou ao conhecimento da verdade que é em Cristo Jesus. O guardou cuidadosamente durante o resto de sua vida (porque estava descolorido e amassado quando o encontrou), e em seu leito de morte o deu ao missionário como o único tesouro que podia deixar atrás de si. Pensei que ao meu querido papai, agradaria tê-lo em seu livro, se não, devolva-mo, a fim de poder entregá-lo ao seu dono, o que diz que freqüentemente se sente alentado com o fato de somente olhar para ele.
E o autor que relata este fato, acrescenta: Houve um certo cavalheiro cristão que fez com que alguns destes sermões fossem inseridos nos periódicos australianos, pagando pessoalmente o enorme custo de tal inserção. O sermão a que acima se faz referência pode ter sido um deles.
Desde os lugares mais distantes e entenebrecidos pelo paganismo, se recebiam notícias contínuas de que, não somente a eles haviam chegado aos sermões de Spurgeon, como também os admiráveis e todos os efeitos magníficos concebíveis que produziam. Da Tasmânia escreveu a esposa de um missionário, pelo ano de 1885: Se o Sr Spurgeon soubesse o apreço que têm seus sermões em nosso meio, onde não havia pregadores pelo espaço de muitos anos, até que meu querido esposo veio até eles, e quantos casos de conversões ele tem presenciado, devido à leitura destes sermões, se sentiria maravilhado e se regozijaria com alegria indizível.
Contam o caso de um armador de barcos de pesca, no Mar do Norte, que convertido por um dos sermões de Spurgeon, e desejoso de dar seu testemunho de profundo agradecimento, de maneira pública, pôs num de seus barcos o nome Charles H. Spurgeon, e pouco depois colocou em outro o nome de Susana Spurgeon, em sinal de apreço e consideração à esposa de Spurgeon, e que o barco Charles H. Spurgeon, apesar de muito novo, já tinha uma nobre história para contar, porque havia intervindo no salvamento de um barco que estava a ponto de naufragar. E o Susana Spurgeon estava também fazendo circular a mensagem do grande pregador entre aqueles que se encontravam na impossibilidade material de adquiri-las, porque sempre levava uma boa provisão de sermões para serem distribuídos entre os pescadores que em grande número se reuniam naqueles mares.
O Sr. A. G. Brown, um dos discípulos de Spurgeon, numa ocasião relatava o seguinte incidente à sua congregação: “Uma vez veio até mim um homem de magnífica presença. Não tive necessidade de perguntar-lhe se seu negócio estava na água porque o ar do mar havia acariciado tantas vezes a sua pele, que deixou nela a sua marca. Lhe perguntei: Onde você aceitou o Salvador? E imediatamente me respondeu: Latitude 25, longitude 54. Confesso que tal resposta me causou estranheza e me deixou intrigado. Eu havia ouvido falar de pessoas que haviam conhecido ao Senhor em igrejas, nas ruas, em hospitais, mas agora estava diante de um caso completamente distinto. Latitude 25, longitude 54. Que quer você dizer?  E me respondeu: Eu estava sentado no barco, e de um pacote de periódicos que estava diante de mim retirei um dos sermões de Spurgeon. Comecei a lê-lo e enquanto progredia na leitura, vi a verdade e recebi ao Senhor Jesus em meu coração. Saltei sobre o montão de cordas sobre o qual estava sentado e pensei que se estivesse em terra, poderia saber o lugar em que fui salvo, e por que não sabê-lo estando no mar? Busquei a latitude e a longitude em que me encontrava, e esta é a que dei a você.
Estes exemplos poderiam multiplicar-se até chegar a um número considerável, porque na realidade, a bênção de Deus acompanhou mui freqüentemente os sermões de Spurgeon, fazendo-lhes efetivos no coração de milhares de pessoas que, por meio deles, puderam aprender o caminho da salvação que é em Cristo Jesus; porém a fim de não fazer este capitulo extenso em demasia, cremos que basta com os que temos citado.
O número de sermões impressos por Spurgeon, não obstante ser uma coisa que pasma, porque chega a uma cifra que é quase inconcebível, nada haveria significado se eles houvessem sido publicados para satisfazer uma vaidade humana, ou para explorar um rico filão. Nesse caso, esta fase do labor de nosso biografado, haveria carecido de total importância e de mérito. Porém essa publicação teria uma finalidade muito mais nobre, e obedecia a um propósito fundamente sentido, que era muito mais elevado, digno e meritório. O único e exclusivo propósito de nosso biografado, era fazer que a mensagem evangélica pudesse chegar ao maior número possível de pessoas, e tem que ser reconhecido, diante dos fatos claros e dos testemunhos, espontâneos e sinceros, da própria experiência dos que foram beneficiados por eles, que a finalidade que se perseguia foi plenamente alcançada, mediante a bênção de Deus.
Neste respeito Spurgeon foi também um caso único na história deste gênero de literatura cristã. De fato, nos anais da igreja cristã não se recorda outro caso semelhante ao seu, porque não tem havido nunca, e talvez não volte a haver, um pregador que tenha dado à página impressa um número tão grande de sermões, como tampouco que o resultado da leitura desses sermões impressos tenha se traduzido na conversão de tantas e tantas centenas de pessoas.
Imprimir sermões, pode fazê-lo qualquer um que tenha os meios necessários para isso, porém que estes sermões não sejam letra morta, e que cheguem a efetuar a conversão dos homens, é obra exclusiva de Deus. O êxito, pois, alcançado pelos sermões impressos de Spurgeon, demonstra primeiramente que Deus estava com ele, para usá-lo, como instrumento para a glória do Seu santo nome, mediante a conversão de milhares e milhares, que de outra  maneira, haveriam permanecido nas trevas, e no pecado, sem pátria e sem Deus.


ESCRITOR PROLÍFICO

Spurgeon foi um prolífico escritor não por aficção literária, senão pelo que poderíamos chamar de uma necessidade moral. De fato, em sua primeira juventude, segundo o testemunho de muitos dos que se têm ocupado em escrever a história da sua vida, estudava literatura com entusiasmo e ainda não tinha uma verdadeira apreciação do enorme valor da página impressa, como elemento de cooperação, e de uma cooperação efetiva, na obra evangélica.
Antes de tudo, e acima de tudo, se conceituava pregador, e à pregação dedicava todas suas energias, e todos seus momentos. Porém, porque era pregador, como tem dito um de seus biógrafos, chegou a ser escritor, e escritor de grande profundidade, já que logo se convenceu do erro em que havia estado anteriormente a este respeito, e para poder efetuar uma obra mais ampla e dilatada, apelou a este meio de ensino, que para o mundo não foi outra coisa que uma forma de pregação.
Alguns de seus livros demandaram dele anos de trabalhos contínuos e persistentes, e de estudos pacientes e prolongados, como sucedeu com seu comentário dos Salmos, contudo, não cremos estar distantes da verdade ao afirmar que todos os seus livros foram à maneira de sermões: alguns, sermões pura e simplesmente, dados à estampa, e outros, sermões ampliados, anotados, mais extensos e dilatados, porém sempre sermões proclamadores da verdade evangélica, nos quais Cristo era a alma, e a vida. (E este é realmente o modo mais natural para o Espírito Santo mover a pena de seus instrumentos, sobretudo na forma de pregação do que de conceituação). Neste respeito havia grande semelhança entre Bunyan e Spurgeon, esses dois grandes homens que tiveram tantos pontos de semelhança, e que de igual forma se destacaram no mundo cristão. Podemos dizer que este era o estilo puritano de escrever para proclamar e ensinar a verdade. Através da pregação que tem a sua maior expressão no estilo dos sermões.      
 Por essa necessidade moral de que acima falamos, muito cedo em seu ministério começou a dar ao mundo suas magníficas páginas, aqueles folhetos e livros que têm guiado e robustecido tantas mentes, e alegrado tantos corações. E estes livros se foram sucedendo, ano após ano, numa forma sucessiva tão regular, um aumento de labor tão notável, um êxito tão franco, que causou o assombro de muitos, para os quais era inconcebível que um homem tão ocupado como Spurgeon, pudesse efetuar este enorme trabalho.
Na realidade era maravilhoso que um homem tão solicitado para pregar em diversos lugares, tendo que atender ao seu Colégio de Pastores, às suas várias instituições beneficentes, à sua associação de colportores, à sua revista mensal, e a uma igreja forte, numerosa e ativa, que dava calor e vida a um grande número de organizações, e que além disso era atacado de pertinaz dolência, que mui freqüentemente lhe fazia ficar de cama, encontrasse idéias, energias e tempo suficientes para dotar ao mundo de um tesouro tão abundante e rico, como o que lhe deu em seus livros e sermões.
Se o leitor cristão fixar sua atenção, ao ler estas páginas,  todas importantíssimas, que reclamavam a atenção de Spurgeon, e que incessantemente lhe estavam criando problemas de difícil solução, se dará perfeita conta de que sua obra literária era realmente assombrosa, tanto pela quantidade quanto pela qualidade dos seus livros.
Quase todas as coisas grandes com que o mundo hoje conta, as coisas que verdadeiramente têm significado progresso e bênção para a humanidade, têm tido uma origem muito humilde, começando pelo mesmo cristianismo, hoje tão magnífico. Têm sido como a pequena semente enterrada em solo fértil, que tem germinado, crescido, até chegar a ser uma árvore gigantesca, a cuja sombra têm encontrado descanso e gozo os homens. Pois bem, e para seguir esta figura a obra literária de Spurgeon teve sua origem humilde na publicação de um dúzia de sermões no primeiro ano de seu pastorado em Londres, e foi crescendo e se desenvolvendo, até chegar a ser uma poderosíssima agência. Bastaria dizer que em Londres, a importante casa editora dos Srs Passmore e Alabaster, ambos membros do Tabernáculo Metropolitano, teve que abandonar todo gênero de outras publicações, para se ocupar exclusivamente da edição dos livros e folhetos de Spurgeon, e não dava conta da demanda. Daquele escritório de sua casa de Norwood, cuja estante estava repleta das melhores obras religiosas do mundo, fluíam tão copiosamente os livros, sermões e folhetos, que um número considerável de obreiros numa importante casa editora, eram insuficientes para imprimir a todos, e quando Spurgeon  faleceu, não obstante ter essa casa editora inundado o mundo de milhares e milhares de exemplares desses livros, ficaram muitos deles por serem publicados.
Para melhor compreensão do assunto por parte do leitor, damos em continuação uma lista dos livros de Spurgeon, segundo o agrupamento deles que têm feito seus editores, e ainda é muito difícil traduzir os títulos destas obras, e em muitos casos a tradução pode não atender à idéia, mas mesmo assim nos atrevemos a fazer uma tradução o mais próximo possível deles.

I. Expositivos
1. O Tesouro de Davi (comentário de todos os salmos) 7 volumes.
2. O Intérprete
3. O Alfabeto de Ouro

II. Homiléticos
1. O Púlpito do Tabernáculo Metropolitano (sermões) 48 vols
2. Sermões para ganhar almas
3. Sermões Impressivos
4. Sermões de Páscoa
5. Sermões de Ano Novo
6. Tipos e Emblemas
7. Chamamentos Triunfais
8. Sinais de Tormenta
9. A Verdade Presente
10. Sermões Campestres
11. O Matrimônio Real
12. Quadros do Progresso do Peregrino

III. Ilustrações
1. Flechas para os arcos
2. Ilustrações e Meditações

IV. Extratos
1. Rebuscando entre as gavilhas

V. Devocionais
1. Manhã a Manhã
2. Tarde por tarde

VI. Para Estudantes
1. Discursos a meus Estudantes. 2 vols
2. Comentando e comentários
2. Minhas notas de sermões  4 vols
4. Discursos domésticos e estrangeiros

VII. Periódicos
1. A Espada e a Verdade (revista mensal – 27 volumes)
2. Almanaque ilustrado. 26 volumes

VIII. Históricos
1. O Tabernáculo Metropolitano e sua história

IX. Populares
1. Ditos de João Arador
2. Quadros de João Arador
3. A Chave do Labirinto
4. Tudo pela graça
5. Conforme a promessa
6. Um homem em Cristo
7. As exigências de Deus
8. As primeiras coisas primeiro
9. Um catecismo com provas

X. Vários
1. Livro de cheques do banco de Deus
2. Cisternas de  sal 2 vols
3. Sermões sob Lampiões
4. Memórias de Stambourne
5. O cristão e seu Salvador
6. Pedras lisas de velhos arroios
7. Raios de pensamentos
8. Jóias de Spurgeon
9. Nosso hinário

XI. Póstumas

Além destas obras mencionadas, Spurgeon deixou preparadas obras que foram impressas depois de sua morte, e das quais podemos citar as seguintes:
1.  Flechas antigas
2. As parábolas de Nosso Senhor
3. Os milagres de nosso Senhor  2 vols
4. Os ensinos da natureza no reino da graça
5. Mais de 25 volumes contendo, sermões sobre assuntos especiais, e outros trabalhos que seria difícil de catalogar.
O primeiro livro publicado por Spurgeon é o que leva o título de O crente e seu Salvador, que tem um cerne robustamente cristão, e contém grande número de conselhos utilíssimos quanto à vida cristã. É um livro de grande fundo evangélico, que tem tido magnífica aceitação, e por todas as partes tem feito bem esta obra, que segundo um autor tem uma grande importância, ao ponto de que Spurgeon poderia vender seu manuscrito por mais de mil libras esterlinas, e que em sua inexperiência entregou ao editor por menos de cinqüenta libras, deixando em suas mãos o direito de propriedade.
Excluindo sua coleção de sermões, da qual falamos em outro lugar, a obra mais importante de todas é seu Tesouro de Davi, magnífico comentário sobre os Salmos. Com um total de 3.228 páginas impressas em tipo de oito pontos, sem entrelinhas. O método seguido neste livro pressupõe um enorme trabalho e uma grande erudição. Primeiro se faz uma introdução a cada Salmo, na qual se estuda brevemente tudo o que concerne ao tempo em que foi escrito, o autor etc. Depois vem uma exposição completa e abundante de cada versículo do Salmo, feita por Spurgeon, e logo seguem as notas explicativas, nas quais apresenta os comentários sobre cada versículo, de diversos autores antigos, e por fim, as Sugestões ao Pregador Rural, que são à maneira de notas para sermões, de distintos escritores, sobre cada um dos textos do Salmo.
Na preparação deste livro Spurgeon empregou mais de vinte anos de contínuos trabalhos, segundo ele mesmo informa no prefácio do tomo 7º, sendo esse trabalho auxiliado por várias pessoas. Porém essa foi uma obra de tanto amor para ele, que ao dar à impressão a última parte do livro disse: Há em meu espírito uma sensação de tristeza ao separar-me do Tesouro de Davi, para não encontrar mais nesta terra um tesouro mais rico, ainda que todo o palácio da Revelação permanece aberto para mim. Benditos têm sido os dias empregados em meditar,  esperar, crer e louvar com Davi. Posso esperar ter horas mais alegres deste lado das portas de ouro? Talvez não, porque têm sido muito seletas as ocasiões em que a harpa do grande poeta do santuário tem embelezado meus ouvidos. Freqüentemente tenho meditado em meu comentário sobre o texto, a fim de poder elevar-me com o Salmo, e ter as visões de Deus.
A apreciação que o mundo cristão tem feito deste livro pode ser vista pelo considerável número de exemplares que dele se tem vendido. O mesmo autor afirma, não à maneira de vanglória, senão com um sentimento de profunda gratidão a Deus, que é difícil que tenha havido um comentário tão extenso sobre um só livro da Bíblia, do qual se tenham vendido tantos exemplares. Porém esta boa aceitação do livro por parte de tantos, está perfeitamente justificada, se é considerado o fato que em seus comentários sobre o texto, Spurgeon guarda uma perfeita fidelidade aos ensinos da Palavra de Deus – porque para Spurgeon, a Bíblia não continha a Palavra de Deus, senão que é a Palavra de Deus – e se conservava sempre dentro da mais estrita ortodoxia, e isto, aparte da erudição demonstrada, e o grande número de comentários alheios que se incluem na obra.
Outro dos livros de Spurgeon que tem um grande valor, por sua índole e seu conteúdo, é Discursos a meus Estudantes, em cuja preparação colocou sua alma e coração. Este livro, como se verá mais adiante, foi a causa e a origem daquela empresa tão importante que nasceu no nobre coração da nobre companheira do Príncipe dos Pregadores. Discursos a meus Estudantes, que podemos ter o privilégio de ler em nosso próprio idioma, é realmente uma obra de imensa importância acerca da matéria que trata e em sua preparação pôs o autor um grandíssimo cuidado, já que se dirigia aos estudantes do Colégio de Pastores, aquela instituição que para Spurgeon foi sempre a menina dos seus olhos.
Este livro é em todo sentido um livro de leitura popular, não demasiado curto para os eruditos, nem tem aquela sólida sequidão que repele aos que lêem por entretenimento. Cada página é chispeante, e seu gênio é o da natureza não enferma, através de suas páginas se nota um esforço característico para obter resultados práticos. As coisas formosas não são ditas unicamente por dizê-las; o menor aforismo  é usado para chegar ao alvo mais elevado, falhando em mui raras ocasiões. Como homilias de um centro docente, estes discursos foram pronunciados com fácil graça e à medida que os lemos, nos parece estar contemplando o rosto iluminado que por si mesmo pode ensinar, o que vale muito mais do que um discurso acadêmico.
O mencionado livro é um admirável tratado de Teologia Pastoral: talvez não tão extenso, tão sistematizado como aqueles com que estamos familiarizados, porém mesmo isto poderia ser uma de suas grandes vantagens. Não há nele mal literário, nem abundância de tecnicismos, ao contrário, nenhum aspecto do assunto geral de que trata deixa de ser estudado, nem se deixa de dar lições úteis e conselhos práticos sobre ele, fazendo-o com aquela eloqüência, aquela clara erudição, e aquele sentido prático, que tão naturais eram em Spurgeon. É que um homem tão consagrado ao ministério cristão, numa comunhão tão íntima com Deus, com uma experiência tão rica, e um desejo tão intenso de ser útil a seus jovens irmãos, e companheiros no ministério, estava nas melhores condições para falar espontaneamente e com palavra douta, a par da sinceridade perfeitamente compreensível, de todos aqueles assuntos.
De todos os livros de Spurgeon, aparte de seus sermões, o que mais êxito obteve, se é que devemos julgá-lo por sua venda, é o intitulado Ditos (ou conversas) de João Arador, em cuja  capa, e em traje de camponês, aparecia o retrato de Spurgeon. Desse livro se fizeram várias edições, e antes do ano de 1892, em que faleceu Spurgeon já se haviam vendido trezentos mil exemplares. Seu material está formado por  fragmentos do que poderíamos chamar de filosofia popular, perfeitamente adaptados às necessidades intelectuais e morais dos de humilde condição. Envoltas num sério humorismo, se é que assim podemos expressar-nos sem cair em contradição, apresenta as verdades mais concretas e fundamentais. Seu estilo é muito interessante, e por isto, e por haver sido publicado em edições muito baratas, circulou grandemente entre o elemento pobre, efetuando uma verdadeira obra de utilidade, ali onde mais necessários eram os livros desta índole. Semelhante a este, ainda muito mais breve e ilustrado, é seu Quadros de João Arador, do qual se venderam cento e cinqüenta mil exemplares.
Suas Notas de Sermões, em quatro tomos, têm resultado num verdadeiro tesouro para os pregadores, e sobretudo para os pregadores jovens, que nesse livro têm encontrado modelo e sugestões para a preparação de seus sermões, coisa que é tão difícil para alguns dos novos pregadores. De fato, nas Notas de Spurgeon, aparte de ajustar-se estritamente aos ensinos do texto, se vê uma ordem lógica tão grande, e o que poderíamos chamar uma cadência tão natural, que não podem deixar de ser sugestivas, em alto grau, para aqueles que as estudam com o propósito de aprender.
A História do Tabernáculo Metropolitano é um livro de grande valor histórico, porque relata a vida daquela antiga congregação na qual nosso biografado ministrou por espaço de trinta e sete anos. Nela se vê a paciência com que o autor tem buscado nos antigos registros da igreja, para dar ao mundo um livro que era para ele uma obra de amor. A única falta que alguns críticos têm encontrado neste livro, se encontra no fato de que o autor silencia seu próprio trabalho à frente daquela congregação, trabalho que tanto por ser uma parte da história que se propunha relatar, quanto pela magnitude que teve, não devia haver silenciado. Contudo, seu silêncio é perfeitamente compreensível e até certo ponto escusável.
Outros de seus livros que necessitamos mencionar são: Nosso Hinário, e Memórias de Stambourne. No primeiro, que é uma magnífica coleção de hinos, escritos em sua maior parte pelo Dr Rippon, Spurgeon se nos apresenta como poeta e como crítico. Aparte de haver escrito um bom número de hinos para este livro, revisou cuidadosamente todos os que não eram de sua paternidade, melhorando-os e polindo-os, até fazer deles verdadeiros salmos religiosos.
E em Memórias de Stambornne, livro escrito poucos meses antes de seu falecimento, nos dá um vislumbre da ternura de seu coração, e uma olhadela nos primeiros anos de sua vida. Tem um grande valor histórico doutrinal, já que é uma espécie de biografia de seus primeiros anos, e o carinho com que recorda a seus bons avós e a sua tia mãe, fala muito alto da grandeza de seu coração.
Porém, ao falar de Spurgeon como escritor prolífico, não podemos deixar de estudá-lo no periodismo, difícil gênero no qual se distinguiu, pondo em relevo sua indiscutível habilidade, e que lhe ajudou em grande maneira a obter tão assinalado êxito, tanto em seu labor pastoral, quanto em sua obra de ensino ou de beneficência.
É incalculável o benefício que reporta o periódico, seja como meio de propaganda religiosa, seja como meio de cooperação na obra de um ministro, ou de uma igreja.  Indo muitas vezes onde o homem não pode ir, e tendo a muda paciência e persistência que muitas vezes falta ao homem, reveste-se de uma grande importância. Este é um fato tão conhecido, que não é necessário insistir nele. Por isso, aparte dos dados probatórios que poderiam se aduzir do efeito, não duvidamos em afirmar que a sua revista mensal, fundada em 1865, e da qual se haviam encadernado vinte e sete tomos à hora da sua morte, contribuiu grandemente para a realização e o desenvolvimento daquela estupenda e multilateral obra, que nosso biografado sempre teve entre as mãos. Esta revista, que chegou a ter 15.000 assinantes, e que circulava profusamente dentro e fora da Inglaterra, levava sua mensagem evangélica, sua palavra de alento, exortação, e sua indispensável petição de ajuda a milhares de pessoas que não teriam contato pessoal com o pregador, e que de outra maneira haveriam permanecido inconscientes, pelo menos até certo ponto, do magno trabalho que estava sendo levado a cabo por ele.
O Dr Russel H. Conwell diz pertinentemente sobre isto: A revista fez que o Tabernáculo Metropolitano fosse conhecido em todos os povos de fala inglesa, e atingiu seu melhor propósito ao fazer que cada um de seus leitores se sentisse pessoalmente relacionado com Spurgeon. Teve uma maravilhosa influência refletida sobre a assistência do Tabernáculo em Londres e sobre cada um dos departamentos da obra missionária, ou do serviço da igreja do Tabernáculo, e sob a inspiração do artigo, escreviam a seus amigos de Londres convidando-lhes a freqüentarem os cultos do Tabernáculo. Na grande metrópole havia milhares de pessoas que viviam próximo do Tabernáculo, que não ouviram falar de seu pregador até que algum amigo da América, Austrália ou Índia lhes escreveu acerca dele. Podemos dizer que um terço da membresia do Tabernáculo consiste de pessoas que foram aconselhadas a assistir os cultos de Spurgeon, por amigos que viviam fora de Londres.
A poderosa influência que a revista exercia sobre todos os interesses locais da igreja podia ser medida parcialmente pela assistência de visitantes do Tabernáculo, que diziam: Tenho vindo hoje para trazer amigos que vivem fora da cidade, e que desejavam grandemente ouvir o Sr Spurgeon. Um conhecido do autor, que também era amigo de Spurgeon, tem calculado que as pequenas ofertas que este recebia pelo correio, desde lugares distantes, para que as empregasse em sua obra, subiam a dezesseis mil dólares anuais.
Já vimos, pois, que a revista, nas mãos de Spurgeon, era um verdadeiro poder, uma maneira de interminável prolongamento de sua voz convincente e de sua influência pessoal: influência usada sempre para alguma obra gigantesca, tendente ao maior benefício humano e a glória de Deus – os dois únicos objetivos em sua vida intensamente ocupada e consagrada.
Os eruditos na matéria, sem distinção de partidos, considerando tanto a quantidade como a qualidade, a forma quanto o fundo de seus livros, têm estado em acordo, como não poderiam deixar de estar, se haviam de proceder com justiça em dar a Spurgeon a bem merecida qualificação de escritor hábil e prolífico, e têm considerado suas obras como didáticas e inspiradoras em alto grau. Porém, podemos dar um passo adiante, e repetir o que temos dito em outro lugar em relação a isto: Spurgeon foi o maior escritor religioso de sua época, e se suprimíssemos o adjetivo religioso, não diríamos muito. Em verdade tem dito o Dr S. H. Greene: Foi uma das principais forças religiosas de sua época.
Em estilo é brilhante, e a roupagem com que cobre seus pensamentos, é agradável. O inglês que emprega, e nisto também se parecia com Bunyan, desprovido de terminologias rimbombantes e rebuscadas, era simples e original, com aquela originalidade que provém do prolongado estudo do idioma, e que tem sido refinado e modelado pelo profundo conhecimento da Bíblia, livro em que, no dizer de Donoso Cortés, têm aprendido os literatos do mundo a escrever suas melhores páginas. Todos os que ouviam Spurgeon podiam compreendê-lo perfeitamente, e os que em mais de uma ocasião foram escutar-lhe com espírito crítico, não puderam reconhecer e proclamar que aquele homem era impecável no uso e aplicação do idioma. Na realidade, os que o conheceram, e trataram intimamente, entre eles um considerável número de afamados professores universitários, e distintos literatos, afirmam que tinha um raro e surpreendente conhecimento de sua língua natal.
Em seus escritos, o mesmo que em suas pregações, abundavam as imagens e ilustrações. Homem de profunda inspiração, como o demonstram as magníficas poesias que deixou escritas e que reunidas formariam um grosso volume, com grandíssima freqüência introduzia em seus escritos as figuras poéticas. Suas ilustrações eram o verdadeiro significado da palavra, a saber, arrojavam sempre luz sobre o assunto de que tratava e ao qual lhas aplicava.
Contudo, a forma literária que empregava em seus escritos, não era um mero adorno, nem a maneira de brilhante vestidura com que tratara de cobrir um esqueleto frio e descarnado, senão um meio atraente e agradável de fazer que seus profundos pensamentos pudessem ter uma melhor e mais perfeita entrada no cérebro e no coração de seus leitores. Não era literato meramente para realizar a beleza por meio da linguagem humana, que então seu valor era muito relativo, senão para ensinar aos homens verdades eternas, que haviam de transformar e abençoar suas vidas.
Assim, Spurgeon combinava naturalmente em seus escritos a elegância da forma com a solidez do conteúdo,  fazendo que ambos se ajudassem mutuamente, para melhor chegar à finalidade perseguida. E ambas as coisas foram necessárias, não somente para catalogar a Spurgeon entre os mais conpíscuos literatos de seu tempo, senão para o que vale infinitamente mais, a saber: que suas obras foram totalmente úteis que chegaram a ser o que foram para tantos e tantos milhares de pessoas, que a elas deveram sua paz e sua felicidade, pois que foram o instrumento do Espírito de Deus para abençoar seus corações.


PREPARANDO A OUTROS

Desde o começo mesmo da obra de Spurgeon em Londres, seu enorme êxito como pregador se traduziu num grande avivamento, ao extremo de que aquela igreja, que somente contava com 318 membros quando ele veio a ela, e isto num estado de grandíssima inatividade, aumentou sua membresia em algumas centenas, que antes de que passasse muito tempo, se converteram em alguns milhares. Muitos dos que viriam a seus cultos com o propósito de perturbar o jovem pregador, se quedavam logo a orar, e outros que chegavam com o fim de criticar, ficavam na igreja para adorar e servir. (Entre os que vinham ouvir Spurgeon se encontravam elementos de todas as classes sociais, pois não há que se supor que somente os pobres e humildes eram atraídos pelo grande pregador. Ao contrário, entre seus ouvintes se encontravam freqüentemente personalidades de elevado nível social, político ou financeiro, das que podem se mencionar as seguintes: Lord CamPrell, Ministro da Justiça da Inglaterra, que ao sair um dia de um dos cultos, dizia a Sir Richard Mayne, Comissário de Polícia, que também havia assistido: “Este homem está fazendo um grande bem, senhor, está fazendo um grande bem”. Lord e Lady Russel, Lord Alfred Paget, Lord Panmure, o Conde de Salsbury, a Duquesa de Sutherland, o Barão Bramwll, o Sr W. E. Gladstone, a Srta. Florence Nightingale, o Dr. David Lavingstone, e muitos outros. Até o bispo de Londres (Anglicano) freqüentemente vinha ouvir a Spurgeon.).
Junto desses milhares que vinham engrossar a congregação se encontravam muitos jovens, que demonstraram ser consagrados e fiéis, e sentir o profundo desejo de pregar o evangelho aos perdidos. Acerca da sinceridade e boas intenções destes jovens, não se apresentavam dúvidas, e desde o primeiro momento foi para Spurgeon um problema de difícil solução, porém que gravitava sobre seu coração, a maneira de poder dar a estes jovens uma adequada preparação, que lhes capacitasse, o poder de efetuar com maior eficiência, aquele sagrado labor a que tanto desejavam consagrar suas vidas. E esse problema se fazia mais difícil, primeiro porque a maioria daqueles jovens não estava em condições econômicas de poder enfrentar os gastos de prolongados estudos; e depois, porque o mesmo Spurgeon teria uma maneira de pensar que discordava da idéia prevalecente acerca das matérias que deveriam ser incluídas no plano de estudos para a preparação ministerial, e a forma em que estes estudos deveriam ser efetuados.
Nesta necessidade de preparação dos jovens de sua congregação, e o desejo que teria de ser-lhes útil, teve sua origem a idéia de um Colégio para Pastores, cujo nascimento foi muito humilde, porém que se desenvolveu com os anos até chegar a ser uma poderosa instituição. O mesmo Spurgeon tem falado amplamente acerca da origem e progresso dessa instituição, e ainda que sejam extensas cremos que é conveniente citar algumas das suas palavras, para melhor compreensão deste assunto. Falando a este respeito em 1870 disse:
O Colégio de Pastores, que começou em 1856, tem entrado agora em seu 14º ano, e durante este longo período tem sido sempre lembrado pelo Deus do céu, a quem todos nos unimos para oferecer reverente ação de graças. Quando começou, eu não teria a mais remota idéia de que poderia crescer tanto. Estavam se levantando ao meu redor, como meus próprios filhos espirituais, muitos jovens sinceros que sentiam o irresistível impulso de pregar o evangelho, e contudo, com somente meio olho se podia ver que sua falta de preparação lhes havia de ser um grande obstáculo. Não estava em meu coração aconselhá-los que deixassem de pregar, e ainda que o fizesse, teriam desobedecido minha recomendação.
Como parecia que de todo modo haveriam de pregar, e seus conhecimentos eram muito limitados, não havia outro caminho a seguir que dar-lhes a oportunidade de se prepararem para a obra.
O Espírito Santo evidentemente havia posto seu selo na obra de um deles, o Sr. T. W. Medhurst, que agora se encontra em Landport, pelas conversões que haviam ocorrido com sua pregação ao ar livre, portanto, era uma questão sensível de dever instruir a este jovem de Landport, a fim que pudesse efetuar melhor obra. Nenhum colégio nesse momento me parecia ser apropriado para a classe de homens que a providência e graça de Deus reuniam ao meu redor. Em sua maior parte eram pobres, e a maioria das escolas exigiam um considerável desembolso, para os estudantes, porque ainda naqueles lugares em que a instrução era livre, os livros, roupas e outros gastos incidentais requeriam uma quantia anual bastante considerável. Além disso, deve ser francamente reconhecido que minhas opiniões sobre o evangelho e o modo de preparar os pregadores, eram e são muito peculiares. Talvez tenha sido falta de caridade em meu juízo, porém cria que o calvinismo da teologia usualmente ensinada é muito duvidoso, e o fervor da generalidade dos estudantes estava muito atrás de seus conhecimentos. Me parecia que pregadores das grandes e velhas verdades do evangelho, ministros apropriados para as massas, poderiam ser encontrados mais provavelmente nas instituições onde a pregação e a teologia foram os assuntos principais e não os títulos e outras insígnias de conhecimentos humanos.
Cria que sem interferência quanto aos louváveis propósitos de outros colégios, eu poderia fazê-lo muito bem à minha maneira. Esta e outras considerações me levaram a tomar uns poucos jovens provados e colocá-los sob a direção de algum ministro hábil, para que este lhes instruísse nas Escrituras e naqueles outros conhecimentos úteis para a compreensão e proclamação da verdade. Tal coisa parecia simples, porém como haveria de ser conduzida e sustentada esta obra era a questão vital – uma questão que, podemos acrescentar, estava solucionada antes de ocorrer.
Para solucionar a questão econômica, que era uma das mais difíceis e prementes, Spurgeon contava com a promessa de ajuda de vários amigos e irmãos, aparte das quantias que ele mesmo poderia dedicar a esta empresa, naqueles momentos em que a venda de seus sermões nos Estados Unidos, oferecia uma abundante fonte de recursos. Contudo, esta solução era somente momentânea, e uma instituição dessa índole, que se propunha prover aos estudantes de todo o necessário durante seus estudos, haveria de demandar grandes quantias para o seu sustento, criando não poucas dificuldades e contratempos. Porém Spurgeon era um homem de fé e de oração, confiava em Deus, de quem provém toda boa dádiva e todo dom perfeito, porém ao mesmo tempo estava em contínua ação para obter aquilo que havia proposto, que esperava obter, e pelo qual orava. E um homem que possuía estas condições, entre outras de grande valor, não poderia deixar de dar o passo e obter êxito.
Em princípio, somente puderam receber um ou dois estudantes, que habitavam no lar de bons cristãos, e recebiam sua instrução de um só professor. Dois amigos, disse Spurgeon, o Sr. Windsor, e o Sr. T. Olney, ambos diáconos da igreja, prometeram ajudar, e sua ajuda, com o que eu podia dar pessoalmente, me permitiu receber um estudante, e então me pus a buscar um professor, Na pessoa do Sr. George Rogers, então pastor da igreja independente da Rua Albany, Camberwel, Deus nos enviou o melhor homem para tal coisa. Ele havia se preparado para semelhante obra, e ansiosamente esperava poder se dedicar a ela. Este cavaleiro, que tem permanecido durante todo este tempo sendo o principal mestre, é um homem de zelo puritano, profundamente ilustrado, ortodoxo em sua doutrina, liberal de espírito, e de coração juvenil, não obstante seus anos...No lar deste amado ministro encontraram guarita os primeiros estudantes, e por um tempo considerável foram considerados como membros de sua família.
Alentado pela facilidade com que estes jovens encontraram esfera de ação, e por seu singular êxito na salvação das almas, aumentei seu número, porém a maior parte do empregado para sustentá-los, saía de meu bolso. A enorme venda de meus sermões na América, junto com a economia de minha querida esposa, me possibilitou poder empregar 600 libras esterlinas anuais, em minha obra favorita; porém logo, devido às minhas denúncias contra a escravidão que existia naqueles Estados, meu manancial, que vinha daquele arroio Querite, se secou completamente.
Este foi o momento mais difícil de toda a vida do Colégio de Pastores, porque Spurgeon havia determinado parar esta obra tão logo acabassem os recursos, pensando que tal coisa seria a prova mais evidente de que essa instituição não contava com o favor divino. Porém, quando o homem tem esgotado todos seus recursos, e não lhe resta nada a fazer, então Deus abre novos caminhos, tão maravilhosos, que o humano não pode nem sequer imaginar que existam. Na fraqueza do homem, o poder de Deus é aperfeiçoado. E isso sucedeu no caso de Spurgeon e seu Colégio.
A igreja do Tabernáculo Metropolitano, inteirada das condições em que se encontrava esta instituição, e o extremo a que havia chegado seu fundador, concordou ter o que se chamou “a oferta semanal” para sustentar o Colégio, oferta que em princípio foi pequena e pobre, porém que aumentou de dia em dia, até que chegou o momento em que pôde fazer face ao sustento de tão magnífica empresa, e muitas pessoas, a maior parte das quais eram completamente desconhecidas para nosso pregador, começaram a enviar quantias para que as usasse à vontade. Um dia recebeu uma carta, de um banqueiro da cidade, informando-lhe que uma senhora, cujo nome se negou a comunicar, lhe havia feito a entrega de mil dólares que foram usados na preparação dos seus jovens. Alguns dias depois, o mesmo banqueiro lhe entregou outros quinhentos dólares para o mesmo fim, e as quantias seguiram chegando, da maneira providencial mais abundante.
Algum tempo depois, Spurgeon disse que o Sr. Phillips, um amado diácono da igreja do Tabernáculo, começou a oferecer o banquete anual dos amigos do Colégio no qual se tem reunido grandes quantias ano após ano. O Colégio cresceu rapidamente, de mês em mês, e o número dos estudantes aumentou de um para quarenta. Os amigos, conhecidos e desconhecidos, de perto e de longe, foram movidos a dar pouco ou muito à obra, e dessa maneira cresceram os fundos, à medida que aumentavam as necessidades.
Estas doações seguiram fluindo em grande número, ao ponto de que foi possível levantar um prédio apropriado para o Colégio, e admitir um grande número de alunos. E desta maneira, sob o auxílio e a proteção divinos, esta instituição, que havia tido sua origem tão humilde, como todas as outras que se deveram ao gênio organizador e as atividades de Spurgeon, chegou a ser a admiração de muitos, pela forma maravilhosa, providencial, em que pôde sempre suster-se, pela magnífica obra que realizou na preparação de centenas de jovens que logo se espalharam pelo mundo, a proclamar as boas novas de salvação, e sendo uma instituição que quebrou os antigos moldes usados para esta classe de centros docentes, pôde atender perfeitamente ao fim para o qual havia sido criada.    
Como citamos anteriormente, Spurgeon que não teve o privilégio de efetuar seus estudos em universidades e seminários, porém que conhecia teoricamente suas exigências e seus resultados, não estava inteiramente de acordo, nem com os programas destes, nem com a maneira com que buscavam seu objetivo. Para ele, estas grandes instituições, pelo menos no que se refere a ministros do evangelho, erravam tanto por excesso quanto por deficiência. Por excesso, porque demandavam demasiados estudos daqueles que entravam em suas aulas, e por deficiência, porquanto que não davam a devida e completa preparação exclusivamente ministerial, aos estudantes, senão uma preparação que desde o ponto de vista espiritual, deixava muito a desejar. Em conformidade com esta maneira de pensar, criou um colégio que não era semelhante aos outros colégios preparatórios para ministros, que existiam.
Para que se veja claramente quais eram suas idéias a este respeito, copiamos as palavras que Spurgeon dirigiu ao Dr S.D.Cutting, Secretário da Comissão Educativa Americana Batista, nas quais expõe perfeitamente seus pontos de vista, quanto ao que deve ser uma escola teológica para homens simples.
1. Funde-se um colégio no qual possam ser admitidos homens que tenham uma ordinária preparação secular, sem que tenham que se sentir degradados ao se comparar com graduados de universidades seculares.
2. Não se deve incitar nos  homens a ambição de obter sabedoria humana pelo que ela vale; mas fazer-lhes sentir o desejo de ser salvadores de almas e edificadores dos santos, portanto, que a finalidade não seja o título.
3. Proveja-se a todas as necessidades dos homens – alimento, alojamento, roupas, livros, na realidade, tudo que necessitem.
4. Conduza-se tudo na forma mais econômica, a fim de que os homens não formem hábitos de acordo com os quais não possam viver.
5. Una-se o Colégio a uma igreja grande e ativa. Significa que deve haver esperança de que os homens se unirão a ela, e durante os primeiros seis meses, trabalharão em suas escolas dominicais etc.
6. Faça-se com que os períodos de estudo sejam curtos, digamos de dois a três anos. Nunca deve exceder isto. Os que não puderem demonstrar eficiência neste tempo, não poderão render melhor obra em um estudo mais prolongado.
7. Dê-se a cada homem os primeiros três ou quatro meses como prova, e constantemente separe-se os folgazões, vãos, insuficientes e faltos de zelo.
8. Desenvolva-se-lhes o espírito devocional, dedicando meio dia na semana exclusivamente à oração. Comece-se todas as aulas com oração.
9. Que os estudantes vivam em  lares cristãos e que se envie constantemente um cristão que investigue sobre seus hábitos, vida doméstica, moral etc.
10. Divulgue-se por meio de vossas revistas e periódicos, que os homens que desejarem estudar serão admitidos.
 11. Não amarrem o presidente com comitês etc.
 12. Examine-se aos homens, e faça-se que todos efetuem o mesmo estudo. Algumas pessoas jamais aprenderão os clássicos, outros os aprenderão facilmente.
13. Faça-se-lhes praticarem a preparação de sermões, e fomente-se o discurso espontâneo.
14. Ao homem que verdadeiramente é bom, permita-se-lhe ficar até que lhe encontre um posto, e permita-se-lhe voltar, se em sua primeira igreja não tem êxito. Retenham-no convosco e deixem que seja provado outra vez.
15. Com os pobres estabeleçam um sistema de bibliotecas circulantes, a fim de pô-los em contato com os livros, e que possam instruir-se a si mesmos.
16. Que os mestres sejam irmãos dos estudantes, e não senhores. E quanto mais familiar for o intercâmbio, mais profundo será o amor, e mais verdadeiro o respeito.
17. Convidem pastores, missionários e obreiros que tenham tido êxito, para falar aos estudantes e para contar-lhes suas experiências.
18. Ocupem os estudantes na pregação no interior, e exortem-nos a que sejam ganhadores de almas, ao mesmo tempo que são estudantes.
19. Façam ênfase nas ciências físicas, elas oferecem muitas ilustrações, revelam a severidade do estudo e aumentam a mentalidade. A mudança de trabalho é uma recreação.
20. Que a igreja ore por eles. Interesse-se a igreja por meio de reuniões nas quais pregarão os estudantes. Permita-se aos participantes falar, e depois, se poderá medir seu progresso e se verá a realidade de sua preparação.
21. Admita-se os Princípios dos Batistas do Dr. Wqyland e sejam postos em prática.
Estas regras, por simples que pareçam, fazem pensar que seria muito difícil levá-las a efeito, contudo o Colégio de Pastores, criado pelo mesmo homem que formulou estas regras, e seguramente de acordo com elas, demonstra conclusivamente a possibilidade de criar e manter, um centro docente religioso, que atinja sua finalidade de maneira mais cabal. Porque é difícil que no mundo haja existido um colégio que tenha produzido tantos obreiros fiéis, consagrados, ativos, eficientes, no mesmo espaço de tempo. E conste que não queremos desmerecer o labor dos grandes seminários, senão somente citar manifestamente a magnífica obra que Spurgeon criou e manteve.
Em fins de 1872, o número de estudantes havia crescido tanto, que foi necessário pensar na construção de um lar para o Colégio, no qual se encontrasse a capacidade e comodidades necessárias. E Spurgeon que em sua profunda fé cria que não havia nada impossível, nem que havia dificuldades e obstáculos que não pudessem ser vencidos, pois contava com a ajuda divina, começou a trabalhar em prol dessa edificação. E Deus abençoou seu propósito e lhe deu todo o necessário para levá-la a efeito.
Em maior de 1878 um amigo enviou a Spurgeon cinco mil dólares para o Colégio, e em 14 de outubro deste mesmo ano, foi colocada a primeira pedra do novo edifício. A congregação deu cinco mil dólares, e os estudantes mil e quinhentos, e se comprometeram a reunir oito mil e quinhentos a mais. Por este tempo, o Sr Mathews deixou um legado de vinte e cinco mil dólares para o novo edifício; quinze mil foram doados por uma senhora em memória de seu esposo falecido, e um leitor dos sermões de Spurgeon enviou outros dez mil dólares. A congregação do Tabernáculo também fez grandes contribuições para esse fim, como conseqüência das visitas que fazia ao Colégio, a convite de seu presidente. Em resposta à oração, disse Spurgeon, o ouro e a prata têm estado prontos quando têm sido necessitados.
Com um custo de setenta e cinco mil dólares foi terminado o edifício, e inaugurado em meio de um grandíssimo regozijo, com cerimônias apropriadas. Falando nesta ocasião acerca do trabalho evangélico levado a cabo pelos estudantes, Spurgeon disse: Nossas estatísticas, que estão muito longe de ser completas, demonstram que estes irmãos (os estudantes que tinham saído do Colégio, a pregar o evangelho na Inglaterra e fora dela) batizaram 20.676 pessoas em dez anos (1865-1874), que o crescimento de suas igrejas tem sido de 19.498. E em seu discurso anual, ao fim do curso, em 1890, disse que nos 34 anos de existência do Colégio, haviam sido recebidos nele 828, não incluindo os que então estavam estudando, que destes, os mais haviam saído, mas alguns (72) haviam morrido,  e que, depois de fazer todas as deduções, 673 permaneciam fazendo alguma obra evangélica, e destes, 607 se encontravam em nossa denominação, como pastores, missionários e evangelistas.
O Colégio de Pastores foi a primeira daquelas magníficas instituições que se deveram à grandeza de coração, à robusta mentalidade, e ao assombroso espírito de organização desse homem gigante que se chamou Charles Haddon Spurgeon, e até o fim de sua vida, foi a preferida, seu querido primogênito, como chamava o mesmo. Nunca descuidou, nem olhou com indiferença nenhum de seus asilos, nem sua associação de colportores, nem suas publicações, porém amava o Colégio com um amor especial, talvez pensando que este teria uma grandíssima utilidade, mais que suas outras organizações. Bom é cuidar da viúva e do órfão, porém, quem pode dizer, nem justapreciar o resultado final de uma obra que se ocupa da preparação e modelação de centenas de pessoas, de cristãos fiéis e piedosos, de ministros ativos e consagrados, que têm de ir para espalhar a boa semente do Evangelho por todas as regiões do mundo, tratando de ganhar para Cristo aos milhões que se encontram como ovelhas  sem pastor, desgarradas e perdidas?
Falando sobre isto o mesmo disse, com aquela eloqüência que lhe caracterizava: Sob certos aspectos, a obra de Áquila e Priscila, ao ensinar ao jovem Apolo o caminho de Deus, mais perfeitamente, é de muito maior importância que o eloqüente serviço de Apolo, que lhe seguiu. Fazer o busto é algo, porém fazer o molde em que esse busto tem de ser moldado, é muito mais. O que converte uma alma tira água de uma fonte; porém o que prepara um ganhador de almas, está cavando um poço do qual milhares podem beber a água da vida eterna. Por isso cremos que nossa obra entre os estudantes é a maior responsabilidade de todas aquelas nas quais temos posto as mãos. Um toque de doutrina errônea, um pequeno mal exemplo, um conselho pouco sábio, e a vasilha pode se perder, e o que é pior, sua imperfeição será vista no seu uso futuro.
Conseqüentemente, Spurgeon sempre teve um grandíssimo cuidado de que os alunos do Colégio de Pastores, recebessem um profundo ensino na mais sã doutrina bíblica; buscando mestres que, como ele mesmo, fossem capazes de ensinar com a palavra e com o exemplo. Em seu desejo de dar a seus estudantes a preparação espiritual que cria ser a base e  fundamento do seu êxito na obra a que iam dedicar sua vida, não desperdiçou oportunidades nem recusou deveres, e assim, com o auxílio divino, para usar sua mesma figura, preparou o molde em que foram moldados aqueles estudantes que, às centenas, se espalharam pelo mundo, efetuando uma obra cristã fidelíssima e grandemente eficiente. Spurgeon se reproduziu, se é possível que assim nos expressemos, em cada um daqueles jovens que, com ele, estiveram sempre apegados à mais estrita doutrina bíblica, ansiosos de trazer almas aos pés de Cristo e à salvação, completamente ativos no serviço cristão. (Eles tinham o zelo à sã doutrina para um supremo objetivo, o de salvar almas).
No ano de 1865 se organizou em relação com o Colégio de Pastores, a chamada Conferência Anual, que se propunha a manter vivos entre os estudantes os laços do companheirismo e da confraternidade. A estas reuniões anuais viriam todos os estudantes que haviam cursado o Colégio, para ter uma semana de verdadeiro refrigério espiritual, no abraço dos antigos e novos companheiros, nos intercâmbios de impressões, no relato das mútuas experiências, no estudo de grandes e fundamentais doutrinas, e na contemplação do brilhante rosto do mestre, amigo, conselheiro e irmão – C. H. Spurgeon – que sempre tinha palavras de carinho e alento, de exortação e conselho. E, segundo o testemunho dos mesmos estudantes, não cabe dúvida que esta Conferência Anual contribuiu grandemente para o maior êxito do Colégio, e para robustez espiritual dos estudantes.
Num dos últimos informes passados, antes da morte de Spurgeon, quanto ao trabalho efetuado pelos estudantes, se demonstra que estes haviam organizado mais de 80 igrejas em Londres e suas imediações, e mais de 200 no mundo, em sua maior parte robustas e florescentes. Algumas destas igrejas se encontravam nos países mais distantes, e não poucas nas Ilhas do Pacífico. Haviam batizado mais de 40.000 pessoas no ano. Na América, disse o Sr. Conwell, instituíram mais de 14 igrejas, e demonstraram ser muito eficientes evangelistas entre todas as classes sociais. São homens que não somente pregam e ensinam, senão que positivamente trabalham, imitando o exemplo do Sr. Spurgeon.
Verdadeiramente, a obra de Spurgeon à frente do Colégio de Pastores tem sido magnífica, em todo sentido; e este Colégio chegou a se revestir de tanta importância, que se aparte de seu trabalho pastoral, não houvesse efetuado outra obra qualquer, esta haveria sido suficiente para proclamar aos quatro ventos a fama de seu nome. Que não em vão se preparam e formam centenas de homens, e se lhes envia ao mundo como soldados da cruz, para lutar contra o pecado, na luta denodada e incessante, e para proclamar um evangelho que é de amor, de paz, de salvação – um evangelho que é a única panacéia para nossas dores, que tranqüiliza a consciência, robustece o coração, satisfaz todas as aspirações e necessidades da alma humana.


CUIDANDO DAS ANCIÃS

O que geralmente foi conhecido com o nome de Lar das Anciãs, teve seu nascimento cinqüenta anos antes de que Spurgeon viesse ao pastorado da igreja batista de New Park Street, e se originou no grande coração do homem eminente que se chamou Dr John Rippon. Contudo, e como logo veremos, deveu seu maior crescimento a Spurgeon, sem o qual nos atrevemos a dizer, nunca haveria chegado a ser o que foi. Sem ele, sua existência estava destinada a ir enfraquecendo até desaparecer completamente. Porque para suster e fazer crescer uma instituição deste porte, tão importante, tão custosa e que tanto cuidado e atenção requeria, se fazia necessário um homem das condições do nosso, que possuísse a firmeza e todo o desprendimento, e mais, todo o amor, toda a fé e confiança em Deus, de um Spurgeon.
Falando da origem da instituição beneficente Spurgeon disse: Até onde podemos recordar a história da fundação, de seus asilos e escolas (do Dr. Rippon) em 1803, foi da seguinte maneira: o doutor insistiu com seus diáconos quanto à necessidade dessa instituição, eles não compreenderam tal urgência, e como o surdo do conto, não queriam deixar se convencer. “Os gastos serão enormes, e o dinheiro não pode ser obtido”, foi o desnecessário argumento dos muito prudentes oficiais. Por fim o pastor disse: o dinheiro pode ser adquirido, e tem que ser adquirido. Se eu não conseguir ajuntar até a próxima segunda-feira 500 libras antes do culto da noite, abandono este propósito; porém quanto creia que nossa gente considerará o assunto de todo coração, não será detido por vocês. As discussões sobre este assunto continuaram na linguagem mais clara, porém sem descer os limites da decência, porque ambos os partidos se conheciam e se respeitavam mutuamente, para fazer que sua boas relações na igreja dependessem de um ponto de diferença. Todos estavam de acordo em colocar o pastor à prova, e lhe pediram que apresentasse as 500 libras na próxima segunda-feira, ou que deixasse de importuná-los com o assunto do asilo. No dia indicado, os diáconos não faltaram à hora marcada, e logo chegou o doutor. Bem, irmãos, disse, tive êxito em conseguir 300 libras e isso é muito alentador, não é? Porém, disseram três deles prontamente. Você disse que juntaria 500 libras ou abandonaria o assunto, e esperamos que cumpra sua palavra. Absolutamente, disse ele, espero cumprir minha palavra e aqui tem 800 libras que os amigos me deram quase sem pedi-las, e me têm prometido quase todo o resto. Os prudentes oficiais não podiam sair de seu assombro, porém se recuperando da surpresa expressaram sua grande alegria e acrescentaram que estavam dispostos a se reunir com o pastor a qualquer momento para determinar como haveria de se empregar o dinheiro. Não, não, meus irmãos, disse o doutor, eu não terei necessidade dos seus serviços. Vocês me têm feito oposição todo este tempo, e agora que eu fiz o trabalho sem a ajuda de vocês, querem participar para seguir apresentando dificuldades, porém nem vocês nem nenhum outro diácono, serão uma praga para o ministro neste assunto. Assim que, irmãos, podem se ocupar de outra coisa. Assim que na escritura dos antigos asilos, há uma cláusula que diz que o ministro poderá aceitar os internos, sem a interferência dos diáconos. Mas Spurgeon teve o prazer de induzir o Comitê de Caridade a revogar esta cláusula, dando ao pastor e diáconos, unidos, o poder de eleger os que têm de ser objeto de caridade.    
Originalmente esta instituição teria propósitos muito limitados, pois somente se havia pensado em receber seis anciãs, e para esse número somente se havia feito  provisão, tanto nos projetos regulamentadores, quanto nos fundos requeridos para seu sustento. Porém Spurgeon, que não sabia fazer as coisas em pequena escala, desde que assumiu o pastorado da igreja, compreendeu que esta era uma limitação muito grande para uma instituição de beneficência, e se propôs a dar-lhe uma maior amplitude e um maior incremento, e de fato fez que sua igreja e seus amigos contribuíssem para este fim, e ele mesmo doou grandes quantias em diversas ocasiões para o sustento deste Lar de Anciãs.
Spurgeon poderia ter sido um homem muito rico, pois dificilmente a história recorda outro pregador do evangelho por cujas mãos tivesse passado tão grandes quantias, como as que passaram pelas suas mãos. Não fazemos referência aos milhares e milhares de libras esterlinas que lhe foram enviadas como doações a suas diversas instituições, porque estas quantias não eram de sua propriedade, e lhe haviam sido entregues para serem usadas, com fins determinados. Nos referimos às quantias que ingressaram em sua casa particular, como consignação de sua igreja, como obséquios que esta e seus amigos lhe fizeram muitas vezes e  muito especialmente, como produto da venda de seus sermões, livros etc. A tal ponto isto é certo, que vários periodistas de seu dia, referindo-se a estes enormes ingressos, deixando-se guiar pelas aparências, disseram que Spurgeon havia enriquecido. É certo que durante mais de trinta anos havia ganho mensalmente quantias muito respeitáveis, e que pôde acumular grandes riquezas, porém também é certo que não as acumulou, porque tudo o que ganhava dava para a obra que Deus havia entregue em suas mãos, assim como para ajudar às outras pessoas que a levavam a cabo. Spurgeon morreu pobre, porque se ganhava muito, em troca dava como um príncipe, como alguém tem dito.
O Lar das Anciãs foi uma das instituições a que Spurgeon contribuiu sempre com grande liberalidade. Homem que cria de todo coração que a caridade, para ser verdadeira, tinha que ser prática, e não ser considerada como um questão meramente teórica e doutrinal, não podia pelo menos dar-lhe todo o seu fervor e toda sua simpatia e movimentos como este, que proporia dar pão e abrigo às pobres velhinhas que transitavam pelos caminhos da vida solitárias e tristes, sem uma mão amiga que as sustivesse e socorresse. E porque deu a este lar toda sua simpatia e todo seu fervor, pôde este asilo revestir-se da importância de que se revestiu e alcançar o êxito que teve. Ele era a alma mater de todas aquelas instituições que floresciam à sombra do Tabernáculo Metropolitano, em forma tal que, sem ele, nunca haveria chegado a ser o que foram, nem a prestar o magnífico serviço que prestaram.
Primitivamente, sob a direção do Dr. Rippon, se alugou uma casa para dar asilo  às anciãs pobres da igreja, até o número de seis. Esta casa se encontrava próximo da igreja, em Carter Lane, porém ao adquirir o templo de New Park Street, foram construídas naquelas cercanias três casas para o asilo, e se lhes deu o nome do promotor da idéia. Sobre a porta  de entrada destes edifícios, quando Spurgeon os consagrou se lia a seguinte inscrição:
Asilo do Dr Rippon, Anteriormente em Carter Lane, Rua de Troley, tendo sido destruídas para dar lugar ao ponto de New Londres, estes foram erguidos em seu lugar. Ano Domini 1832.
Quando a igreja que Spurgeon pastoreava se viu obrigada a fabricar seu Tabernáculo Metropolitano, abandonando o templo de New Park Street, o asilo a acompanhou em seu translado, sendo então estabelecido nas imediações do bairro de Southwark. Spurgeon confiava que ao deixar a igreja o antigo templo, que este lugar poderia ser utilizado para estabelecer nele um ponto de pregação, até que dele surgisse uma congregação, porém tal coisa não pôde ser efetuada e o prédio foi vendido, assim como o asilo e a escola conectada a ele, e com o produto se construiu o novo Lar das Anciãs. Consistia em vários edifícios unidos entre si, incluindo uma escola para meninas, uma capela e algumas pequenas moradas. Sobre a porta da escola se lia a seguinte inscrição:
Estes edifícios estão conectados com a antiga igreja que agora adora no Tabernáculo Metropolitano. Seis das casas de caridade junto com uma sala para escola, foram edificadas e sustentadas sob o pastorado do Dr. John Rippon, em New Park Street, Southwark, os atuais edifícios foram terminados em maio de 1868. C. H. Spurgeon, Pastor.
No ano de 1880 encontravam abrigo neste asilo 17 anciãs, a maior parte das quais eram antigos membros da igreja do Tabernáculo. O sistema usado para a admissão das anciãs era por demais simples, porém perfeitamente natural e apropriado: sempre era preferida a que maior necessidade tivesse, sem levar em consideração outras questões.
Este asilo era um verdadeiro lar para as anciãs. Spurgeon nunca creu na conveniência de que as pessoas recluídas numa instituição beneficente vivessem aglomeradas em grandes salões, e menos ainda sendo anciãs, as quais têm seus hábitos de vida já formados, e seus costumes. De acordo com esta maneira de pensar proveu nos edifícios do asilo grande número de habitações para que nelas pudessem viver individualmente as asiladas, e nestas habitações reuniu todas as comodidades possíveis dentro de um bem entendido espírito de economia, a fim de que os últimos anos de vida destas anciãs fossem tranqüilos e agradáveis. Ali viviam aquelas velhinhas, contudo, independentemente em família, com o apreço e a consideração de todos. Eram consideradas não como objeto de caridade, mas como boas irmãs a quem se estava no dever sagrado de sustentar, fazendo-lhes suportáveis os últimos instantes da existência.
No que se refere ao Lar das Anciãs, o mesmo que no que se refere a todas as outras instituições que a ele deveram sua vida e sua subsistência, Spurgeon era o poder sob o trono. Sendo homem no sentido mais amplo e compreensivo da palavra, seu coração era terno e simples, amoroso e compassivo, ao extremo de que não podia suportar a idéia de que cristãos fiéis e consagrados, que durante longos anos haviam dado seu testemunho a favor de Cristo, vivessem e morressem em miséria, e na dor. E por isso deu entrada em seu coração o lar de anciãs, e quis fazer dele, não um asilo, que sempre dá a sensação de que se vive de caridade, porque tudo falta, senão um verdadeiro lar, onde cada anciã pudesse viver separadamente, e ocupar-se das obras que desejassem, tendo as comodidades necessárias.
Sempre estimou como um prazer poder ajudar aos necessitados, fossem jovens ou velhos, e por isso cuidava deles com uma devoção tão grande e um desprendimento tão espontâneo e amoroso. E porque sentia esse prazer em estender sua mão ao necessitado, suas obras de beneficência chegaram a ser outras tantas fases de sua inegável grandeza, e seu nome tem passado à posteridade, ungido pela fama, como de um dos grandes benfeitores da humanidade.


DIRIGINDO O TRABALHO DE OUTROS

De muito antigo é bem conhecido e altamente apreciado o imenso valor da página impressa como elemento de cooperação na obra evangélica, e realmente, em toda forma de propaganda, qualquer que seja sua tendência e finalidade. O periódico, o folheto, o livro, são incansáveis viajantes seja numa obra maléfica, que enche a alma de trevas e a conduz pelos caminhos que levam à perdição, seja em benfazeja missão que traz à alma brilhante luz, alegria inefável, paz robusta e até a felicidade e salvação. E esse viajante, em sua incessante senda vai se multiplicando inenarravelmente, fazendo o bem, ou fazendo o mal; a tal ponto que as cifras numéricas são incapazes de expressar, nem a quantidade, nem a qualidade do fruto que tem podido chegar a colher um só página dada à estampa.
Todas as grandes agências, tenham sido criadas para o bem ou para o mal, conscientes de seu enorme poder, têm utilizado o periódico, o tratado e o livro como meio de propaganda. Essa página impressa vai formando a corrente da opinião pública.
De fato, crendo na grandíssima importância da literatura como fator de propaganda, se propôs primeiramente a fazer circular a maior quantidade possível de livros sãos, de pronunciado caráter cristão, porém sem que sua Associação de Colportores nunca tivesse por finalidade a torpe ganância material. Esta empresa não era mercantilista, senão que seu propósito e finalidade se encontravam dentro dos mais estreitos limites de uma estrita moralidade, e a mais absoluta espiritualidade. A venda de livros, por parte destes colportores era necessária, e chegou a produzir enormes quantias anuais, porém isso foi uma conseqüência secundária, porque esta associação não havia sido criada para este fim, nem a ele se encaminhavam seus esforços. O dinheiro veio em abundância, porém veio porque teria que vir, porque era impossível que deixasse de vir, dada a magnitude que chegou a ter a empresa, porém não porque se correra atrás dele, nem porque se lhe buscara com ânsia imoderada. Aparte das Sociedades Bíblicas, nós cremos que é impossível encontrar na história cristã, outra agência da índole da Associação de Colportores de Spurgeon. Dita Associação foi criada para honrar o nome de Deus, e melhor servir-Lhe, trazendo aos pecadores o arrependimento, e fazendo-lhes viver uma vida melhor, e modelando paulatinamente o caráter.  
Desde o princípio de sua vida ministerial Spurgeon reconheceu este grande poder, e o usou para o bem de incontáveis pessoas, em sua pátria e fora dela. Porque o reconheceu, fez circular profusamente sua revista, que chegou a exercer uma magnífica influência em suas mãos, e deu ao mundo milhões de páginas em seus sermões impressos, em seus múltiplos folhetos e livros.
Porém este poder da página impressa é mais efetivo se organiza uma empresa para que tenha uma maior circulação. E assim, no ano de 1866, obedecendo à sugestão de irmãos e amigos para com os que se sentia obrigado, e contando com a ajuda de algumas pessoas, determinou organizar a Associação de Colportores, que foi a terceira instituição que se deveu a seu gênio organizador, e que tanto êxito havia de ter na classe de obra que se propunha a levar a cabo. Em outubro desse ano se nomeou um Comitê para formular suas bases e seu programa, e ver a maneira de colocá-lo em marcha. Ainda o verdadeiro propósito desta Associação, como seu nome o indica, era a circulação e venda de livros, no estudo que dela faremos nestas páginas, não deixaremos de ver que Spurgeon lhe deu muito do espírito daquela Associação de Pregadores Leigos ao qual havia pertencido em sua primeira juventude e à qual devia, em grande parte, sua dedicação à vida missionária.    
Em 1872, seis anos depois de criada a Associação, a obra começou a crescer, e se empregaram treze homens no campo. Fez-se necessário pagar um secretário, o Sr W. C. Jones foi nomeado para ocupar este posto. Em 1874 haviam trabalhando trinta e cinco homens, e a arrecadação da Sociedade por sua venda de livros religiosos, Bíblias, tratados, foi de quinze mil dólares. Em 1885 havia quarenta e cinco homens trabalhando, e os livros no depósito teriam um valor de quarenta mil dólares.
Fixando a atenção neste breve extrato, dado por Spurgeon, se vê o grande progresso efetuado nesse lapso de tempo, e sobretudo, nos últimos cinco anos. Nos dez primeiros anos, os colportores haviam aumentado de seis a treze, nos dois anos seguintes, este número aumentou em vinte e dois obreiros, nos outros dois anos, últimos da primeira década, cresceu o número de colportores em mais dez. Contudo, este crescimento foi muito pequeno, se for comparado com o que chegou a ser.
Spurgeon foi o Presidente desta Associação, desde sua criação até a hora em que terminou a jornada da sua vida, e neste caráter ao prestar contas do trabalho em 1880 demonstra que o êxito da instituição havia sido franco e completo, e muito maior do que os mais otimistas pudessem esperar. Nesse ano, que era o 14º de sua existência, a Associação contava com 79 colportores e o trabalho efetuado por estes foi o seguinte: haviam vendido 396.291 livros e revistas, com um valor de mais de trinta e sete mil dólares, e haviam efetuado 631.000 visitas religiosas ou missionárias, e celebrado 6.000 cultos de pregação.
Como se vê, o trabalho desta Associação não somente era muito amplo, como também de grandíssima importância. Contudo, esta instituição seguiu crescendo em eficácia e em eficiência ao extremo que no ano de 1890, um ano antes do falecimento de Spurgeon, de acordo com o informe dado por ele, o trabalho levado a cabo foi que neste ano se havia empregado 87 colportores, venderam 8.782 Bíblias, 220.713 livros; 11.379 Testamentos; 365.788 revistas, tudo o que com outra literatura, somava um total de 551.949 livros vendidos, e mais 365.788 revistas. A isto há que somar que estes colportores distribuíram grátis mais de 153.000 folhetos, efetuaram 698.292 visitas missionárias e celebraram 9.866 cultos de pregação. Segundo este informe o crescimento das vendas efetuadas até esse momento era de mais de 650.000 dólares.
Um dos propósitos da Associação de Colportores do Tabernáculo Metropolitano era distribuir profusamente o melhor tipo de literatura, para que fizesse oposição à má literatura.
Porém estes colportores não se limitavam a vender livros senão que eram verdadeiros obreiros evangélicos, que pela índole mesma de seu trabalho, efetuavam uma obra no sentido indicado, talvez maior que a que haveria efetuado um número igual de ministros regulares. Em cada porta a que chegavam, e com cada indivíduo com que se encontravam, falavam sobre as necessidades espirituais deles e o plano da salvação que é em Cristo Jesus.
Os obreiros desta Associação eram pessoas escolhidas, as quais o próprio Spurgeon havia examinado e provado durante longo tempo; todos teriam que possuir uma grande atividade e zelo religioso, e uma profunda experiência cristã, unida a um intenso anelo de ganhar almas para Cristo. Doutra maneira, não haveriam servido para esta obra, porque como já temos indicado, o fim imediato da Associação não era arrecadar fundos, nem acumular riquezas. Reunindo essas condições, aproveitavam todas as oportunidades, por pequenas que estas fossem, para darem sua mensagem evangélica, apresentando a Cristo como o único e necessário Salvador.
As crianças também mereciam a atenção e os esforços destes colportores. Que Spurgeon foi sempre amigo das crianças, e que sempre procurava sua conversão é um fato inegável.
Como nos domingos não havia colportagem, estes obreiros reuniam as crianças na Escola Dominical e lhes ensinavam hinos e versículos.
Spurgeon dizia que estes colportores eram missionários, pregadores e pastores, e como pregadores estavam sempre à caça de oportunidades para pregar. Somente nos anos de 1889 e 1890 celebraram 10.500 cultos, isto dá mais de quatorze cultos diários. E isto ocorreu em mais de cem lugares distintos, lugares onde não havia provavelmente uma igreja evangélica.
Porém Spurgeon nos diz que eles eram também pastores, não pastores no sentido de estarem à frente de congregações, de uma maneira oficial, senão porque cumpriam com todos os deveres deste santo ofício. Por onde quer que fossem consolando, confortando, ensinando, confirmando na fé, faziam todo aquilo de teria sido feito por uma pastor oficial.
A Associação era de caráter interdenominacional, mas todos eles eram rígidos quanto á doutrina, perfeitamente apegados aos ensinos escriturísticos, sem mesclas espúrias e mutilações, e eram inimigos irreconciliáveis do que se tem chamado de Alta Crítica e Modernismo.

ATENDENDO AOS ÓRFÃOS

Falando de Spurgeon e de um dos aspectos de sua grande obra filantrópica, tem dito o Dr Russel H. Conwell: O orfanato, conectado com a obra do Tabernáculo Metropolitano, é uma daquelas instituições que apresentam da maneira mais formosa, um dos traços mais ternos e amorosos do caráter de Spurgeon. Seu amor às crianças somente foi excedido pelo amor que as crianças tinham por ele. Esse foi um dos traços proeminentes de seu caráter, que lhe trouxe uma grande parte do êxito do começo do seu ministério.”.
De fato Spurgeon tinha aquela simplicidade de vida e maneira de ser, e aquele amor às crianças, que têm sido características de todos os homens verdadeiramente grandes. E tudo isto era tão natural e espontâneo nele, que não se podia ocultar, nem se ignorar.
Em muitas ocasiões, extenuado pelo excesso de trabalho, e preocupado com grandes e difíceis problemas que tinha que resolver, ia ao Orfanato para encontrar descanso físico e mental na fala infantil, e no sincero carinho que lhe tinham. Alguém disse que Spurgeon era no Orfanato como uma criança grande no meio de muitas crianças pequenas.
Não obstante, Spurgeon nunca teve o propósito deliberado de fundar e manter um asilo de crianças. Eram muitas as coisas que tinha que atender – cousas de grandíssima importância e responsabilidade – e não desejava lançar outra carga sobre os ombros, já demasiadamente sobrecarregados. Realmente, a criação deste asilo foi providencial. No sentido mais absoluto foi Deus o criador e mantenedor do Orfanato de Stockwell, e Spurgeon somente seu administrador.
Spurgeon, falando de algumas coisas que constituíam uma necessidade imperiosa, mencionou um Orfanato, fazendo ênfase nas milhares de crianças que mesmo em Londres careciam de pão e de abrigo, e que provavelmente viviam num ambiente pernicioso. Esta nota foi lida por uma assídua leitora da revista, a Sra. J. Hillyar, que era viúva de um clérigo anglicano, e que recentemente se havia unido, por meio do batismo, à igreja do Tabernáculo, segundo afirmam muitos de seus biógrafos. Esta irmã, que possuía abundantes bens em fortuna, começou a meditar e a orar acerca desta nota do pastor, sentindo pesar sobre sua consciência a responsabilidade em que estava, como mordomo do Senhor, de empregar, pelo menos em parte, seus bens na obra de Deus.
Depois de muito meditar, determinou-se em escrever a Spurgeon, pondo à sua disposição a quantia de vinte mil libras esterlinas (cem mil dólares aproximadamente) para a criação de um Orfanato, comprometendo-se a entregar-lhe a quantia inteira ao primeiro aviso. Um dos aspectos mais admiráveis da vida de Spurgeon, é seguramente, a facilidade e prontidão com que sempre encontrou corações e mãos abertas para ajudar-lhe em todas as obras que empreendia. Contudo, até agora nunca se lhe havia oferecido quantia alguma que tivesse a importância desta, e por isso, porque era essa uma manifestação do favor com que o Senhor lhe contemplava, se sentiu profundamente agradecido ao PaI das luzes, de quem procede toda dádiva e todo dom perfeito.
Porém, como falamos anteriormente, Spurgeon tinha muitas coisas importantes a atender, que reclamavam dele um trabalho persistente e um contínuo desvelo, e não se considerava em condições de lançar-se num novo compromisso e numa nova responsabilidade. Ademais, a criação de um Orfanato, era uma empresa gigantesca, que por si só requeria toda a consagrada atenção de um homem não medíocre, e grande quantias de dinheiro para sua manutenção. Em conseqüência, e como sempre havia simpatizado com a magnífica obra que estava efetuando Jorge Müller em seu orfanato de Bristol, sobre a qual Deus havia derramado suas bênçãos mais abundantes, escreveu a boa Sra. Hillyar, declinando a aceitação de seu oferecimento, e a responsabilidade que implicava, e aconselhando-lhe que fizesse essa doação ao Sr Müller, que seguramente a empregaria da melhor maneira.
Creu que com esta carta havia encerrado o assunto. Porém quase imediatamente recebeu uma segunda carta da mencionada Sra. na qual manifestava que Deus havia posto em seu coração entregar-lhe essa quantia para o fim indicado, e que caso não fosse ele o que ocuparia a direção desse assunto, essa quantia permaneceria em sua casa. Dessa maneira Spurgeon se viu obrigado a empreender a fundação do Orfanato, empresa à qual havia de entregar a melhor parte de seu coração, e que tanto havia de contribuir para o seu maior renome, pela amante devoção com que a atendeu e o enorme incremento que chegou a dar-lhe.
Nessas condições, não crendo estar autorizado a desalentar esta nobre cristã, nem a perder a grande oportunidade de fazer algo em benefício dos órfãos no nome do Senhor, Spurgeon se determinou a colocar as mãos à obra, com toda a confiança em Deus e o entusiasmo com que costumava fazer todas suas obras. De fato, reuniu os diáconos da igreja para estudar amplamente o assunto e dar os primeiros passos ao fim proposto. Nessa reunião se organizou um Comitê, ou Junta de Patronos, que elegeu Presidente a Spurgeon, e se começou a trabalhar em prol da organização do asilo.
Facilmente podemos imaginar todas as dificuldades que foi necessário vencer, e os múltiplos problemas que se apresentaram, porém este grupo de homens de boa vontade, à cabeça do qual se encontrava o irredutível Spurgeon, não era da madeira dos que se abatem diante dos primeiros obstáculos, ou se atemorizam diante dos contratempos. Sentindo que esses contratempos e dificuldades eram como poderosos aguilhões, seguiram adiante em seus nobres propósitos, e sua primeira providência foi adquirir um terreno nas cercanias do Tabernáculo, no lugar conhecido por Stockwell, na banda de Southwark, no qual havia capacidade suficiente para o conjunto de edifícios que se propunham levantar. Porque Spurgeon desejava seguir no orfanato para as crianças o mesmo plano de edificação que havia seguido no asilo de anciãs.
Porém, quando começaram a levantar os vários edifícios projetados, foi necessário enfrentar uma grande e inesperada dificuldade: os cem mil pesos da Sr Hillyar, que haviam sido entregues em ações da Ferrovia de Londres, tiveram uma enorme baixa, o que reduzia a quantia em muito. Havendo sofrido uma perda tão considerável, não era prudente tocar nestes fundos, e como eles eram os únicos com que se contavam no momento, parecia que o único caminho a seguir era desistir da idéia até que esses valores tivessem uma alta.
Contudo Spurgeon não poderia ficar tranqüilo e indiferente a esta espera, nem permitir que o que cria ser obra de Deus fosse impedida por um simples azar de bolsa. Sua grande fé, suas convicções, seu temperamento, tudo nele, se rebelava contra este estado de coisas, e por isso, diante da dificuldade surgida, se levantou sua fé e sua esperança em Deus, com  maior potência, se é que assim podemos expressar-nos. De nenhuma maneira podia permitir-se que a projetada obra ficasse estacionada por uma razão tão marcadamente humana. Imediatamente se reuniu a Junta de Patronos, e por sugestão de Spurgeon, concordaram em deixar os cem mil como doação do fundo de reserva do Orfanato, e proceder a buscar as quantias necessárias para a fabricação dos edifícios.
Como primeira providência, se fizeram ajustes com uma família cristã para que admitisse a seu seio quatro crianças, que até esse momento era preciso recolher e abrigar, e ao mesmo tempo Spurgeon, que cria na quase onipotência da oração, entregou-se intensamente a ela, derramando sua alma diante do altar de Deus, e conseguiu que os membros de sua boa igreja se alistassem num grupo de oração a favor deste objetivo específico. E Spurgeon, que tinha grandes experiências do poder da oração, pela maneira abundante com que Deus sempre havia respondido às suas, teve uma experiência maior e não menor, de tudo o que ela vale e significa, quando é feito com fé e com o fim de promover maior glória a Deus.
A prontidão e abundância com que começaram a chegar as doações para o Orfanato, logo que Spurgeon começou a anunciar a necessidade que delas haveria, é algo realmente assombroso. No mês de junho seguinte a recepção dos cem mil da parte da Sra Hillyar, Spurgeon escreveu: O Senhor está começando a Se mostrar a nós no assunto do Orfanato, porém até o presente ele não tem aberto as janelas do céu como desejamos e esperamos que o faça. Esperamos em oração e fé. Necessitamos, pelo menos, de dez mil libras para erigir os edifícios, e essa quantia virá, porque o Senhor responderá as orações de fé.
E em julho seguinte (1867) apareceu esta nota de Spurgeon em sua revista: Temos estado esperando no Senhor com fé e oração, no que se refere ao Orfanato, porém é sua vontade provar-nos no presente. Como não buscamos outra coisa que a glória de Deus, por meio da instrução dos órfãos no caminho do Senhor, tendo como objetivo a salvação de suas almas, haveríamos esperado que muitos dos que compõem o povo do Senhor, imediatamente houvessem visto a utilidade e o caráter prático desta empresa, e mandariam ajuda substanciosa em seguida. O caminho do Senhor, contudo é melhor, e nele nos regozijamos, seja qual for. Se este trabalho tem de ser efetuado com muito tempo, e esforços, que seja assim, se dessa maneira o nome do Senhor tem de ser magnificado. Temos conseguido que uma irmã recebesse quatro crianças em seu lar, até que os edifícios estejam prontos. Nossa amada irmã, tem entregue sua prata para que seja vendida para este objetivo, e ao assim fazê-lo, tem dado um grande exemplo a todos os crentes que têm sobra de prata, a qual deveria ser usada de melhor maneira, do que tê-la bem guardada num cofre.
E no mês seguinte fez este anúncio: Que estes fatos que relatamos este mês com profunda gratidão, fortaleçam a fé dos crentes. Em resposta às nossas orações fervorosas, o Senhor tem movido o seu povo a enviar, durante o mês passado, em diferentes quantias para o Orfanato, a quantia de mil e setenta e cinco libras, pelo que damos graças ao Senhor. De uma maneira mais especial vemos a graciosa mão de Deus nos seguintes incidentes: Uma irmã (a Sra Tyson) que freqüentemente nos tem ajudado na obra do Colégio, havendo podido celebrar o 25º dia do seu aniversário de casamento, seu esposo lhe presenteou com quinhentas libras, como prova de seu crescente amor por ela. Nossa  irmã nos tem chamado e dedicado as 500 libras para a construção das casas, para que se chame A Casa das Bodas de Prata. O Senhor, contudo tinha outra substanciosa doação preparada para alentar-nos em nossa obra, porque faz um dois dias um irmão, crente no Senhor, nos visitou para certo assunto e ao retirar-se, nos deixou a quantia de 600 libras que há de ser empregada noutra casa. Esta doação era tão inesperada como a anterior, aparte de que nossa fé espera que todas nossas necessidades serão supridas pelo Senhor, à sua maneira. No dia seguinte, quando estávamos pregando ao ar livre, uma irmã desconhecida, pôs em nossas mãos uma quantia de 200 libras para o Colégio, e mais 200 libras para o Orfanato. Quanto tem feito Deus!
Trinta dias depois, na revista que publicava nosso biografado, aparece a crônica da colocação da primeira pedra de quatro edifícios, o que se fez em meio da alegria que se é de supor. A primeira pedra da Casa das Bodas de Prata, colocada por C.H.Spurgeon, a da Casa dos Comerciantes, pela Sra Hillyar. A da Casa dos Obreiros, pelo Sr Guilherme Higges, e a da Casa da União, pelo Sr Thomas Olney, o decano dos diáconos da igreja do Tabernáculo. O Dr. Conwell, falando deste grande acontecimento disse: Celebraram a ocasião com uma grande reunião e discursos públicos, na qual se contribuiu com vinte e cinco mil libras. Logo em seguida com onze mil a mais, como conseqüência da reunião pública, celebrada para a colocação da primeira pedra.
Algum tempo depois, as igrejas batistas da Inglaterra, obsequiaram a Spurgeon com seis mil libras, como testemunho de admiração e carinho, quantia que logo foi aumentada a oito mil, porém Spurgeon, com aquele desprendimento que lhe era característico, não quis receber este dinheiro para si, e anunciou que com muito agradecimento o recebia para o Orfanato, e com ele se edificaram a duas Casas do Testemunho. A Escola Dominical do Tabernáculo, no dia onomástico de Spurgeon, 19 de junho de 1868, colocou a primeira pedra dos novos edifícios, pagando todo seu custo muito em breve, e os estudantes do Colégio de Pastores, uniram esforços para levantar outro edifício.
Desta maneira, seguindo o plano de edificação que se havia idealizado, todos os edifícios do Orfanato foram terminados em fins de 1869, com um custo total de mais de cinqüenta e uma mil libras. Nele ingressaram crianças às centenas, convertendo-lhe num dos asilos de órfãos de maior importância da Inglaterra, e talvez do mundo. Realmente parece impossível encontrar outra instituição de sua índole, de caráter particular que tenha se revestido da importância do Orfanato de Stockwell, nem ainda o de Jorge Muller em Bristol, nem pelo número de órfãos que recebeu, nem pela magnífica preparação intelectual, moral e religiosa que se lhes dava.
  O Orfanato era de caráter interdenominacional, porque Spurgeon opinava com razão que as diferenças sectárias não devem chegar até às questões beneficentes, já que a caridade deve ser feita às pessoas que necessitam dela, sem distinção de nenhum gênero. E esta característica do asilo fala muito a favor de seu fundador e diretor, que não obstante ser muito rígido nas questões doutrinais – tão rígido que por elas teve que travar mais de uma batalha – tinha uma tão grande amplitude de objetivos, e um conceito tão elevado e nobre da caridade cristã.
Em Stockwell não somente se recebiam os órfãos de pessoas pertencentes às diversas denominações evangélicas, como também a todas as classes sociais. Esta instituição está aberta a todas as classes da comunidade, dizia Spurgeon. Nenhuma seção da sociedade tem a preferência. Ao considerar as petições de órfãos, o posto que os pais ocupam na via, não tem influência para o Comitê. Para reforçar o que estamos falando, damos continuidade a um dos últimos informes acerca dos asilados:
Resumo de Admissões:

Londres 717
Interior 358
Gales 17
Escócia 1
Irlanda 2
Ilha de Wight 4

Total 1.099

Paternidade das Crianças:

Mecânicos 261
Empregados do comércio 171
Manufatureiros 161
Obreiros, porteiros e carretoneiros 159
Ferroviários e oficinistas 117
Marinheiros 38
Ministros e missionários 33
Viajantes comerciais 21
Camponeses e floristas 21
Empregados de Ferrovias 19
Cocheiros 18
Professores 17
Policiais e aduaneiros 13
Agentes comissionistas 11
Empregados de Correios 8
Médicos e dentistas 6
Periodistas 5
Soldados 2
Bombeiros 1
Arquitetos 1
Cavaleiros 1

Total 1.099

Profissão Religiosa dos Pais:

Igreja da Inglaterra 429
Batistas 264
Congregacionais 121
Wesleyanos 101
Presbiterianos 22
Católicos Romanos 8
Irmãos 4
Morávios 1
Cristãos da Bíblia 2
Sociedade de Amigos 1
Não especificados 151

Total 1.099

Até o ano de 1879, no Orfanato somente se haviam recebido meninos, porém desde este ano se viu a injustiça do exclusivismo, porque se havia muitos meninos que tinham necessidade de uma instituição como esta, também havia muitas meninas, e no caso de haver preferência, talvez, deveria ser a favor delas, que por sua própria condição, estavam em maior necessidade. Para Spurgeon e seus conselheiros, se fez muito claro que o plano usado até o presente não era o mais lógico e melhor, e determinaram variá-lo, no sentido de admitir meninas também. Porém para receber as meninas foi necessário construir uma nova série de edifícios.
Começou a ser feita uma campanha semelhante à que havia sido feita treze anos antes, a fim de obter as quantias necessárias para esses edifícios, e Deus tocou o coração dos seus, para com toda liberalidade contribuírem para o fim proposto. E assim, um ano depois, em 1880, começaram a construção.
Neste asilo não somente se dava alimento e abrigo às crianças, senão que também se atendia com esmero às suas necessidades intelectuais e espirituais; porque Spurgeon cria, mui razoavelmente, que satisfazer as necessidades materiais era fazer a obra pela metade, já que padeciam de outras necessidades mais vitais. E nesta conexão não é possível deixar de mencionar o nome do Pr Vernon J. Charlesworth, membro da igreja do Tabernáculo desde o primeiro ano da estada de Spurgeon em seu pastorado, que foi um consagrado irmão ,hábil e fiel colaborador de Spurgeon naquela obra de amor. Este bom irmão, desde o princípio soube granjear o carinho e o respeito das crianças, sendo sempre para elas, não apenas o diretor, mas o pai, o amigo, o conselheiro.
De acordo com a maneira de ser e de pensar de Spurgeon, a única disciplina que se empregava no Orfanato de Stockwell era a do amor. O método usado não era o do castigo, em nenhuma de suas classes, senão a palavra carinhosa, o trato mais amável, e a afetuosa persuasão. Para as crianças, Spurgeon era um verdadeiro amigo, ao qual sempre recebiam com manifestações de carinho, entre aplausos e um espontâneo e sincero júbilo.
Não temos amplos salões, nem vastas barracas, senão casas e famílias, á maneira da sociedade comum. A perda do lar e da influência paterna, é uma calamidade para a criança, e o mais sábio é diminuir esta perda tanto quanto possível, retendo a forma familiar de vida. Estando uma área de cerca de quatro acres, num dos mais saudáveis subúrbios de Londres, o Orfanato está admiravelmente adaptado a este propósito. Cada lar é completo em si, e cada lar tem sua mãe. As crianças comem numa sala comum, como famílias, e a comida das meninas era preparada em suas respectivas casas, e a regra era que tanto os meninos quanto as meninas ajudem em todos os afazeres domésticos. O culto familiar era celebrado em cada departamento pela manhã e à tarde, e as crianças aprendem o texto do dia, do Almanaque de Spurgeon. De acordo com nosso sistema, se faz possível a cuidadosa supervisão de cada criança e se obtém as melhores condições sanitárias, morais e religiosa. Ainda que não possamos mudar a natureza humana, nem fazer que as crianças sejam perfeitas, podemos fazê-los melhores em grupos familiares. O caráter individual se manifesta melhor nos pequenos grupos do que em grandes regimentos.
A instrução que era dada às crianças era bastante liberal. Um autor disse: as crianças são bem ensinadas nos conhecimentos elementares, como leitura, escritura, aritmética, gramática, história, geografia, música vocal, latim, taquigrafia, as ciências das coisas correntes e a Bíblia. Celebra-se uma classe de francês para os meninos maiores, e diariamente se lhes exercita nas táticas militares. Também se ensinava música e desenho.
No Orfanato não era ensinado ofício aos meninos, porém quando têm chegado à idade em que devem abandonar a instituição, de acordo com seu gostos e preferências, são empregados, recomendados por Spurgeon e seus amigos. Com a educação recebida, foram sempre cumpridores de seus deveres da maneira mais estrita, e muitos deles se encontram hoje pregando o evangelho eficientemente, ou desempenhando postos de importância no mercado de trabalho.
O ensino religioso que se dá às crianças é tão completo, e o exemplo que recebem é tão perfeito, que deles muitos têm ingressado na igreja, por meio de uma pessoal confissão de fé no Salvador. Nas sessões da Escola Dominical, nos cultos especiais que celebram no asilo, nas conversações particulares, em tudo, se tende à conversão das crianças, e os esforços que se fazem neste sentido não são em vão. Spurgeon cria da maneira mais absoluta que não somente de pão vive o homem, senão de toda palavra que sai da boca de Deus, e por isso se ocupava com atenção preferencial em promover o despertamento espiritual daqueles pequeninos seres que Deus havia posto sob seu abrigo e cuidado, e não desperdiçou oportunidade alguma para levá-los aos pés de Cristo.
Spurgeon costumava dizer que o Orfanato de Stockwell era  um argumento a favor de Deus, e ao dizê-lo tinha razão de sobra, já que sem a ação de Deus nele, esse asilo tão custoso, e que tão enormes quantias exigia para seu sustento, não haveria sido criado, nem conservado.


O TRABALHO DA ESPOSA CONSAGRADA

Deus que abençoou abundantemente a Spurgeon, na grande e valiosa obra que levou a cabo em seu nome, lhe abençoou também, e de maneira mais pródiga, no que se refere à sua família. De fato, teve somente dois filhos gêmeos, e os dois com o avançar do tempo ingressaram no ministério batista, e um deles se destacou tanto por sua eloqüência e capacidade, que quando seu tio homônimo, que havia estado à frente da igreja do Tabernáculo, após a morte de Spurgeon, deixou de existir, foi eleito para substituí-lo nesse pastorado, no qual tanto havia brilhado seu pai. Seu outro filho também desempenhou postos de importância no seio de sua denominação, e quanto à sua esposa, foi esta tão paciente, tão consagrada, tão fiel e amorosa que foi para ele a companheira ideal e uma colaboradora competente.
O dia que Spurgeon pregou pela primeira vez em Londres, na congregação se encontrava a jovem Susana Thompson, que ainda que não fosse membro da igreja, pois era congregacional, havia comparecido a fim de aumentar o número de ouvintes, para que o jovem pregador não ficasse decepcionado com a igreja vazia. Um amigo, que recordava perfeitamente os acontecimentos desse dia memorável, anos depois, que Susana havia dito: “Seria uma vergonha fazer vir um homem de longe, e que encontrasse a igreja pobremente lotada.”.
Esta era de família bem acomodada, seu pai um próspero comerciante da cidade, e havia recebido uma sólida e brilhante instrução, e uma magnífica educação religiosa. Vivia em meio das maiores comodidades, e brilhava em sua sociedade por seus gostos refinados e pela grande bondade de seu caráter, mais que pela beleza física. Era em suma, uma mulher a quem Deus havia adornado com as melhores prendas de coração e de caráter, preparada devidamente para brilhar em qualquer esfera.
Neste século, tem dito um conceituado escritor, quando a vida de cada jovem é um enigma por si mesma, porque depende tanto de circunstâncias que estão fora de seu domínio, que o seu futuro parece obscuro! Um moço pode abrigar uma razoável ambição e fazer prognósticos sobre seu futuro profissional. Mas a vida de uma mulher é mais incerta, porque depende em alto grau de aparência, hábitos e posição social de algum homem de quem, em sua juventude, pode não saber nada absolutamente.
  Essas devem ter sido as condições de Susana, quando viu pela primeira vez, a este jovem de pé no púlpito. Que ele poderia chegar a ser para ela algo mais que um mero conhecido, ou possivelmente seu pastor e conselheiro, era uma coisa que não poderia entrar em seu pensamento naqueles momentos, a menos que seus pensamentos tivessem vagueado nas mais extravagantes imaginações. Suas vidas eram muito diferentes; estavam muito separados.
Nessas correntes de amor que atraem e ligar solidamente um homem e uma mulher, fazendo-lhes viver uma mesma vida, suplementar-se e ajudar-se mutuamente, há algo de misterioso que a inteligência humana não pode analisar nem explicar; algo tão sutilmente incompreensível que a vista humana não pode sondar em suas profundezas. Querer que estas relações dependam de uma mera questão de convivência, é não conhecê-las, nem haver experimentado o poder avassalador, modelador, impulsor daquela força irresistível que se chama amor. Quando as relações conjugais não são um simples contrato civil, senão que o coração está envolvido, então não poderemos deixar de reconhecer que, por detrás dessas relações, há sempre algo de misterioso que nos faz pensar em uma divina providência, que tem estado atuando nos acontecimentos e inclinações da vida.
Deus havia eleito a esses dois seres, tão diferentes em muitos aspectos, não somente para que se unissem, mas para o que vale muito mais, para que se compreendessem, alentassem e se ajudassem mutuamente, por meio do profundo amor que os ligava, na santa causa de resgatar almas perdidas e apresentá-las ao comum Salvador. Na realidade, Susana Thompson era a mulher, precisamente, que Spurgeon necessitava para companheira da vida, mulher culta, de grande ternura de caráter, sábia no conselho, de seleto espírito cristão, obreira consagrada na vinha do Senhor.
Não é oportuno que entremos em divagações acerca do que Spurgeon houvera sido, ou houvera deixado de ser, por não ter se unido com esta santa mulher, porém é algo bem conhecido e que não admite dúvidas, que a mulher exerce sobre o homem uma grandíssima influência. E esta influência, guiada e santificada pelo mais terno e profundo amor, Susana a usou para polir o eleito de seu coração, para ser seu alento e conforto nos momentos de dificuldade, para inspirar-lhe e fortalecê-lo. A este respeito diz o Dr Thomas Armiage:
Ao estimar a honra, o poder e a obra do Sr Spurgeon, poucas pessoas levam em consideração as forças modeladoras e fortalecedoras utilizadas pela Sra Susana Spurgeon, a senhora eleita, que Deus lhe deu por esposa em 1856, quando ele se encontrava no vigésimo segundo ano de sua vida. Não houve nunca duas almas, desde a primeira brilhante manhã da criação, que fossem mais adaptadas uma à outra, que o Sr e a Sra Spurgeon. Ele era intrépido, ela tímida, ele era grande na ação, ela no sofrimento, ele era rude, brusco, chegou a alcançar tudo o que é honoravelmente desafiador no homem; ela tudo o que é suave e terno na mulher, ele tinha elevados dons, ela a mais delicada sensibilidade. Lhe amava com todo o coração. Completamente instruída e duplamente agraciada com toda virtude nobre e bela, criou ao seu redor uma atmosfera muito distinta que respirava fora do lar. Ele podia entender perfeitamente o que Salomão queria dizer quando disse que como o sol que se levanta nos altos céus, assim é a beleza de uma boa esposa na ordenação de sua casa. Amava as ocupações literárias de seu esposo, e lhe era uma hábil colaboradora com elas. Quando estava presente, ela era para ele como uma estrela na noite, como uma gota de orvalho.
A verdade é que a ajuda e simpatia da Sra Spurgeon foram incalculáveis na modelação do caráter e da vida de seu esposo, de tal maneira que ele nunca haveria podido chegar a ser o que foi sem ela. Enquanto que a cada passo de sua vida pública ele era alvo de todo ataque, ela, depois de Deus, era seu escudo e defesa. Sua benéfica e suavizadora influência sobre sua natureza rude, era semi-angélica. A história da vida de Spurgeon será agora um livro aberto para todos os tempos, porém sem ler cuidadosamente o capítulo da influência desta mulher em sua vida, quando menos, chegará a ser esse livro um imperfeito retrato dela.
Porém há necessidade de enfatizar algo relacionado com esta mulher, que dá maior importância à enorme obra que realizou: durante muitos anos esta nobre mulher, que reunia todas as condições humanas necessárias para que sua vida fosse feliz e alegre, padeceu de uma terrível paralisia, que a incapacitou para mover-se. Encravada em seu assento, durante longos anos, sofreu as mais intensas dores físicas, que em muitas ocasiões lhe haviam levado até mesmo à agonia. Ela mesma nos conta que por espaço de longo tempo não tem um dia bom, sem que as dores atacassem profundamente a sua carne. E a estas dores físicas se  uniam as morais, ao considerar que não poderia ser a obreira ativa e entusiasta que estava acostumada a ser, nem poderia ajudar a seu querido esposo, materialmente, em suas absorventes ocupações.
Contudo, em sua profunda fé em Deus, e em sua paciência cristã, encontrou sempre recursos suficientes para aquietar suas dores, elevando-se por sobre as coisas materiais e terrenas, para ocupar seu espírito e sua mente nas coisas divinas. Se suas dores físicas eram grandes, maior era sua confiança de que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, e que o Senhor, em seus inescrutáveis e sempre sábios desígnios, teria alguma razão de ordem elevada, para submetê-la à prova daquelas dores.
Porém, do que temos dito, não há que se imaginar, nem por um momento, que esta santa mulher permaneceria ociosa, que para o que quer, sempre há labores nobres e elevados em que se ocupar. Governava perfeitamente seu lar, dirigindo com suavidade, porém com energia os serviçais, que a respeitavam e queriam, e na qual havia cristãos para cuja conversão ela havia contribuído em grande parte, educando persistentemente a seus dois filhos gêmeos, pondo neles o fundamento daquele caráter cristão que logo chegaram a manifestar no mundo, e os preparava com todo o amoroso cuidado, para que quando seu querido esposo chegasse a seu lar, extenuado pelos trabalhos do dia, e talvez agoniado pelas dificuldades e contratempos, encontrasse nele tudo o que humanamente pode contribuir para a paz e quietude. Assim fez com que para Spurgeon, seu lar fosse realmente uma antecipação do céu, coisa que este assegurou muitas vezes, ao falar de tudo o que sua boa esposa significava para ele.
Porém, nossa nobre Susana, com tudo o que ela significou para Spurgeon, provavelmente haveria tido uma ligeira menção, como tanta e tantas outras esposas de pastores, boas e consagradas mulheres, sempre dispostas ao trabalho e ao sacrifício de não ter sido por aquelas duas agências, tão magníficas, que tiveram sua origem na ternura de seu grande coração, e que tantas horas de alegria e de  entretenimento deram a uma multidão de ministros evangélicos. Nos referimos aos chamados Fundo de Livros, e Fundo de Auxilio para os Ministros Pobres. Quanto ao Fundo de Livros, temos aqui como ela mesma relata sua origem:
Foi no verão de 1875 que meu querido esposo completou e publicou o primeiro volume de Discursos a Meus Estudantes. Lendo uma das provas, me senti tão enamorada do livro, que quando o querido autor me perguntou: Bem, você gostou? Eu respondi de todo coração: Gostaria de colocá-lo nas mãos de cada ministro da Inglaterra. Ao que ele afirmou: Quanto darás para este fim? Devo confessar que não estava preparada para tal pergunta. Teria o desejo da distribuição do precioso livro, porém ajudar em sua distribuição, ou contribuir para pagá-la, era coisa que não me havia ocorrido. Sabia que seria necessário uma pressão em alguma parte, porque o dinheiro não era muito abundante na época, porém, poder ver o rosto de meu querido esposo radiante à idéia de que eu poderia enviar o livro perto e longe, valia qualquer esforço, e o amor, muito mais que a obediência, me fez levar adiante o plano tão alegremente formado. Então, veio o admirável: constatei que o dinheiro estava pronto e esperando. No andar de cima, numa pequena gaveta, havia algumas coroas bem guardadas, as que, obedecendo a temores indevidos, vinha juntando por espaço de anos, sempre que se apresentava alguma em meu caminho. Contei essas moedas, e vi que somavam a quantia necessária para comprar cem exemplares do livro. Se uma sombra de desgosto passou sobre mim ao me separar de meu querido tesouro, logo desapareceu, e ele foi entregue livre e gratamente ao Senhor, e nesse momento, ainda que não o soubesse, o Fundo de Livros foi inaugurado.  
E em 1886, escrevendo na introdução ao livro Dez Anos Trabalhando no Fundo de Livros, escrito por sua esposa, Spurgeon  faz a seguinte apreciação daquela magnífica obra:
Agradecido louvo a bondade de nosso Pai celestial, que dirigiu minha querida esposa a uma obra que tem sido causa para seus amigos de um felicidade inenarrável. Que lhe tem custado mais dor do que podemos falar, é uma verdade; porém que lhe tem trazido alegria indizível, é também uma verdade. Nosso gracioso Senhor tem ministrado em sua filha que sofria, de maneira mais efetiva, quando bondosamente a levou a ministrar nas necessidades de seu serviço. Por este meio a chamou de sua tristeza pessoal, deu tom e concentração à sua vida, e a dirigiu a uma comunhão constante com Ele, e a elevou ao centro daquela região onde algo mais que as alegrias terrenas, reina supremamente.
Tenho de expressar minha convicção de que a obra do Fundo de Livros é muito necessária, tem sido grandemente útil, e todavia é muito demandada. Como podem muitos de nossos ministros comprar livros? Como podem os que se encontram nos povoados adquiri-los? Que chegarão a ser suas ministrações, se sua mente não é alimentada? Não é uma medida prudente, digna da atenção de todos os que desejam que as massas sejam influenciadas pela religião, que os pregadores que ocupam seu púlpito estejam providos de material novo?
Por meio do Fundo de Livros, não menos de doze mil ministros de todas as denominações têm sido providos de vários livros. Algumas vezes os homens têm sido ajudados em estudos especiais, pelos quais sentiam predileção.
Com o conhecimento da precária situação de grande número de obreiros, a Sra. Spurgeon conseguiu unir ao seu Fundo de Livros outra grande agência, tendente a fazer menos dolorosa as condições destes pobres ministros, e instituiu o que se chamava Fundo de Alívio Ministerial. Como seu nome o indica, este fundo tinha por finalidade prover aos pastores mais pobres, de roupas para eles e seus familiares, material de escritório e em muitos casos quantias com que atender a casos de emergência.
Quando se tomam em consideração todas as coisas, chega-se à convicção de que a obra efetuada por esta débil mulher, foi realmente assombrosa. Atendendo às dores de outras, esquecida de suas próprias dores, e atenuando o sofrimento alheio, o seu se fazia menos sensível. Não obstante sua debilidade, sua prostração e seus padecimentos, passava longas horas em seu escritório atendendo à maior eficácia destas duas grandes agências que bem podemos chamar de beneficentes.


FIM DE UMA BRILHANTE CARREIRA

Durante muitos anos Spurgeon padeceu de uma dolência pertinaz que cada dia se fazia mais aguda. A gota reumática, que havia herdado de seu avô, constantemente lhe mortificava, fazendo com que fosse necessário que anualmente se visse obrigado a passar longas temporadas no sul da França. A atmosfera deste lugar lhe era benigna, e destas férias forçadas, regressava sempre fortalecido e melhor, porém não curado. Além disso, o enorme trabalho que estava sobre seus ombros, a cada momento se fazia maior e mais pesado, ao ponto de que em 1886, o mesmo afirmou: Estou bem, porém esta obra gigantesca tem de abater-me mais cedo ou mais tarde, se o vento segue do Leste por muito tempo.
Nos últimos anos sua dolência se agravou grandemente, e ainda que suas viagens à França se faziam mais freqüentes, e sua boa esposa, médicos e amigos extremavam seus cuidados para com ele, previa claramente que o fim não estava longe. Via-se com toda claridade que o forte soldado, combatido por rudes tempestades, logo haveria de se abater. No começo do ano de 1891, sofreu um rude ataque de gota, complicado pela influenza e congestão de seus intestinos, o que o prostrou durante muitos dias. Este foi realmente o princípio do fim de sua carreira.
Por três meses, encontrando-se muito melhor, fez uma viagem a Stambourne, onde havia passado os melhores dias de sua infância, com o fim de tentar se restabelecer completamente. Ali, em companhia do venerável J. C. Houchin, estimado pastor daquela igreja, desfrutou de muitos momentos de verdadeiro regozijo espiritual. Estes dois homens de Deus se reuniam para passearem juntos pelo jardim da casa reitoral.
Porém, a agradável estada de Spurgeon em Stambourne não pôde ser de muita duração. No pouco tempo que ali se encontrava, um novo ataque de gota o fez se apressar a regressar ao seu lar, onde por espaço de longas semanas padeceu das mais agudas dores. Esta recaída chegou a se revestir de um caráter tão grave, que a notícia do perigo em que se encontrava se espalhou por todo o mundo cristão de fala inglesa, levando a todos os corações, tanto de amigos como de estranhos, a mais sincera ansiedade. Os periódicos de Londres publicavam diariamente notícias de seu estado, e a igreja do Tabernáculo Metropolitano dava ao público um boletim diário para informar sobre tudo o que se relacionava ao querido enfermo.
Foi nesta época em que aquele outro grande homem e fiel cristão, W. E. Gladstone, que fazia pouco havia passado pela dor de perder um de seus filhos, escreveu à esposa de Spurgeon a seguinte carta:
Estimada Sra, em meu lar, entenebrecido no momento, tenho lido com intenso interesse, as notícias diárias da enfermidade do Sr Spurgeon, e não posso deixar de lhe expressar a mais sincera simpatia, e de minha cordial admiração ao Sr Spurgeon, não somente por seus magníficos poderes, senão ainda mais pelo seu devoto e invariável caráter. Permita-me que humildemente os encomende, em todas as contingências aos infinitos tesouros do amor e da misericórdia divinos, e subscrevo-me, mui estimada Sra, sinceramente seu, W. E. Gladstone.
Em outubro deste mesmo ano de 1891, havendo-se recuperado bastante de sua dolência, os médicos e amigos lhe aconselharam outra viagem a Mentone, na França. Em meio a suas dores e sofrimentos, Deus lhe concedeu nesta ocasião um alegre privilégio, pois sua esposa que até agora não havia podido ir com ele à França em suas viagens anteriores, porém agora, por um milagre da providência, estava em condições de lhe poder acompanhar, ainda que não se encontrasse bem de todo. Com este grande gozo em seu coração, se dispôs a visitar a França, que tanto havia significado para a sua saúde, e da qual sempre havia regressado com novas energias. Pouco antes de embarcar escreveu a seguinte carta à sua igreja:
A meu querido rebanho do Tabernáculo Metropolitano. Queridos irmãos: Posto que todos vocês têm orado por mim tão intensamente, lhes suplico que comigo louvem ao Senhor de coração. Minha dor me dá esperanças de que quando me repor não estarei muito pior do que antes do terrível processo pelo qual tenho tido que passar. Oh! Magnifiquem o nome do Senhor comigo, e louvemos-lhe! Estou muito, muito débil, e a restauração à saúde tem de ser gradual. É inevitável que a temperatura baixa seja um grande perigo para mim por várias, razões, e por isso meus amigos médicos desejavam que saísse de Londres. Espero embarcar na segunda-eira dia 26.  Orem para que possa efetuar a viagem com segurança, e também a Sra Spurgeon. Cem milhas é uma frase muito séria para seres tão débeis. O Senhor levará a bom termo o que me concerne, e quando  eu regressar em paz, celebraremos um culto público de ação de graças, para bendizer e exaltar o nosso Deus. Eu os deixarei nas mãos do Senhor. Como igreja do Deus vivente, sois como uma cidade assentada sobre o monte, que não se pode esconder. O amor, unidade e oração e fé de vocês são conhecidos em todas as partes... Hão de haver algumas deficiências que acompanharão o meu regresso, porém façam com que estas sejam as menores possíveis... Deixo o rebanho com o Grande Pastor das ovelhas, e sei que serão cuidados e alimentados. O Senhor permita que, seja que eu fale ou esteja em silêncio, me regozije ou sofra, viva ou morra, tudo seja para a maior glória e progresso do evangelho. Sou devedor a todas as igrejas e a todas as classes da sociedade. A simpatia que se me mostrou diariamente, quase partiu meu coração de gratidão. Que sou eu? Uma coisa sei que sou: vosso servo em Cristo Jesus, e o mensageiro do Senhor a muitas, muitas almas que nunca viram meu rosto, porém que têm lido meus sermões. A vocês no Tabernáculo estou unido pelos mais estreitos laços. Que Deus os abençoe a todos. Vosso no comum Senhor, C.H. Spurgeon.
Na segunda-feira, 26 de outubro, como havia determinado, abandonou o lar ao qual nunca mais haveria de regressar, chegando a Calais. No dia seguinte continuou sua longa viagem, num coche pertencente ao Barão de Rothschild, que bondosamente o havia colocado à sua disposição. Desde Paris foi enviado à Inglaterra um telegrama, por uma pessoa que lhe viu ali, dizendo: Brilhava com claridade e gratidão, e disse que havia ganho, e não perdido forças na viagem. No dia seguinte o mesmo Spurgeon telegrafou: Chegado a Marsella confortavelmente, esposa fatigada. Estou melhor que à saída. Que todos louvem a Deus.
Nesta data Spurgeon contava somente com cinqüenta e sete anos de idade, e sua chegada a Mentone, não se considerando um ancião, e sabendo o beneficio que lhe fazia aquele clima, abrigava em seu coração a esperança de um pronto restabelecimento, depois do qual poderia entregar-se à obra que Deus lhe havia dado para fazer, e que ele amava com tanta intensidade. Porém, a providência de Deus havia determinado outra coisa, e estas esperanças haviam de se mostrar falidas, já que o fim de sua carreira estava próximo.
Durante os três meses entre sua chegada a Mentone e sua morte, semanalmente escreveu à sua congregação, epístolas carinhosas que eram lidas publicamente todos os domingos, às multidões que se reuniam no Tabernáculo Metropolitano. Estas cartas têm um grandíssimo valor histórico, e mostram o grande homem, em toda a formosura de sua seleta personalidade. Nelas se vê a esperança do pronto restabelecimento, a ânsia de se reunir com sua querida congregação, na casa de Deus para adorar-Lhe; o decremento físico do homem, o intenso anelo do progresso espiritual dos crentes, e sua disposição a aceitar, confiada e tranqüilamente a vontade de Deus, fosse esta qual fosse. Em 21 de dezembro de 1891 escreveu uma carta carinhosa às crianças do Orfanato, fazendo-lhes presente seu carinho, e dando-lhes saudáveis conselhos. A esta carta responderam as crianças com a seguinte missiva que demonstra o que Spurgeon era para eles:
Não lhe escrevemos quando esteve tão enfermo, porém oramos por você todos os dias. Temos estado tão contentes desde que soubemos que você estava melhor. Apenas sabemos que temos de mandar-lhe, porém agora estamos de acordo para lhe mandar umas flores inglesas, para que as use no dia de Natal. Você tem mais flores formosas na França, porém esperamos que lhe agradarão estas mais do que aquelas, por serem enviadas por seus amorosos meninos e meninas do orfanato. Damos graças à Sra Spurgeon, pelo amor que sente por nós, e nos sentimos muito contentes de que Deus lhe tenha melhorado o suficiente para poder lhe acompanhar a Mentone. Todos são muito bons para conosco, e você é nosso mais querido amigo na terra. Em nome dos meninos e meninas, Catalina Birshop, e Ernest Santiago Barson.
Parece que a última carta que Spurgeon escreveu à sua igreja é a que está datada de 15 de janeiro de 1892, em Mentone, ainda que é presumível que depois desta data ditou outras mensagens a seu secretário particular. Três dias antes deu um longo passeio no coche, e no dia 13 escreveu uma nota para sua revista, sobre A Bíblia e a Crítica Moderna. No dia 17 deste mês, havendo se reunido com ele alguns amigos, num culto familiar, fez a exposição do Salmo 103 e elevou a oração de clausura.
No dia seguinte (18 de janeiro de 1892) a gota lhe afetou a cabeça. O dia 26 foi marcado para trazer ao Tabernáculo as ofertas de ação de graças pelo parcial restabelecimento do pastor. Nesse dia Spurgeon ditou a seu secretário, o Sr. Harrald, o seguinte telegrama:
Eu e esposa, cem libras, sincera ação de graças, para gastos gerais do Tabernáculo. Carinho a todos os amigos... E então caiu na inconsciência, que continuou quase todo o tempo restante. Antes havia dito ao Sr Harrald: Minha obra tem terminado. E assim sucedeu.
Spurgeon faleceu no dia 31 de janeiro de 1892, às 11 horas e 20 minutos da noite, hora francesa, rodeado de sua esposas, que nestes momentos deu a melhor prova de seu grande espírito cristão, um de seus filhos, seu irmão e co-pastor, seu secretário particular e três ou quatro amigos carinhosos.
Sem que haja exagero nisso, podemos dizer que todo o mundo cristão lamentou profundamente a queda deste grande príncipe de Israel. Não em vão se chega à altura a que ascendeu, nem se efetua a enorme e grande obra que ele realizou. Os homens de seu caráter, que são verdadeiros valores morais, pesam grandemente na balança da consciência humana, e na história do mundo; não podem passar despercebidos nem ignorados; passam e se deixam sentir, e se apreciados são durante a vida mais compreendidos e apreciados depois da morte.
Tão logo cerrou os seus olhos à luz deste mundo, a notícia de seu falecimento foi comunicada a Londres, e de Londres a todas as partes do mundo civilizado. Tão numerosas foram as mensagens que se transmitiram neste dia em sinal de condolência, seja a Mentone, seja ao Tabernáculo Metropolitano, que o telégrafo foi empregado quase exclusivamente em sua transmissão. Muitos desses chegaram dos lugares mais distantes e extremos do mundo, e dentre os primeiros a chegar a Mentone, como sentido testemunho de condolência, se encontrava o do Príncipe e da Princesa de Gales.
Spurgeon dormiu no Senhor no domingo de 31 de janeiro, e a notícia de seu falecimento chegou a Londres na segunda-feira de primeiro de fevereiro, dia que por sugestão do próprio Spurgeon, havia sido marcado para fazer rogos especiais no Tabernáculo, pedindo que cessasse aquela terrível epidemia de influenza que, por espaço de largos meses, havia dizimado a população. Não obstante o fundo pesar que embargava aos numerosos concorrentes ao Tabernáculo, na densa atmosfera de recolhimento e tristeza que se pode imaginar, foram celebrados três cultos naquele dia, e um em cada noite daquela semana. O célebre pregador americano, Dr Arthur Pierson, que substituía interinamente o pastor, dirigiu todos estes cultos, e se pode imaginar o fundo pesar daquela congregação, composta de milhares de pessoas, que acabava de perder o amigo, irmão, conselheiro, pai espiritual e homem consagrado, eficiente e bom, que por espaço de trinta e sete longos anos, havia estado à sua frente, empregando seus raros e assombrosos poderes, em toda grande e nobre obra. Há que se pensar na profunda dor dos que haviam sido ganhos para Cristo, ou auxiliados em sua vida cristã, por sua instrumentalidade; nos estudantes do Colégio de Pastores, nos membros da Associação de Colportores, nas anciãs desvalidas, nos pobres órfãos.
Em Mentone, França, no dia 4 de fevereiro, foram celebrados cultos fúnebres na igreja Presbiteriana Escocesa, concorrendo a eles todos os elementos de maior significação social, política ou econômica da população, que não haviam aprendido a admirar a um verdadeiro amigo. Imediatamente depois destes serviços, o corpo de Spurgeon, encerrado num caixão de madeira de oliva, foi levado a Londres, via Dieppe e Have. Susana Spurgeon havia tornado público seu desejo de que não se enviassem flores, senão que o dinheiro que nelas fosse gasto, que se destinasse ao sustento do Orfanato de Stockwell. O único adorno, pois, que ostentava o sarcófago, era, uma formosa rama de palma oriental, que a amorosa companheira havia adquirido, e que representava a vitória alcançada por Spurgeon, nas lutas da vida, e sobre a morte.
À véspera da chegada do corpo a Londres, uma enorme multidão vestida de rigoroso luto, se reuniu no Tabernáculo Metropolitano, para a participação da Ceia do Senhor, e para um culto de preparação aos que haviam de vir. No dia 8 de fevereiro, às onze horas da manhã, chegou o trem fúnebre à estação Vitória de Londres, sob uma torrencial chuva que durou várias horas. Contudo, milhares e milhares de pessoas, afluíram à estação, para receber os restos mortais daquele que havia sabido abrir caminho até seu coração, e em meio de uma sincera manifestação de dor, interrompido o tráfego e descobertas todas as cabeças, o caixão foi levado aos ombros pelos estudantes do Colégio de Pastores, e levado até o carro que deveria conduzi-lo ao Tabernáculo, indo a multidão atrás.
O corpo foi velado no centro do Tabernáculo, e em frente ao púlpito, em que Spurgeon tantas vezes havia colocado sua Bíblia e suas mãos, foi colocado um busto em gesso do grande pregador, e junto a este as palavras do Apóstolo dos gentios, que Spurgeon fez suas nos últimos momentos de sua vida: “Combati o bom combate,  guardei a fé.”.
No dia 9 de janeiro, o Tabernáculo permaneceu aberto das sete da manhã até às sete da noite para que o corpo pudesse ser velado, e mais de sessenta mil compareceram ao templo neste dia.
O dia seguinte (10), foi o grande dia comemorativo. Pela manhã, os membros da igreja do Tabernáculo se reuniram, e o pastor Santiago A Spurgeon, com quem todos os corações estavam em simpatia, dirigiu o serviço. O Presidente Angus, do Colégio de Parque Regente, anterior pastor da igreja, fez algumas reminiscências dos dias passados, e apontou os deveres do presente. O Dr. Pierson leu uma carta da Sra Spurgeon, uma parte da qual transcrevemos adiante: Hoje, já se encontra há uma semana no céu. Oh, a alegria, a felicidade de contemplar o rosto do seu Salvador. Oh, as boas vindas ao lar, que o esperava quando abandonou esta pobre terra. Nem por um momento desejo que regressasse para o meu lado, ainda que seja para mim mais querido do que a língua possa expressar.
O Dr Pierson falou do Sr Spurgeon como evangelista, como pastor, e como crente.
O Sr. J. W. Harrald, seu secretário, falou daqueles três preciosos meses passados em Mentone.
No intervalo da tarde foi celebrada uma reunião da Associação Evangélica do Colégio de Pastores.
À tarde, ministros e estudantes, representando todas as seções da igreja, se reuniram no Tabernáculo. O Dr Maclaren de Manchester, falou do espírito, da fibra e do manancial de um ministério efetivo. Referindo-se à simplicidade da pregação de Spurgeon, disse: Eu não creio que haja verdade tão profunda que não possa encontrar expressão no idioma inglês que Bunyan e Spurgeon usaram. O cônego Fleming falou de sua amizade de vinte e cinco anos com o Sr Spurgeon. O Dr Monroe Gibson representou o Sínodo Presbiteriano Inglês, do qual era moderador, o Dr Heber Evans, a União Congregacional, e o Dr Stephenson, a Conferência Wesleyana. O Dr Pierson representou a América.
À noite, o edifício estava completamente cheio de obreiros cristãos de todas as denominações.
O último culto começou às 10 horas e 15 minutos da noite. O edifício ficou lotado daqueles a quem seus afazeres haviam feito impossível estar presentes durante o dia. Os Srs. Sankey, Fullerton, e J. Manton Smith foram os oradores.
No dia seguinte, 11 de fevereiro de 1892, foi realizado o sepultamento. Antes da saída foi cantado o hino The Sands of Time are Sinking, e o Dr Pierson pregou um magnífico sermão, e o Pr Newman Hall guiou a oração. Então, entre lágrimas e tristezas o caixão foi carregado e conduzido ao coche funerário, ao redor do qual faziam guarda de honra os estudantes do Colégio de Pastores. Ao longo do caminho por onde havia de passar o enterro, as casas apareciam enlutadas e os comércios fechados, e uma verdadeira corrente humana, enchia ambos os lados da via.
Aquela foi uma verdadeira manifestação de dor, espontânea e sincera, e tão grande como poucas vezes se havia visto outra igual em Londres, antes e depois;
No cemitério Norwood também esperava uma grande multidão. Antes de que a terra cobrisse os restos mortais, o Pr Archibaldo G. Brown, um dos primeiros graduados do Colégio de Pastores, e amigo dileto de Spurgeon, por espaço de um quarto de século, pronunciou um comovedor discurso, no qual se despediu com um até logo, do instrumento de sua conversão, de seu mestre, conselheiro, amigo, irmão e pastor. Este discurso, pronunciado enquanto lágrimas desciam pelo rosto do que falava, e que foi como o grito de uma alma ferida, avivou ainda mais a dor no coração dos que o escutaram, e trouxe novas e mais ardentes lágrimas a seus olhos.
O Dr Pierson, sem quase poder falar, tão grande era sua emoção, guiou a fervente oração, e o Dr Randall T. Davidson, Lord de Rochester, que havia pedido que se lhe concedesse este honroso privilégio, despediu a grande concorrência com a bênção apostólica. E o corpo do grande homem foi colocado em seu lugar de descanso terreno, junto ao sepulcro do grande missionário Moffatt, enquanto seu espírito se alegrava na presença de seu Senhor e Salvador, em meio das aclamações angélicas, nas mansões de luz e de felicidade.


APRECIAÇÃO DE UMA VIDA CONSAGRADA

 A morte de Spurgeon, anunciada aos quatro ventos submergiu em tristeza e pesar o mundo evangélico. Os homens do porte de Spurgeon não podem passar despercebidos, nem se ocultarem. Eles se destacaram sobre as massas humanas, fazendo-se notar e apreciar por seus contemporâneos.
Depois que Spurgeon morreu, toda a imprensa de fala inglesa, durante muitos dias ocupou-se em encher suas colunas com seus dados biográficos, com a enumeração e apreciação de sua obra, e estimação do seu caráter. Estes escritos se revestem de uma importância tão grande, em nossa maneira de ver, que não temos desejado deixar de citá-los nesta conexão, na segurança de que isso será do agrado do leitor, e para sua melhor compreensão do assunto que estamos tratando.
“O Espectador”, de caráter conservador unionista publicou:
As igrejas não conformistas, e na realidade todas as igrejas, têm perdido no Sr. Spurgeon um homem de consideráveis poderes e de imensa influência, tudo o que usou persistentemente para o bem. Foi provavelmente o pregador de maior êxito numa congregação de burgueses, e é fácil compreender o por quê. Existe a idéia de que os ingleses estão se tornando céticos, e no que se refere a uma seção dos cultos, a seção semi-socialista dos obreiros, até certo ponto, é verdade, porém a classe baixa, uma classe numerosa da sociedade inglesa, retem em sua maior parte, ainda que raramente a segue, a antiga fé. Seus membros crêem no evangelicismo, qualificado por um sentido estrito, e encontra nesse Evangelho uma regra suficiente de conduta para a maior parte das emergências da vida. Não desejam, portanto, que sua fé seja perturbada, ou que se faça dela uma exposição à maneira escocesa, senão que seja apresentada e expressada claramente, e aplicada a todas as contingências da vida, por um pregador que tenha dotes, e quanto maiores forem estes, melhor, porém, sem originalidade quanto ao pensamento religioso. Também desejam, e de todo coração, que seu pregador seja um homem que creia em sua mensagem mais sinceramente que sua própria congregação, que é visível e inequivocamente sincero em seu entusiasmo, que viva de acordo com seus princípios e ideais, e que tenha independência suficiente para denunciar a abjuração com energia. Em Spurgeon encontraram quem preenchia completamente estas condições. Dotado de uma voz superior, e possuidor de uma teologia que era exatamente a de sua congregação, o pregador derramava diante dela argumentos que nove vezes em dez não continham outra coisa que  em sentido comum, aplicado à religião, ou à conduta da vida, que eram tão apta e inteligentemente expressados, tão cálida em sua convicção, tão familiar, e contudo tão novo, que fizeram em todos os que o ouviram a impressão da maior eloqüência.  Esses pensamentos produziam a convicção, senão o despertamento, e fizeram que milhares de homens comuns, que algumas vezes se encontravam expostos em alto grau, às tentações correntes, fossem distintamente mais fortes para resistir a elas.
Seu inglês foi sempre admirável, ainda que algumas vezes não era refinado, era mestre no uso de felizes ilustrações, tiradas geralmente das coisas mais correntes, e sabia ser impressivo e abrir caminho à verdade até o coração com a maravilhosa força do que é inesperado. Não era um grande orador, porém para sua congregação era um pregador que convencia e despertava. A influência de suas palavras era, supostamente, ajudada por seu caráter e a independência de sua posição. Era a manifestação viril de um homem, que nunca estava em dúvidas, nem em cumplicidades, senão que dizia as coisas como as pensava, sem se importar com sua popularidade, e odiava as novidades que têm sido o costume desta última metade de século, agregar à lei cristã. Crendo na caridade a praticou, e deu o dinheiro com ambas as mãos; porém sustentava que o homem deve trabalhar para sustentar-se, e não ser uma carga à  comunidade, e chegou a odiar o sentimento moderno de “piedade”  para os preguiçosos e inúteis. Sua opinião quanto a todo gênero de mendigos, se encontrava expressada em sua teoria: “Deve ter paciência e piedade para com a pobreza; porém quanto aos preguiçosos, dêem-lhe um corretivo bem dado.”.  
O Sr Spurgeon foi também ajudado em sua independência, pela habilidade prática. Pessoalmente não lhe importava nada o dinheiro, podia dar como um príncipe, porém tinha a faculdade, que por tristeza se encontra em falta freqüentemente no ministério, de saber manejar empresas e coisas de grande importância pecuniária. Podiam lhe entregar milhares e milhares, e se podia ter a segurança, não somente de que não se apropriaria de nada, como também que usaria sabiamente o dinheiro, não gastaria nada em novidades e caprichos, e que teria um resultado tão seguro de seus gastos, como o comerciante que compra mercadoria.
Seus orfanatos são modelos de bom manejo. Sua independência chegou a se refletir em sua influência espiritual, ao ponto de que todos os que lhe ouviam tinham a impressão de que o que dizia era o que pensava, sem que houvesse nenhuma outra razão terrena para isso. O Sr Spurgeon foi um grande pregador, antes de tudo, porque cria e porque tinha os dotes necessários para sê-lo, porém seus dotes eram aumentados visivelmente por seu caráter, por sua integridade, por sua habilidade, tanto como por sua determinada independência.”.
“O Vozeiro, gladstoniano-liberal, publicou o seguinte:
“Os tributos, que se têm pago ao Sr Spurgeon pela imprensa de todos os setores de opinião, têm sido tão generosos a par de serem justos, que deixam muito pouco a dizer àqueles que o tinham numa especial estima. A sua era uma grande e impressiva individualidade, e a deixou sentir na imaginação de seus concidadãos, como nenhum outro dos eclesiásticos de sua época puderam fazê-lo. E isto pôde fazê-lo somente em virtude de seus méritos e condições como ministro da igreja à qual pertenceu. O Sr Spurgeon era o pastor do Tabernáculo, e o chefe das organizações que havia reunido gradualmente ao redor do seu local de adoração. Contudo, sua morte é geralmente considerada como uma perda para toda a nação, e os periódicos de todos os partidos e seitas, se unem entre si para tributar honra à sua memória.
Qual foi o êxito na vida deste grande homem? Inquestionavelmente o êxito do Sr Spurgeon foi o resultado de seu maravilhoso poder como pregador. Faz alguns meses que dissemos, quando ele se encontrava grandemente enfermo, que entre os oradores naturais desta geração ocupava o segundo lugar depois do Sr Bright. Agora vemos que algumas pessoas se inclinam a diminuir o seu poder de oratória. Tal coisa pode ser atribuída somente a que essas pessoas não têm estado sob a vara do mágico. Ninguém que tenha estado porá em dúvida o fato de que o Sr Spurgeon foi dotado de condições como orador, tais como é provável  que nenhum outro homem de sua época possuía. Não houve ninguém que fosse semelhante a ele no púlpito.
Embora outras igrejas tivessem oradores de uma eloqüência dificilmente inferior à do Sr Spurgeon, como se explica que jamais ganharam o coração do povo da Grã Bretanha, como ele ganhou? O Dr Liddon, cujo nome ocorre tão naturalmente quando falamos de eloqüência, o bispo Alexander, o Arcebispo Magee, e muitos outros, poderiam facilmente competir, no que se refere aos meros dons da eloqüência, com o pastor do Tabernáculo. Contudo, nenhum deles alcançou sua posição na vida inglesa, nem nada que se pareceu a isso. Sem que isto signifique falta de respeito a estes homens eminentes, temos que dizer que o triunfo do Sr Spurgeon, seu êxito sem rival em reter o coração de um grandíssimo número de seus concidadãos, deveu-se a seu caráter. Isso não se deveu meramente à sua eloqüência religiosa, não se deveu certamente à superior intelectualidade em relação a outros mestres e pregadores, porém nele se tinha confiança, e era estimado muito mais que todos eles. Deveu-se a que o grande público inglês havia chegado à conclusão de que ele era absolutamente sincero, simples, sem pretensões pessoais, e invariável. Tem havido pregadores de raros dons, nas igrejas livres da Inglaterra e Escócia, que reuniram grandes multidões onde quer que fossem, que tinham um grupo de fiéis admiradores, porém que nunca puderam tocar, ou chegar ao público numeroso, por causa de certa suspeita de charlatanice, ou de vaidade da pessoal atração a eles. Durante os últimos trinta anos o Sr Spurgeon tem estado livre da mais ligeira sugestão de uma tal suspeita, tanto como era possível que o estivesse qualquer outro homem, e em todas as partes os homens têm reconhecido que se encontrava ao serviço de seu Mestre, e não ao seu próprio.
Neste triunfo do caráter pessoal, e não em qualquer das outras fases da obra de sua vida, podemos encontrar o assombroso êxito de sua carreira. Outro traço sobressaente foi a austera fidelidade que demonstrou desde o princípio ao credo puritano de seus antepassados. Para com ele, quando menos, não havia tropeços com as dúvidas modernas, com as modernas  especulações, os novos descobrimentos da ciência, nem a alta crítica. Nem por um só momento fraquejou em sua convicção de que a verdade que havia ouvido sendo um menino, não era toda a verdade. Para o Sr Spurgeon, como para todos nós, novas estrelas podem surgir na existência, porém, para sua mente, elas não poderiam ter mais que um propósito e uma missão: a renovação e maior glória do Sol de sua adoração. Algumas vezes sucede numa era incrédula, o que é pior, uma era indiferente e inveterada, que nos encontramos com uma personalidade cuja fé possa resistir a todos os assaltos, cuja confiança permanece irremovível, ainda que todo o mundo tivesse que se voltar contra ela. E o credo a que se apegou o Sr Spurgeon, com ardente amor e confiança, era o credo de que a grande massa do povo inglês havia sido ensinada a aceitar desde a mais tenra idade. É de estranhar que quando o antigo Puritanismo foi pregado, não somente com eloqüência, senão com o genuíno fervor da convicção, o pregador retivesse a seu redor milhares e milhares, que encontraram nele o campeão e guia que haviam esperado por muito tempo, orando por sua vinda?
Foi por isso que o bom homem que é chorado hoje, ganhou, não somente a admiração, senão também a confiança e o afeto de homens e mulheres, cujo número não pode ser contado, e que podem ser encontrados em todos os rincões da terra, onde se fala o inglês. E ao ministrar a milhares de milhares à sua maneira, semana após semana, em todas as verdades espirituais, exerceu sua influência sobre todos aqueles que tinham pouca simpatia ao seu credo. Uma influência que não pode ser calculada, e que foi sempre exercida para o bem. No momento, sua perda parece quase irreparável, não somente para sua congregação, como também para Londres, e para o país.”.







3 - Biografia de Daniel Rowlands

por  J. C. Ryle

Um dos maiores campeões espirituais do último século, o qual desejo introduzir aos meus leitores neste capítulo, é alguém muito pouco conhecido. O homem a quem me refiro é Daniel Rowlands, de Llangeitho, em Cardiganshire. Eu suspeito que milhares dentre os meus conterrâneos que sabem alguma coisa a respeito de Whitefield, Wesley e Romaine, nem mesmo ouviram falar do nome do grande apóstolo de Gales.
Ninguém deveria se surpreender com isso. Rowlands era um ministro galês, e raramente pregava em língua inglesa. Ele residiu em uma parte muito remota do Reino Unido, e é difícil que sequer tenha vindo à Londres. Seu ministério foi realizado quase que inteiramente entre as classes média e baixa em cerca de cinco condados. Só estas circunstâncias já são suficientes para explicar o fato de que tão poucas pessoas sabem alguma coisa sobre ele. Quaisquer que possam ser as causas, não há muitos ingleses que entendam galês ou que possam sequer pronunciar os nomes das paróquias onde Rowlands costumava pregar. A luz destas circunstâncias, não devemos nos surpreender se sua reputação ficou confinada à sua terra natal.
Em adição a isso, devemos lembrar que nenhum relato biográfico de Rowlands jamais foi escrito por seus contemporâneos. Material para tal relato foi coletado por um de seus filhos e remetido à Lady Huntigdon. Desafortunadamente a morte dela, logo depois, impediu que este material fosse usado; e nunca se soube o que aconteceu com ele depois de sua morte. As únicas memórias de Rowlands são duas biografias escritas por ministros que ainda estão vivos. Ambas são excelentes e úteis para o que se propõem, mas, certamente, têm a desvantagem de terem sido escritas muito tempo depois que os assuntos que tratam ocorreram. [1]
Estes dois volumes e algumas valiosas informações que consegui obter de um gentil correspondente em Gales são as únicas fontes sobre o assunto aos quais tive acesso para esboçar esta memória.
Suficiente, entretanto, e mais do que suficiente existe para provar que Daniel Rowlands, no sentido mais elevado, foi um dos gigantes espirituais do século passado. O fato é que Lady Huntingdon, se não houver outro meio de julgar ministros, tinha a mais elevada opinião de Rowlands. Poucas pessoas tiveram melhor oportunidade para formar um julgamento de pregadores do que ela, e ela considerava Rowlands o segundo, ultrapassado apenas por Whitefield. O fato é que nenhum pregador britânico do século passado reuniu em um distrito tão grande congregação de almas por cinqüenta anos como Rowlands fez. O fato é, acima de tudo, que nenhum homem há cem anos atrás parecia pregar com tal indiscutível poder do Espírito Santo acompanhando-o como Rowlands. Estes grandes fatos isolados não podem ser questionados. Como os poucos ossos espalhados dos extintos mamutes e mastodontes, eles falam volumes a todos os que têm ouvidos para ouvir. Eles nos dizem que ao considerar e examinar a vida de Daniel Rowlands, nós não estamos lidando com um homem comum.
Daniel Rowlands nasceu no ano de 1713, em Panty-Beudy, na paróquia de Llancwnlle, perto de Llangeitho, em Cardiganshire. Ele era o segundo filho do Rev. Daniel Rowlands, Reitor de Llangeitho, e Jennet, sua esposa. Quando criança, aos três anos de idade, ele escapou por pouco de morrer, como John Wesley. Uma grande pedra caiu da chaminé no preciso lugar onde ele estivera sentado dois minutos antes, a qual, se ele não tivesse providencialmente mudado de lugar, certamente o teria matado. Nada mais se sabe a respeito dos seus primeiros vinte anos de vida, exceto que ele recebeu sua educação em Hereford Grammar School, e que perdeu seu pai quando tinha dezoito anos de idade. Parece, por uma placa (inscrição) na igreja de Llangeitho, que quando Rowlands nasceu seu pai tinha cinqüenta e quatro anos e sua mãe, quarenta e cinco. Logo, a morte do seu pai provavelmente não foi um evento prematuro, visto que deve ter atingido a idade de sessenta e dois anos.
Por uma razão ou outra que não podemos precisar, Rowlands parece não ter ido a nenhuma universidade. A morte do seu pai pode ter interferido na situação da família. De qualquer modo, o próximo fato que ouvimos sobre ele após a morte de seu pai é sua ordenação em Londres, com a pouca idade de vinte anos, no ano de 1733. Ele foi ordenado por cartas demissórias do Bispo de St. David, e é recordado como uma prova curiosa tanto de sua pobreza como de sua diligência de caráter, que ele foi a Londres a pé.
O posto para o qual Rowlands foi ordenado foi o de curador de seu irmão mais velho, John, o qual havia sucedido seu pai, e era o responsável pelas três localidades vizinhas de Llangeitho, Llancwnlle e Llandewidrefi. Ele parece ter iniciado seu ministério como milhares em sua época - sem o menor sentido de suas responsabilidades e totalmente ignorante do Evangelho de Cristo. De acordo com Owen, ele era um bom erudito clássico, e havia progredido rapidamente em todo o estudo secular, em Hereford School. Mas, na vizinhança onde ele nasceu e iniciou seu ministério, é relatado que ele nunca deu nenhuma prova de estar habilitado para ser um ministro. Ele era conhecido apenas como um homem de notável vivacidade natural, de estatura mediana, de constituição firme, de ação rápida e ágil, muito destro, e bem-sucedido em todos os jogos e diversões desportivas, e tão pronto quanto qualquer outro a, após realizar seus deveres na igreja, no domingo de manhã, gastar o resto do dia do Senhor nos esportes e festanças, quando não em bebedice.
Este foi o caráter do grande apóstolo de Gales, por algum tempo, mesmo após sua ordenação! Ele era o tipo de pessoa que depois não poderia esquecer as palavras de Paulo aos Coríntios ‘‘ tais fostes alguns de vós '' (1 Co 6:11), ou duvidar da possibilidade de conversão de qualquer pessoa.
O tempo preciso e a forma como Rowlands se converteu são pontos envolvidos em muita obscuridade. De acordo com Morgan, a primeira coisa que o despertou de seu torpor espiritual foi a descoberta de que por melhor que tentasse pregar, ele não podia evitar que nenhuma de suas congregações fossem completamente esvaziadas por um ministro dissidente chamado Pugh. Diz-se que isto fez com que ele alterasse seus sermões, e adotasse um estilo mais vivo e urgente de pregação. De acordo com Owen, ele primeiramente caiu em si ao ouvir um excelente e bem conhecido ministro, chamado Griffith-Jones, pregar em Llandewibrefi. É dito que nesta ocasião, seu comportamento ao se encontrar no meio do povo diante do púlpito era tão cheio de vaidade, soberba e leviandade que o Sr. Jones parou o seu sermão, e orou especialmente por ele, a fim de que Deus tocasse o seu coração e fizesse dele um instrumento para transportar almas das trevas para a luz. Diz-se que esta oração teve um imenso efeito sobre Rowlands e que ele passou a ser um homem diferente a partir daquele dia. Eu não tentarei conciliar os dois relatos. Eu bem posso acreditar que ambos são verdadeiros. Quando o Espírito Santo toma em mãos a conversão de uma alma, ele freqüentemente ocasiona uma variedade de circunstâncias que concorrem e cooperam em produzi-la. Isto, eu estou certo, é o testemunho de todo crente experimentado. Owen soube de alguns fatos e Morgan de outros. Ambos, provavelmente, aconteceram ao mesmo tempo e ambos provavelmente são verdadeiros.
De qualquer modo uma coisa é certa. A partir de 1738, quando Rowlands tinha vinte e cinco anos, uma completa transformação ocorreu em sua vida e ministério. Ele começou a pregar como um homem com sério ardor, e a falar e a agir como alguém que havia descoberto que pecado, morte, julgamento, céu, inferno, eram grandes realidades. Agraciado mais do que a maioria dos homens, com qualificações físicas e mentais para a obra de púlpito, ele começou a consagrar-se totalmente a isto, e atirou-se de corpo, alma e mente aos seus sermões. A conseqüência, como era de se esperar, foi um enorme grau de popularidade. As igrejas onde ele pregava ficavam superlotadas. O efeito do seu ministério no que diz respeito ao despertamento de pecadores, foi alguma coisa tremenda. ‘‘A impressão'', diz Morgan, ‘‘no coração da maioria das pessoas era de terror e desespero, como se eles estivessem vendo o fim do mundo aproximando-se e o inferno pronto para tragá-los. Sua fama cedo se espalhou por todo o condado, e as pessoas vinham de todas as partes para ouvi-lo. Não apenas as igrejas ficavam cheias, mas também a área ao redor delas. E dito que sob profunda convicção, um bom número de pessoas prostrava-se no chão ao redor da igreja de Llancwnlle, e não era fácil para uma pessoa passar sem chocar-se com alguns deles.''
Nesta época, por mais curioso que possa parecer, fica claro que Rowlands não pregava todo o Evangelho. Seu testemunho era indubitavelmente verdadeiro, mas ainda assim, não era toda a verdade. Ele pintava a espiritualidade e o poder condenatório da Lei com cores tão vivas que seus ouvintes tremiam diante dele e clamavam por misericórdia. Mas ele não havia ainda exaltado a Cristo em toda sua plenitude, como um refúgio, um médico, um redentor e um amigo; por isso, embora muitos fossem feridos, não eram curados. Por quanto tempo ele pregou deste modo é difícil de dizer, devido ao tempo que nos separa. Até onde eu posso determinar, comparando datas, isto durou cerca de quatro anos. A obra que ele fez para Deus neste período, eu não tenho dúvida, foi extremamente útil, como uma preparação para a mensagem que pregaria depois. Eu particularmente acredito que há lugares, tempos, épocas e congregações nos quais uma poderosa pregação da Lei é de grande valor. Eu suspeito fortemente que muitas pregações evangélicas nos dias presentes seriam imensamente beneficiadas por uma ampla e poderosa exibição da Lei de Deus. Mas que houve muita Lei na pregação de Rowlands durante os quatro anos que seguiram sua conversão, tanto para o seu próprio conforto quanto para o bem de seus ouvintes, é muito evidente através dos relatos fragmentários que restam do seu ministério.
O modo pelo qual a mente de Rowlands foi gradualmente dirigida à plena luz do Evangelho não tem sido totalmente explicado por seus biógrafos. Talvez a explicação mais simples seja encontrada nas palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, ‘‘ se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina '' (Jo 7:17). Rowlands, evidentemente, foi um homem que viveu honestamente à altura da luz que tinha, e prosseguiu em conhecer ao Senhor. Seu Mestre cuidou a fim de que ele não andasse por muito tempo em trevas, mas mostrou-lhe a ‘‘luz da vida''. Um dos principais instrumentos para guiá-lo a toda verdade foi o mesmo Sr. Pugh, o qual anteriormente havia esvaziado sua congregação. Ele se interessou bastante por Rowlands neste período crítico de sua história espiritual e lhe deu muitos conselhos excelentes. ‘‘Pregue o Evangelho, caro senhor'', ele dizia; ‘‘pregue o Evangelho ao povo, e aplique o bálsamo de Gileade, o sangue de Cristo, às suas feridas espirituais, e mostre a necessidade de fé no Salvador crucificado.'' Felizes, na verdade, são os jovens ministros que têm um Áquila ou uma Priscila perto deles, e ao receberem bons conselhos, desejam ouvi-lo! A amizade do eminente leigo Howel Harris, com o qual Rowlands teve contato durante esta época foi, sem dúvida, uma grande ajuda adicional à sua alma. De um modo ou de outro, o grande apóstolo de Gales foi gradualmente conduzido à plena luz da verdade de Cristo; e ao redor do ano de 1742, aos trinta anos de idade, estabeleceu-se como um pregador de um evangelho singularmente pleno, livre, claro e bem balanceado.
O efeito do ministério de Rowlands deste tempo em diante até o fim de sua vida foi algo tão vasto e prodigioso, que quase tira a respiração ouvir sobre ele. Infelizmente nós vemos tão poucas influências espirituais nos dias de hoje, e as operações do espírito Santo parecem confinadas dentro de limites tão estreitos e alcançar tão poucas pessoas, que os frutos colhidos em Llangeitho, há cem anos atrás soam quase que inacreditáveis. Mas a evidência dos resultados de sua pregação é tão abundante e incontestável que não há lugar para dúvidas. Um testemunho universal consiste no fato de que Rowlands foi uma bênção para centenas de almas. Pessoas costumavam se aglomerar para ouvi-lo pregar de todas as partes do Reino, e não se importavam em viajar cinqüenta ou sessenta milhas para este propósito. Não era incomum, nos domingos de Santa Ceia, ele ter mil e quinhentos, dois mil ou até dois mil e quinhentos comungantes! As pessoas, nestas ocasiões, iam juntas, em grupos, como os judeus subindo para a festa no templo em Jerusalém. Retornavam depois para casa cantando hinos e Salmos na viagem, sem atentar para a fadiga.
E inútil tentar atribuir estes efeitos do ministério do grande pregador de Gales, como muitos fazem, a excitamento religioso. Estas pessoas fariam bem em lembrar-se que a influência que Rowlands tinha sobre seus ouvintes não desvaneceu por pelo menos quarenta e oito anos. Ela, sem dúvida, teve seus fluxos e refluxos, e elevou-se em diversas ocasiões à primavera dos reavivamentos; mas, em tempo algum, seu ministério deixa de apresentar resultados imensos e sem paralelo. De acordo com Charles of Bala e muitas outras testemunhas inquestionáveis, seu ministério parecia tão atrativo e eficaz quando ele tinha setenta anos de idade, quanto quando tinha cinqüenta. Quando, além disso, recordamos o fato singular que pelo menos aos domingos, Rowlands muito dificilmente ausentava-se de Llangeitho, e que por quarenta e oito anos ele esteve constantemente pregando no mesmo lugar, ao invés de pregar sempre para congregações novas como Whitefield e Wesley, nós certamente devemos admitir que poucos pregadores obtiveram tal extraordinário sucesso espiritual desde os dias dos apóstolos.
Certamente seria absurdo dizer que não houve excitamento, crentes não sadios, hipocrisia e fogo falso entre os milhares que se aglomeravam para ouvir Rowlands. Houve muito, sem dúvida, como sempre haverá quando grandes massas de pessoas reúnem-se juntas. Talvez nada seja tão contagioso quanto um tipo de cristianismo simulado e sensacional, e particularmente entre pessoas sem instrução e ignorantes. Os galeses também são notoriamente um povo excitável. Ninguém, entretanto, estava mais plenamente despertado para estes perigos do que o próprio grande pregador, e ninguém poderia advertir seus ouvintes mais incessantemente de que o cristianismo que não era prático era inútil e vão. Apesar de tudo, entretanto. os efeitos do ministério de Rowlands foram claros e palpáveis demais para serem equivocados. Há clara e abundante evidência de que as vidas de muitos de seus ouvintes foram grandemente transformadas depois que o ouviram pregar, e que o pecado foi refreado, e que um distinto conhecimento do Cristianismo cresceu a um ponto surpreendente por todo o Reino.
Nenhum cristão ficará surpreendido em ouvir que desde muito cedo Rowlands descobriu que era impossível confinar seus labores à sua própria paróquia. O estado do país era tão deplorável no que diz respeito à religião e à moralidade, e as solicitações que ele recebia por ajuda eram tantas, que ele sentiu que não tinha escolha nesta questão. As circunstâncias sobre as quais ele começou a pregar fora de sua própria vizinhança, segundo descreve Owen, são tão interessantes que eu transcreverei suas palavras na íntegra: ‘‘Havia uma esposa de um fazendeiro em Ystradffin, no condado de Carmarthen, que tinha uma irmã morando perto de Llangeitho. Esta mulher ocasionalmente vinha ver sua irmã; e em uma destas ocasiões, ela ouviu algumas coisas estranhas a respeito do ministro da paróquia - isto é - Rowlands. Dizia-se comumente que ele não era bom da cabeça. Não obstante, ela foi ouvi-lo, e não foi em vão; mas ela não falou nada à sua irmã nem a ninguém mais acerca do sermão, e retornou para casa para sua família. No domingo seguinte ela voltou à casa de sua irmã em Llangeitho. “O que foi que houve?”, disse sua irmã com grande surpresa. “Seu marido e seus filhos estão bem?” Ela temia por vê-la novamente tão cedo e inesperadamente que alguma coisa ruim houvesse acontecido. “Oh, não”, foi a resposta, “nada disso está fora de ordem”. Novamente ele perguntou: “Então qual é o problema?” Ao que ela respondeu: “Eu não sei bem qual é o problema. Alguma coisa que o seu ministro maluco disse no domingo passado trouxe-me aqui novamente. Isto grudou na minha mente durante toda a semana, e não me deixou por um momento nem de noite nem de dia.” Ela foi ouvi-lo novamente, e continuou a vir todo domingo, embora a estrada fosse difícil e montanhosa, e sua casa ficasse a mais de vinte milhas de Llangeitho.
‘‘Depois de ouvir Rowlands continuamente por cerca de meio ano, ela sentiu um forte desejo de convidá-lo para ir pregar em Ystrandffin. Ela decidiu que iria tentar; e depois do culto em um domingo, ela foi a Rowlands e o interpelou da seguinte maneira: “Senhor, se o que o Sr. diz é verdade, há muitos na minha região em uma situação muito perigosa, caminhando rapidamente para a miséria eterna. Por amor às almas deles, venha até nós, senhor, para pregar a eles.” O pedido da mulher pegou Rowlands de surpresa; mas sem um momento de hesitação ele disse rápido como era seu costume: “Está bem, eu irei, se você conseguir a permissão do ministro de sua paróquia.” Isto satisfez a mulher, e ela retornou para casa tão feliz quanto se houvesse encontrado um tesouro. Ela aproveitou a primeira oportunidade para pedir a permissão do seu ministro, e facilmente teve sucesso. No domingo seguinte ela foi alegremente a Llangeitho, e informou Rowlands sobre o seu sucesso. Cumprindo sua promessa ele foi e pregou em Ystrandffin, e seu primeiro sermão ali foi maravilhosamente abençoado. Diz-se que não menos do que trinta pessoas foram convertidas naquele dia! Depois disso, muitos deles vinham ouvi-lo regularmente em Llangeitho.''
Deste tempo em diante, Rowlands nunca hesitou em pregar fora de sua própria paróquia, sempre que uma porta se abrisse. Quando podia ele pregava em igrejas. Quando as igrejas lhe estavam fechadas ele pregava em uma sala, em um celeiro, ou a céu aberto. Entretanto, em nenhuma época de sua vida ministerial ele pareceu ser tão itinerante quanto alguns de seus contemporâneos. Ele corretamente achava que os ouvintes do Evangelho precisavam ser tão edificados quanto despertados, e para este trabalho ele era peculiarmente bem qualificado. Assim, o que quer que ele fizesse nos dias de semana, o domingo geralmente o encontrava em Llangeitho.
As circunstâncias nas quais ele começou a pregar em campo aberto foram não menos interessantes do que aquelas em que foi chamado para pregar em Ystrandffin. Parece que após sua própria conversão ele sentiu grande ansiedade a respeito da condição espiritual de seus velhos companheiros de pecado e tolices. A maioria deles eram jovens tão cabeça-duras que não gostavam de ouvir seus penetrantes sermões e se recusavam até mesmo a ir à igreja. ‘‘O costume deles'', diz Owen, ‘‘era ir aos domingos a um lugar apropriado em uma das montanhas próximas de Llangeitho, e ali se distraírem com esportes e jogos.'' Rowlands tentou por todos os meios acabar com esta pecaminosa profanação do dia do Senhor, mas por algum tempo falhou completamente. Por fim, decidiu ir lá ele mesmo em um domingo. Visto que aqueles rebeldes contra Deus não vinham a ele, na igreja, ele resolveu ir aonde estavam. Assim, ele foi e subitamente entrou no ringue quando acontecia uma briga de galo, e falou-lhes poderosa e ousadamente sobre a pecaminosidade da conduta deles. O efeito foi tão grande que nenhuma boca se abriu para responder-lhe ou opor-se a ele, e daquele dia em diante eles desistiram definitivamente daqueles encontros no dia do Senhor. Rowlands nunca mais hesitou, pelo resto de sua vida, sempre que a ocasião requeria, pregar em céu aberto.
O ministério extra-paroquial que Rowlands realizou através de sua pregação itinerante foi cuidadosamente acompanhado para não permitir que caísse por terra. Ninguém melhor do que ele compreendia que as almas requerem quase tanta atenção depois que são despertadas quanto antes, e que na lavoura espiritual há necessidade de regar assim como de plantar. Assim, ajudado por alguns zelosos colaboradores, tanto leigos quanto ministros, ele estabeleceu um sistema regular de sociedades, de acordo com o esquema de John Wesley, por toda parte de Gales, através do qual ele conseguia manter constante contato com todos os que valorizavam o Evangelho que ele pregava, e mantê-los juntos. Estas sociedades eram todas conectadas com uma grande associação que se reunia quatro vezes por ano, e da qual ele era geralmente o moderador. A influência destes encontros da associação pode ser medida pelo fato de que mais cem ministros no Reino o consideravam como seu pai espiritual! Desde o início essa associação parece ter sido uma instituição muito sabiamente organizada e útil, e a ela pode ser atribuída a existência do Calvinismo Metodista em Gales nos dias de hoje.
O poderoso instrumento que Deus empregou para realizar toda boa obra que venho descrevendo não pôde fazê-la sem muitas provocações. Com o propósito sábio e bom, sem dúvida, - de mantê-lo humilde em meio ao seu imenso sucesso e prevenir que fosse demasiadamente exaltado - ele foi chamado a beber muitos cálices amargos. Como seu Mestre divino, ele foi ‘‘um homem de sofrimentos e de muitas tristezas''. A maior destas provações, sem dúvida, foi a sua expulsão da Igreja da Inglaterra em 1763, depois de servi-la fielmente por quase nada, como um ministro ordenado por trinta anos. O modo pelo qual este desastroso acontecimento ocorreu, foi tão notável que merece ser descrito na íntegra.
Deve-se lembrar que Rowlands nunca foi o encarregado de uma paróquia. Desde o tempo de sua ordenação em 1733, ele foi simplesmente curador de Llangeitho, sob a autoridade de seu irmão John, até a época da morte dele em 1760. Que tipo de ministro foi seu irmão mais velho, não é muito claro. Ele morreu afogado em Aberystwinth, e nós só sabemos que por vinte e sete anos ele parece ter deixado tudo nas mãos de Daniel em Llangeitho, e ter permitido que ele fizesse o que queria. Por ocasião da morte de John Rowlands, o Bispo de St. David, que era patrono de Llangeitho, foi solicitado a dar o lugar ao seu irmão Daniel, devido à óbvia razão que ele vinha servindo a paróquia como curador por não menos de vinte e sete anos! Infelizmente o bispo recusou-se a atender a solicitação, alegando como desculpa que ele havia recebido muitas queixas quanto às suas irregularidades. Ele tomou a decisão mais simples de dar o lugar a John, o filho de Daniel Rowlands, um jovem homem de vinte e sete anos de idade. O resultado desse procedimento muito esquisito foi que Daniel Rowlands tornou-se curador de seu próprio filho, assim como havia sido curador de seu próprio irmão, e continuou seus labores em Llangeitho por mais três anos ininterruptamente.
Não é difícil de imaginar as razões que levaram o Bispo de St. David a se recusar a dar a Rowlands o living (incumbência) de Llangeitho. Ele sabia que enquanto ele fosse apenas um curador, ele poderia facilmente silenciá-lo. Uma vez que Rowlands fosse designado e empossado como o encarregado, ele ocuparia uma posição da qual não poderia ser removido a não ser com muita dificuldade. Influenciado, provavelmente, por algumas considerações, deste tipo, o bispo permitiu que Rowlands continuasse pregando em Llangeitho como curador de seu próprio filho, advertindo-o ao mesmo tempo que o clero de Gales estava constantemente queixando-se de suas irregularidades, e que ele não poderia passar por cima delas por muito tempo. Deve ser lembrado que estas ‘‘irregularidades'' não eram nem embriaguês, nem a quebra do sétimo mandamento, caça, tiro ao alvo, ou jogo! A sua única ofensa era pregar fora de sua própria paróquia, sempre que podia conseguir ouvintes! Às ameaças do bispo, Rowlands respondeu ‘‘que ele não tinha em vista a não ser a glória de Deus na salvação de pecadores, e visto que seus labores haviam sido tão abençoados, ele não poderia desistir deles''.
O passo fatal foi dado, finalmente, em 1763. O bispo mandou a Rowlands um mandato revogando sua licença, sendo que foi tolo o suficiente para mandar entregá-la em um domingo! A sobrinha de uma testemunha ocular do fato descreve o que aconteceu nas seguintes palavras: ‘‘Meu tio estava na Igreja de Llangeitho naquela manhã exata. Um estranho foi a frente e entregou ao Sr. Rowlands uma notificação do bispo, exatamente no momento exato em que subia ao púlpito. O Sr. Rowlands leu-a, e comunicou ao povo que a carta que ele acabara de receber era do bispo, revogando sua licença. Então o Sr. Rowlands disse: 'Nós devemos obedecer às autoridades superiores. Assim, eu peço que saiam calmamente, e então concluiremos o culto da manhã fora da igreja.' E assim eles saíram, chorando e soluçando. Meu tio achou que não havia um olho seco na igreja naquele momento. Desse modo, o Sr. Rowlands pregou fora da igreja com extraordinário efeito.''
É literalmente difícil de conceber um exercício do poder episcopal mais inoportuno e errôneo do que este! Aí estava um homem de dons e virtudes singulares que não tinha nenhuma objeção quanto aos Artigos e Livro de Orações, expulso da Igreja da Inglaterra, por nenhuma outra razão, a não ser excesso de zelo. E esta objeção ocorreu em uma época quando grande número de ministros galeses negligenciavam vergonhosamente seus deveres, e eram freqüentemente beberrões, jogadores e homens dedicados apenas aos esportes, se não pior! Que o bispo depois se arrependeu amargamente do que fez é, na verdade, um consolo muito pobre. Era tarde demais. O mal já havia sido feito. Rowlands foi colocado para fora da Igreja da Inglaterra, e um número imenso dentre o seu povo por toda Gales o seguiu. Uma ruptura foi feita na Igreja Estabelecida, a qual provavelmente nunca mais será sanada. Enquanto houver mundo, a Igreja da Inglaterra em Gales jamais se eximirá da injúria feita a ela através da despropositada e estúpida revogação da licença de Daniel Rowlands.
Há muitas razões para crer que Rowlands sentiu profundamente sua expulsão. Entretanto, isto não fez diferença alguma em sua linha de ação. Seus amigos e seguidores logo lhe construíram uma grande e cômoda capela na paróquia de Llangeitho, e migraram para lá como um corpo. Ele nem mesmo a reitoria (deixar o local em que morava), pois seu filho, sendo reitor permitiu que ele permanecesse ali enquanto viveu. Na verdade, foi a Igreja da Inglaterra que perdeu tudo ao expulsá-lo, e não ganhou absolutamente nada. O grande pregador de Gales não foi silenciado praticamente por um só dia, e a Igreja da Inglaterra apenas colheu frutos de opróbrio e desagrado em Gales, que está produzindo frutos até hoje.
Desde a época de sua expulsão até a sua morte, o curso da vida de Rowlands parece ter sido sereno num grau comparativo. Não mais perseguido e esnobado por superiores eclesiásticos, ele prosseguiu seu caminho por vinte e sete anos em grande quietude, popularidade não diminuída, e imensa utilidade, morrendo finalmente na reitoria de Llangeitho no dia 16 de outubro de 1790, com a avançada idade de setenta e sete anos.
‘‘Ele esteve doente durante o último ano de sua vida'', diz Morgan, ‘‘mas em condições de continuar seu ministério em Llangeitho, embora raramente fosse a qualquer outro lugar. Era seu desejo particular que pudesse deixar seu ministério diretamente para seu descanso eterno, sem ficar por muito tempo em um leito de morte. Aprouve ao seu Pai Celestial atender seu desejo, e quando sua partida estava se aproximando, ele teve a agradável idéia de que seu fim estava se aproximando.''
Um de seus filhos fornece o seguinte interessante relato dos seus últimos dias: ‘‘Meu pai fez as seguintes observações, em seu sermão dois domingos antes da sua partida. Ele disse: 'Eu estou quase partindo, e a ponto de ser tomado de entre vocês. Eu não estou cansado da obra, mas na obra. Tenho o pressentimento de que o meu Pai Celestial cedo me aposentará dos meus labores, e me lavará para meu descanso eterno. Mas espero que Ele permanecerá com Sua graciosa presença entre vocês depois que eu vá.' Ele nos disse, conversando sobre sua partida, após o culto no domingo passado, que ele gostaria de morrer de modo calmo e sereno, e que esperava não ser perturbado por nossos lamentos e prantos. Ele acrescentou, ‘‘eu não tenho nada mais para apresentar a fim de ser aceito por Deus, do que tenho sempre apresentado: 'eu morro como um pobre pecador, dependendo total e inteiramente dos méritos de um Salvador crucificado para ser aceito por Deus.' Nas suas últimas horas ele usou freqüentemente a expressão, em latim, que Wesley usou em seu leito de morte - 'Deus seja conosco', e finalmente partiu em grande paz.''
Rowlands foi enterrado em Llangeitho, no lado oeste da igreja. Seus inimigos puderam expulsá-lo do púlpito, mas não dos jardins (cemitério) da igreja. Um antigo habitante da paróquia, agora com oitenta e cinco anos, diz: ‘‘Eu me lembro muito bem de sua tumba, e muitas vezes li a inscrição, seu nome e idade, com o de sua esposa, Eleonor, que morreu um ano e dois meses depois do marido. A pedra foi colocada sobre uma parede de três pés de altura, mas agora se encontra gasta pelas mãos do tempo.''
Rowlands foi casado. Acredita-se que sua esposa tenha sido a filha do Dr. Davies de Glynwchaf, perto de Llangeitho. Ele teve sete filhos que sobreviveram a ele e dois que morreram na infância. O que aconteceu com sua família, e se houve descendentes diretos dele, eu não pude descobrir com certeza.
O retrato dele que é encontrado em frente à página de título de suas biografias escritas por Morgan e Owen, dá a idéia de que Rowlands era um homem sério, de aparência solene. Este retrato foi provavelmente tirado do retrato que Lady Huntingdon mandou um artista fazer bem no fim de sua vida. O digno e idoso santo não gostou de modo algum que o retratassem. ‘‘Por que o senhor faz objeção?”, disse finalmente o artista. ‘‘Por que?'', replicou o velho homem com grande ênfase; ‘‘Eu sou apenas um pouco de barro, como você mesmo.'' E então exclamou: “Essa não! Essa não! Essa não! Fazer um retrato de um pobre pecador! Essa não! Essa não!” ‘‘Seu semblante'', diz Morgan, ‘‘logo fechou, e esta é a razão pela qual a pintura parece tão pesada e abatida.''
Eu ainda tenho outras coisas para dizer sobre Rowlands. Sua pregação e muitas histórias características a seu respeito merecem menção especial. Mas eu reservarei estes assuntos para o capítulo seguinte.

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[Tradução incompleta]
* Traduzido por Paulo R. B. Anglada, a partir de J. C. Ryle, Christian Leaders of 18th. Century (reprint, Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1978), 180-215. Tradução incompleta.
[1] As memórias de Rowlands às quais me refiro são dois pequenos volumes escritos pelo Rev. John Owen, Reitor de Thrussington, e o Rev. E. Morgan, Vigário de Syston, ambos no condado de Leicester. As informações privadas que recebi foram supridas por um parente do grande apóstolo de Gales, embora não em linha direta, o Rev. William Rowlands, de Fishguard, no sul de Gales. Alguns outros poucos fatos que podem interessar aos meus leitores, vem de um idoso homem de oitenta e cinco anos, o qual, quando criança, ouviu Rowlands pregar.
  





4 - Dispenseiro da Multiforme Graça: Um pouco da vida de Jonathan Edwards

por  Rosalee Appleby

“Há duas maneiras de representar e recomendar uma religião verdadeira e seu poder no mundo: pelo ensino e pelo exemplo duma vida. Ambas são abundantemente exemplificadas nas Escrituras Sagradas”. 
Isto Jonathan Edwards escreveu, e ele mesmo demonstrou-lhe a veracidade. Raras vezes, olhando para todo o passado, achamos outro homem que conhecia tão bem as Escrituras e ao mesmo tempo exibia seus ensinamentos numa vida tão santa, como o grande avivalista americano do século dezoito. Era brilhante de intelecto, poderoso em escrever e santo em todo o seu modo de viver. 
Jonathan entrou para a Universidade de Yale com doze anos de idade e, aos dezesseis, formou-se com as mais altas honras. Tinha por costume, durante sua vida, passar treze horas por dia em seu gabinete, em estudos, meditação e comunhão com Deus. Combinou o preparo intelectual com profundas experiências, durante o Avivamento que veio à América por meio de seu maravilhoso ministério. Nasceu três meses depois de John Wesley, 5 de outubro de 1703, e foi um instrumento escolhido para uma Visitação Divina na América, enquanto John Wesley estava sendo usado para despertar a Inglaterra. 
Ainda na meninice, lia obras de pensadores profundos, deleitando-se nelas e em experiências graciosas. Edwards muito cedo penetrava nas doutrinas bíblicas, não meramente no conhecimento intelectual, mas naquela compreensão espiritual que vem do Espírito Santo. 

CONVERSÃO 
“Eu tive muita preocupação a respeito de minha alma, desde a infância, mas passei duas épocas de vivificação antes da experiência de ser transformado, a qual me trouxe nova disposição e entendimento das coisas espirituais. A primeira vez foi na meninice, antes de entrar para a Universidade. Aconteceu durante um Avivamento poderoso na igreja de meu pai. Naquele tempo preocupavam-me constantemente as coisas religiosas e a salvação de minha alma. Era ativo no serviço do Reino; orava secretamente cinco vezes por dia. Eu e colegas de escola contruímos um abrigo numa floresta como esconderijo para oração. Além disso, eu tinha outros lugares para intercessão escondidos no bosque, aonde ia sozinho e ficava quebrantado em súplicas diante de Deus”. 
Apesar do lar exemplar de Jonathan – era filho dum ministro – e apesar de suas muitas preocupações espirituais, ele somente foi convertido na mocidade. Formou-se na Universidade aos dezesseis anos, ficando depois mais dois anos em preparo para o ministério. Durante o tempo na Universidade, disse ele, sentiu grande ansiedade, especialmente nos últimos anos, quando foi atacado de pleurisia, que quase o levou deste mundo. “Deus sacudiu-me em cima do abismo do inferno. Assim fui levado a buscar a salvação de modo nunca usado antes. Senti o desejo de me separar de todas as coisas deste mundo por causa de Cristo. A busca da salvação tornou-se a preocupação principal de minha vida”. 
“Desde aquele tempo comecei a ter uma nova compreensão e novas idéias sobre Cristo, Sua obra redentora e a maravilha do Seu plano de salvação. Uma doce sensibilidade vinha à minha alma, de vez em quando, e eu exultava na meditação sobre isso. Tinha grande desejo de passar meu tempo a ler e meditar sobre a beleza e o esplendor de Jesus, a excelência de Sua pessoa, e o caminho da salvação pela graça. Não encontrava quaisquer livros tão agradáveis como aqueles que tratavam destes assuntos. As palavras de Cantares 2:1 me deleitavam: “Eu sou a Rosa de Sarom, o lírio dos vales”. Parecia que este verso expressava a formosura e encanto de Cristo. Mas se estava alegre em sentir-me tão bem, não me sentia satisfeito. Havia anelos profundos da alma para Deus e Seu Filho, por mais santidade. Às vezes meu coração estava tão cheio que quase se arrebentava. Isto me trazia à memória o que dissera o salmista: “A minha alma está quebrantada de desejar”. Sentia tristeza em não ter voltado para Deus mais cedo, para ter tido mais tempo de crescer na graça. Gastava horas em pensar sobre as coisas divinas, muitas vezes andando pelas florestas e lugares solitários, em meditação, comunhão e súplicas a Deus. Em qualquer lugar onde estivesse, petições de minha alma subiam ao Trono. A oração me era tão natural como o respirar, e um modo de satisfazer meu coração ardente de amor. O deleite que agora sentia nas coisas de religião era bem mais diferente daquele que experimentara na meninice, como um cego antes de enxergar, não tendo noção das cores, tão belas e agradáveis. O gozo, agora, nas meditações espirituais era mais puro, mais íntimo, mais completo”. 

NO MINISTÉRIO 
Jonathan Edwards, que contava somente dezenove anos quando foi licenciado a fim de pregar o evangelho, escreveu setenta resoluções que alguém disse ser “o sumário mais inspirado do dever cristão, o compêndio mais poderoso de padrão evangélico que a mente do homem até agora tem expressado”. Algumas destas regras para a disciplina da própria vida eram: 
Nunca fazer coisa alguma, seja do corpo ou alma, senão aquela que glorifique a Deus, nem permitir tal coisa quando houver possibilidade de impedi-la. 
Nunca perder um momento de tempo, mas usá-lo como proveito à medida das possibilidades. 
Viver abundantemente durante esta vida aqui no mundo. 
Estudar as Escrituras tão ardente, constante e freqüentemente, que seja possível perceber um crescimento no conhecimento delas. 
Procurar, cada semana, crescer em espiritualidade e na experiência da graça divina. 
Nunca falar coisa alguma de alguém, incompatível com o mais alto padrão de honra. 
Agir do mesmo modo que faria se já tivesse visto a felicidade do céu ou o terror do inferno. 
Nunca fazer coisa alguma que não faria se já estivesse na hora de ouvir a última trombeta, no Dia do Juízo. 

SANTIFICAÇÃO DA VIDA 
Nesse tempo, Edwards escreveu: “Queimava em meu coração o desejo de ser em tudo um crente completo, conformado à bendita semelhança de Cristo e de modo que pudesse viver, em todas as coisas, segundo as regras puras e abençoadas do evangelho”. 
Jonathan viveu uma vida de simplicidade e disciplina em seu lar. Casou-se com uma bela moça, culta e consagrada – uma verdadeira companheira, que sabia compartilhar de seus ideais e entender suas experiências espirituais. Oito filhas e três filhos nasceram a este feliz casal. Sua vida diária foi tão bem planejada que se diz ter feito ele, em poucos anos, o que outros não fizeram durante uma vida longa. Levantava-se às quatro ou cinco horas da madrugada e, metodicamente, marcava tempos definidos para orar três vezes ao dia. “Edwards reconhecia que o poder do ministério de um homem não está em proporção com sua atividade, mas com sua comunhão com Deus e seu entendimento espiritual da verdade. Se alguém tivesse dúvida de tais costumes no ministério, estudasse os resultados que acompanham este modo de viver”. 
Por meio da oração e através da pregação poderosa, um Despertamento começou a ser sentido. A respeito, disse Edwards: “De repente, veio sobre o povo uma convicção profunda, uma preocupação séria a respeito de religião e de coisas eternas, tornando-se isto geral na cidade, entre pessoas de todas as idades ou posições sociais. O ruído entre ossos secos tornava-se cada vez mais acentuado. Conversas fora do espiritual ou de coisas eternas eram rejeitadas. Em qualquer grupo e em todas as ocasiões só se falava nestas coisas exceto quando havia necessidade de tratar de negócios. A mentalidade popular foi elevada acima de tudo quanto era mundano”. 
“Quase não havia uma só pessoa, jovem ou velha, que não estivesse profundamente interessada nas verdades eternas. Aqueles que se haviam revelado mais vaidosos e descuidados, aqueles que tinham falado levianamente de uma religião vital e experimental eram agora despertados. A conversão de almas continuou de modo maravilhoso, aumentando dia a dia. Almas em massa vieram a Jesus Cristo. Durante dias e meses, contemplamos pecadores saindo das trevas para Sua maravilhosa luz, tirados “dum lago horrível, dum charco de lodo”, para terem seus pés firmados sobre uma rocha, e seus passos firmados pelo Salvador. 
Uma carta circular, assinada pelos ministros, apelando por oração, ajudou a espalhar o avivamento por outros lugares. Um pastor, que mais tarde tornou-se presidente da “Princeton University”, escreveu: “Grande número de pessoas vinha diariamente a seu pastor pedir conselhos sobre coisas eternas. Maior número veio em três meses para esse fim do que viera em trinta anos antes”. 
“Esta obra de Deus continuou, e o número de santos verdadeiros, multiplicado, fez em pouco tempo uma alteração gloriosa na cidade (Northampton). Assim, durante a primavera e o verão seguintes (1735), a cidade parecia cheia da presença divina. Ela nunca estivera tão cheia de amor, prazer e alegria, mas ao mesmo tempo tão cheia de ansiedade. Quando se reunia, a mocidade gastava seu tempo em conversar sobre a excelência de Cristo e seu amor; a glória do caminho da salvação e a graça soberana de Deus; Sua obra gloriosa em converter almas, a veracidade da Bíblia, Sua perfeição, etc. Até nas ocasiões de casamento, as quais, antes eram tempo somente para prazeres e diversões, aproveitava-se a oportunidade para discutir sobre religião, com toda seriedade”. 
Quando encontramos um homem escolhido por Deus para a vinda dum Despertamento espiritual a um país, vale a pena estudar-lhe a vida. Edwards escreveu: “A santidade de Deus sempre Se revelou em mim como atributo sublime de Seu carácter. As doutrinas da soberania divina, a graça livre em mostrar misericórdia a quem Ele deseja manifestá-la e a dependência do homem da operação do Espírito Santo têm-se-me revelado como doutrinas gloriosas. Tenho amado as doutrinas do Evangelho. Considero o Evangelho um rico tesouro, o tesouro que mais hei desejado. O caminho da salvação em Cristo é para mim glorioso e excelente, agradável e bel”o. 
“Por muitas vezes tenho estado cônscio da glória da Terceira Pessoa da Trindade, de Sua obra santificadora, de Suas operações santas, comunicando à alma luz e vida divinas. Deus, na dádiva do Seu Santo Espírito, tem-Se revelado como uma fonte infinita de glória e doçura, suficiente para encher e satisfazer a alma, derramando sobre nós aquela gloriosa comunhão, como o sol em todo o seu esplendor difunde luz e vida. Vem sobre mim uma sensibilidade da excelência da Bíblia, como a luz da vida. Sinto fome da Palavra, desejando que ela habite ricamente em meu coração”. 
Mais de duzentos anos são passados desde o tempo de Jonathan Edwards. Vivemos numa época mais necessitada de um Avivamento Espiritual do que aquela em que ele viveu. Temos o mesmo Deus, com o mesmo poder e desejo de nos abençoar. O que nos falta, hoje, não está do lado divino, mas do humano – um instrumento preparado, um profeta que venha de Deus, um homem em cuja vida o poder do Alto tenha livre curso. Que Deus levante nesta hora, em nosso Brasil, homens para a brecha, atalaias para o muro, arautos para um novo dia! 
  





5 - Richard Baxter - Naquele Tempo Havia Gigantes na Terra

Paulo R. B. Anglada

A estatura espiritual de Richard Baxter está fora de questão. Mesmo vivendo em uma época em que havia “gigantes na terra”, tais como John Owen e Thomas Goodwin, a sua estatura espiritual era tal que o fazia sobressair-se. Não obstante, Baxter é um gigante quase desconhecido no Brasil. Só para se ter uma idéia, é reconhecido que, um século depois dele ter realizado seu ministério em Kidderminster, ainda podia ser percebida a extraordinária transformação que a cidade experimentou como resultado da sua vida e obra ali.
Entretanto, obra maior ainda foi realizada através de seus escritos. John Owen e Thomas Goodwin estão entre os escritores mais copiosos do século XVII; mas ele, Baxter, produziu aproximadamente o dobro desses autores. Cerca de 168 tratados - boa parte volumosos, conhecidos e apreciados - foram escritos por este gigante puritano do século XVII.
Certamente será de grande utilidade conhecermos um pouco da vida, ministério e obras deste autor, cujos primeiros escritos, somente agora, mais de trezentos anos depois, estão começando a ser traduzidos e publicados na língua portuguesa pelas editoras PES e Clássicos Evangélicos.

VIDA E MINISTÉRIO

Nascimento e Formação

Baxter nasceu em Rowtan, na Inglaterra, no dia 12 de novembro de 1615. Sua mãe chamava-se Adeney. Seu pai, dono de uma pequena propriedade, tinha o mesmo nome que o filho, Richard Baxter, e foi um homem sóbrio, respeitável e religioso. Visto que não dispunha de recursos para mandar o filho a uma universidade, o pai de Baxter contratou os serviços de instrutores particulares para educar o filho. O país não experimentava, então, uma boa época no que diz respeito à religião e à moral, e os instrutores de Baxter refletiam essas características. Mas, como o homem não é tão produto do meio conforme comumente se pensa, o jovem Baxter superou exemplarmente as deficiências religiosas, morais e até mesmo intelectuais de seus instrutores. Assim, mesmo sem ter o privilégio de freqüentar uma universidade, é reconhecido que Baxter “alcançou conhecimento mais variado e substancial do homem e das coisas, dos livros e sistemas, de princípios e caráter, do que milhares que respiraram por dez ou quinze anos os ares universitários”.
Com a idade de dezoito anos, Baxter teve a oportunidade de freqüentar a corte. Bastou um mês para que se decepcionasse com o que lá viu, e a abandonasse, retornando aos estudos. É possível que os autores que já havia lido a esta altura, tais como Burney, Richard Sibbes e William Perkins, tenham ajudado na formação do seu caráter piedoso e a tomar decisão tão acertada.

Ordenação e Início do Ministério

Enfermo, consciente de suas deficiências, mas profundamente desejoso de ser útil às almas que pereciam por falta de conhecimento, Baxter foi ordenado com apenas vinte e um anos de idade. Dudley foi seu primeiro campo ministerial. Ali ensinou em uma escola e pregou o Evangelho por nove meses. Ali também teve contato com os não-conformistas, passando a aprofundar suas leituras sobre o assunto, o que o levou a questionar a sensatez da sua ordenação com tão pouca idade, e sem que tivesse amadurecido sua posição quanto aos votos que subscrevera.
Depois deste pequeno período em Dudney, Baxter foi removido para Bridgenorth, onde tornou-se assistente de um idoso ministro. Três frases podem resumir seu ministério em Bidgenorth: fervor pela obra, compaixão pelos pecadores perdidos, convicção de que sua suficiência vinha do Senhor.

Ministério em Kidderminster

Em 1640, Baxter iniciou seu ministério em Kidderminster, um dos períodos mais importantes da sua vida. O seu ministério ali registrou definitivamente o seu nome e o nome da cidade na História da Igreja e do seu país. A transformação moral que a cidade experimentou foi de tal envergadura que alguns chegam a afirmar que nunca houve nada similar na Grã Bretanha. Um de seus biógrafos diz que Kidderminster “parece ter sido uma cidade escolhida por Deus para uma experiência espiritual extremamente bem sucedida, pela intervenção divina”. Quando chegou à cidade, o lugar caracterizava-se pela impiedade, espantosa aridez espiritual e, conseqüentemente, baixíssimo nível moral. Quando saiu da cidade, a excelência da piedade e moral da grande maioria de seus habitantes não era menos espantosa. O templo teve que ser aumentado; mas mesmo assim não comportava as pessoas que queriam ouvir suas pregações. Pessoas eram vistas nas ruas, em grupos, a caminho ou retornando da igreja, cantando hinos de louvor a Deus com júbilo sincero em seus corações.
O ministério extraordinariamente frutífero de Baxter em Kidderminster foi longamente interrompido logo no segundo ano. O país estava dividido entre o rei e o Parlamento. Perseguido, por razões políticas, pelos partidários do rei, ele foi obrigado, juntamente com muitos outros ministros, a refugiar-se por dois anos em Coventry, um refúgio dos partidários do Parlamento. Depois disso, a situação política do país tornou-se favorável, e ele foi designado capelão, função que exerceu com empenho, até que foi obrigado a abandoná-la, seriamente enfermo. Quando se recuperou, retornou para Kidderminster, onde continuou por mais quatorze anos seu extraordinário ministério, em meio a constantes perseguições e enfermidades - as quais o acompanhariam quase que por toda a sua vida. Não há muitos homens que compreenderam tão bem e experimentaram tanto o que Paulo escreveu em 2 Coríntios 12:9,10: “De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando sou fraco, então é que sou forte”.

Atividades Subseqüentes

Depois que Baxter foi obrigado a abandonar definitivamente Kidderminster, passou dois anos em Londres, quando teve oportunidade de pregar diante do Parlamento em abril de 1660. Depois foi designado capelão do rei, e muito se empenhou por uma causa perdida: a busca da compreensão mútua entre a Igreja da Inglaterra e os Não-conformistas. A partir de então, até a sua morte, sua vida foi repleta de acontecimentos. Vivendo em uma época politicamente bastante conturbada, e sendo ele homem de princípios e célebre pregador e escritor, sofreu contínuas perseguições, acusações e prisões. Isto tudo, porém, aliado às muitas e constantes enfermidades, não o deixaram de modo algum inativo. Boa parte de seus livros foram escritos neste período, em meio a muitas dores e aflições.

Casamento

As muitas aflições de Baxter foram, em grande parte aliviadas, durante os dezenove anos deste difícil período da sua vida. Depois que saiu de Kinderminster, já com 47 anos de idade, Baxter casou-se com a Srta. Charlton, uma jovem de 23 anos, que havia sido uma das suas piedosas ovelhas naquela cidade. O casamento foi muito comentado, por causa da diferença de idade. Ele mesmo comentou, que “a notícia do casamento correu por toda parte, comentada às vezes com espanto, e às vezes como se fosse um crime. O casamento do rei não foi muito mais comentado do que o meu”. Mas um de seus biógrafos comenta que “a piedade foi a base e elo da união deles. Foi a piedade que acendeu e manteve viva a afeição recíproca entre eles. A sua profunda devoção, sua sadia discrição, talentos e diligência para com os afazeres domésticos, e sua oportuna solidariedade para com as mais variadas aflições do marido, provaram que ela era uma companheira apropriada para Richard Baxter”.

Últimos Anos e Morte

Referindo-se aos últimos anos da longa vida de Baxter, um de seus biógrafos escreveu: “Como uma estrela de primeira magnitude, nas mãos daquele que anda por entre os sete candeeiros de ouro, sua vida, luz, e resplendor permaneceram sem enfraquecer, quase até o final do último estágio da sua carreira mortal”. Realmente, quando tinha oportunidade, Baxter Pregava. Quando era impedido, muitas vezes abria sua própria casa, e ali reunia aqueles que queriam ouvi-lo, e ali mesmo pregava ousadamente o Evangelho das insondáveis riquezas de Cristo.
As últimas horas de Baxter foram calmas e tranqüilas, como o por do sol. Quando perguntado com se sentia às portas da eternidade, ele respondeu: “Quase bem.” Ele sentia que dentro em breve estaria plenamente bem. Na manhã do dia 8 de dezembro de 1691, com setenta e seis anos de idade, Baxter entrou tranqüila e abundantemente na glória.
Muitas pessoas piedosas, das mais extremas posições, fizeram-se presentes no seu sepultamento. Ministros conformistas e não-conformistas uniram-se, pelo menos para se despedir de um gigante espiritual que partia, deixando admiração, respeito, e bela carta de recomendação escrita nas páginas dos seus muitos e admiráveis escritos, e nos corações de centenas - quem sabe milhares - que foram convertidos e edificados pelo Espírito Santo através do seu ministério.


CARACTERÍSTICAS E CARÁTER

Constantes e Variadas Enfermidades

Como muitos outros gigantes espirituais, Baxter foi marcado pela doença. Desde a mocidade até o fim de seus dias ele foi afligido por constantes e variadas enfermidades. Foi um homem literalmente enfermo da cabeça aos pés. Padeceu com dores reumáticas, tinha problemas estomacais, sofreu com freqüentes hemorragias no nariz, além de diversas outras enfermidades. Baxter foi tratado por mais de 35 médicos, sem muito resultado, o que o levou a evitá-los. Suas muitas enfermidades, entretanto, não o impediram de ser um servo reconhecidamente mais útil e produtivo do que milhares que desfrutam de perfeita saúde.

Inteligência e Capacidade

Baxter é descrito por seus biógrafos como um homem inteligente, perspicaz, capaz, e possuidor de uma mente fértil e ativa - “uma fonte inexaurível de idéias”. Parece não ter havido assunto no âmbito da teologia sobre qual não houvesse aplicado sua mente. Seus escritos cobrem uma variedade surpreendente de assuntos, teológicos e práticos, de modo espantosamente detalhado. Por tudo isso, Baxter foi contado entre os homens mais inteligentes, talentosos e influentes de sua época.
Piedade
Por maior que tenham sido a inteligência e capacidade de Baxter, sua piedade e moral foram ainda mais distintivas. Seus dons foram sempre dirigidos para a glória daquele que os havia doado; e seus labores para a honra do seu Salvador. Como Esdras, Baxter dispôs seu coração para compreender, praticar e ensinar as insondáveis riquezas de Cristo. E ele aplicou-se de tal modo nestes propósitos, que sua mente tornou-se singularmente familiarizada com as coisas lá do alto, aonde Cristo vive assentado à direita do Pai. Os sofrimentos e perseguições que experimentou ensinaram-no a não confiar em si ou nos homens, mas no seu Senhor. Mesmo quando Baxter encontrava-se na solidão da prisão e afastado da esposa, gozou de firme confiança em Deus, encontrou profunda consolação em Cristo e alegria indizível e cheia de glória no Espírito Santo.

O Demóstenes Inglês

Baxter tem sido chamado de “O Demóstenes Inglês”. A sua inteligência e piedade revelaram-se no púlpito de modo tão eficaz, que tornava-se difícil, para o coração mais endurecido, resistir aos seus argumentos, advertências e apelos. Baxter foi um desses homens cuja pregação foi inquestionavelmente autenticada por Deus. “Seus perscrutadores sermões, seu tom solene, seus apelos diretos ao coração, foram sancionados pelos céus, e despertaram convicções e preocupações nas consciências mais calejadas”. O resultado não poderia ser outro: “Kidderminster, que por longo tempo havia sido um deserto moral, pela bênção de Deus logo se tornou como um jardim do Senhor, e adquiriu a fragrância do Carmelo, e a fertilidade do Líbano”.

ESCRITOS

É nos escritos de Richard Baxter que podemos perceber a dimensão real da sua estatura intelectual e espiritual. Só lendo os seus livros, podemos entender quão profícua, profunda e variada foi a sua obra, e compreender o seu discernimento nos mistérios de Cristo. Não há nenhum exagero em afirmar que a magnitude dos escritos de Baxter é espantosa. Os mais copiosos escritores de sua época, tais com Lightfoot, Jeremy Taylor, Thomas Goodwin e John Owen, não escreveram mais que a metade do que Baxter escreveu. Orme, um de seus biógrafos, catalogou nada menos do que 168 tratados escritos por ele. Além disso, a obra literária de Baxter é de tal ordem, que outro de seus biógrafos, chega a exclamar: “Como um mártir constante da enfermidade como ele, pôde escrever com a serenidade o fez, é um dos grandes mistérios da história.” Nosso espanto fica ainda maior, quando atentamos para o fato que ele escreveu todos os seus livros em meio às muitas atividade ministeriais e públicas, as quais tomavam a maior parte do seu tempo, de modo que escrever, afirmou ele, “foi uma recreação em meio a atividades mais severas”.
A obra de Baxter é extremamente variada. Ele escreveu para os não-convertidos, para os recém-convertidos, para os maduros na fé, e para os que se encontravam à beira da morte. Ele foi um apologista que refutou os céticos e infiéis, escreveu conselhos para o Parlamento, expôs as doutrinas do Evangelho, escreveu poesias evangélicas e, especialmente, obras devocionais e práticas visando a conversão dos pecadores e a edificação dos santos.
Boa parte dos escritos de Baxter são contados entre os maiores clássicos evangélicos de todos os tempos. E os piedosos que foram seus contemporâneos, bem como aqueles que viveram nos séculos subseqüentes, que leram suas obras, dão unânime testemunho da excelência de seus escritos. Muitos deles foram traduzidos para diversas línguas e tiveram muitas edições publicadas.
Dentre as suas obras mais conhecidas e importantes estão: O Descanso Eterno dos Santos, A Vida Divina, Um Tratado Sobre a Conversão, Apelo aos não Convertidos, Agora ou Nunca, Direções e Persuasões para uma Conversão Segura, Direções para Crentes Fracos e Desanimados, O Caráter de Um Crente Seguro, Pensamentos à Beira da Morte, O Pastor Reformado.
Alguns destes livros, como é o caso de Um Apelo aos não Convertidos, em apenas um ano, tiveram não menos que trinta mil cópias editadas - isto no século XVII. E, até a época da morte de Baxter, boa parte destes livros já havia sido traduzida para a maioria das línguas européias, e outras línguas não européias, como o indiano.
É uma pena que apenas uma minúscula porção de tal tesouro, só agora, cerca de três séculos e meio depois, tenha sido traduzido para a nossa língua. Até onde sabemos, apenas três obras de Baxter foram publicadas em português: Quebrantamento - Espírito de Humilhação e Medita Estas Coisas, editados pela Editora Clássicos Evangélicos (dois capítulos de Direções e Persuasões para uma Conversão Segura); e O Pastor Aprovado, editado pela PES.
Que este gigante espiritual seja mais conhecido no Brasil. Que seus escritos possam ser finalmente - já com séculos de atraso - traduzidos para a nossa língua. Que estes tesouros sejam redescobertos e lidos. Que produzam entre nós, o grande bem que produziram na vida daqueles que têm tido o privilégio de lê-los. E, quiçá, possam ser instrumentos nas mãos de Deus, para fazer em alguma - quem sabe, algumas - cidades no Brasil, o que fizeram em Kidderminster: fertilizar o deserto espiritual e moral em que temos vivido.







 6 -  Memórias de Matthew Henry          

 Conforme escritas pelo Sr Palmer, seu contemporâneo. 
   
 A maioria dos leitores de um trabalho que adquiriu um tal grau de celebridade, sente um desejo de conhecer algo sobre o autor; e este desejo é aumentado à proporção que eles se interessam pelo próprio trabalho. Pode ser presumido então, que os usuários do Comentário de Matthew Henry que esteve muito tempo com alta reputação no mundo religioso,  desejarão um pouco de informação relativa ao caráter e vida daquele homem excelente. Este somente não é uma inocente, mas uma louvável curiosidade que nós estamos contentes em ter a oportunidade presente de satisfazer, e nós estamos persuadidos de que o quanto mais o autor for conhecido, maior será o prazer que os leitores sentirão no uso do trabalho dele.  
     Matthew Henry era o segundo filho do ministro eminente do evangelho, Philip Henry. Este seu filho nasceu em 28 de outubro, do mesmo ano em que ele, também observa com prazer no seu diário, foi dada à luz muitos outros ministros do seu conhecimento, a quem Deus tinha designado dias mais calmos que os dos seus antecessores que haviam sido perseguidos com ódio pelos seus próprios irmãos, sendo expulsos da igreja.  O local de nascimento dele foi em Broad-Oak, em Iscoid, Flintshire, no interior da paróquia de Malpal que está em Cheshire um distrito famoso nos anais britânicos por causa do monastério  de Bangor.  Foi para cá que o pai dele se mudou cerca de uma quinzena antes do seu nascimento, pretendendo  não continuar mais no lugar do seu ministério anterior; e aqui o Henry mais velho gastou o resto dos seus dias.  A mãe do Sr. Henry era Katharine Matthews, a filha e herdeira de Daniel Matthews, um cavalheiro de uma família antiga e de posição considerável, que, na sua morte deixou sua herança para Philip Henry a qual lhe permitiu viver em conforto depois da sua expulsão, não somente para pregar o evangelho da graça, como também lhe propiciou ter oportunidade,  para aliviar vários dos seus irmãos pobres. Mas a esposa dele provou ser um maior tesouro para ele, porque era uma mulher igualmente eminente em piedade e em todos os dons. E o seu filho Mattew  fez ampla justiça ao caráter dela em um discurso excelente sobre Prov 31.28, na ocasião da morte de Katharine: “Seus filhos se levantam e a chamam de bem-aventurada.”.
     As circunstâncias do nascimento de Matthew eram bastante notáveis. O nascimento foi prematuro, e a mãe dele lutou muito para manter em vida aquela criança tão frágil que ninguém esperava que fosse sobreviver. Ele foi batizado um dia depois do seu nascimento pelo Sr. Holland, o ministro da paróquia, mas sem padrinho ou madrinha; e o pai dele desejou que o sinal da cruz não fosse usado pelo ministro, mas este disse que não ousaria  omiti-lo.   
     Quando Matthew tinha cinco anos aproximadamente ele teve o sarampo pelo qual o irmão dele que era um ano mais velho que ele havia morrido, e esta foi uma circunstância que o afetou profundamente, e à qual ele se referiu com grande seriedade em um escrito por ocasião do seu décimo terceiro aniversário, em que ele havia feito uma lista das misericórdias que ele havia recebido, com expressões vivas de gratidão para o Autor delas. Ele permaneceu por um longo tempo sujeito a muitas debilidades, mas ele  revelou muito cedo uma boa capacidade mental  pensativa, de forma que isto foi observado na sua  infância como tendo menos vaidade que a maioria das crianças, e que num período mais cedo que o habitual ele abandonou as coisas infantis. Ele podia ler um capítulo distintamente na Bíblia quando ele tinha apenas três anos de idade e podia fazer observações pertinentes sobre o que havia lido.  
As primeiras convicções permanentes dele sobre religião, conforme ele próprio relatou por escrito, ocorreram quando ele tinha dez anos de idade por causa de um sermão pregado pelo seu pai sobre Salmos 51.17. "eu penso que foi isto", diz Matthew, "que me quebrantou; e que me levou depois a procurar por Cristo." Ele estava acostumado a fazer anotações dos sermões que ele ouvia, e sobre o efeito que eles haviam feito em sua mente. Numa destas anotações, de 17 de dezembro de 1673, está assentado que  ele ouviu um sermão sobre os sinais da verdadeira graça que o pôs num exame rígido de si mesmo debaixo das regras que havia ouvido, e que o levou a abrir sua mente ao seu pai, e isto o encorajou a tirar uma conclusão favorável sobre a sua condição espiritual.
Ele menciona particularmente o seu arrependimento pelo pecado, de acordo com o que a Bíblia fala disto em muitas passagens que ele transcreveu; e a dedicação solene dele a Deus, de acordo com o teor do Evangelho do Pacto, e o amor dele a Deus, como comprovado pelo amor dele ao Seu povo que ele escolheu como os Seus melhores companheiros; e o amor dele à Palavra de Deus, sobre a qual ele se  expressa assim: "Eu estimo isto acima de tudo; Eu desejo isto como a comida da minha alma; Eu grandemente me deleito tanto em ler e ouvir isto; e minha alma pode testemunhar a minha  sujeição a isto em alguma medida; Eu penso que eu amo a Palavra de Deus pela Sua pureza; Eu amo os ministros e mensageiros dela; Eu me alegro no sucesso bom disto; tudo que foi dado como marcas de um verdadeiro amor à Palavra em um sermão eu ouvi atentamente - Ps 119:140.
    Parece que Matthew Henry tinha uma inclinação ao ministério desde a sua infância. Isto apareceu em parte no seu desejo de pregar, o que ele fez com um grau de decoro e gravidade que estava muito além do que se poderia esperar em sua tenra idade, como também na freqüência constante dele às reuniões privadas de pessoas piedosas, com as quais ele orava, e repetia sermões, e às vezes expunha a Bíblia, para a surpresa de todos os presentes. Um deles expressou uma vez ao seu pai  um pouco de preocupação para que o seu filho  não fosse tão adiantado para não entrar na armadilha do orgulho espiritual, ao que respondeu o pai de Mattew: "Deixe-o ir; ele teme a Deus e a Sua vontade, e eu espero que Deus o preservará e o abençoará.”.  
Philip Henry geralmente era usado para ter algum estudante jovem na sua casa, que estava se preparando para entrar no ministério. Um destes foi William Turner que nasceu naquele bairro e que foi vigário de Walburton, em Sussex, durante muitos anos e o autor de um trabalho sobre a História de Providências notáveis. Ele viveu com Sr. Henry na época em que Matthew avançou em sua gramática, e foi a pessoa referida que o iniciou nos estudos de Latim, e se pode supor que a grande piedade e aplicação nos estudos que o tutor dele foi em muitos aspectos, útil ao menino. Matthew permaneceu debaixo das vistas e instrução do seu pai até aos dezoito anos de idade aproximadamente, quando ele havia atingido grande progresso literário e religioso que o qualificaram para o ofício ministerial; e ele deu ampla prova desde cedo de que ele não os havia adquirido em vão. Como a constituição dele ficou  mais forte com o avançar dos anos, a mente dele também melhorou em conhecimento, graça, e santidade, de forma que ele foi capacitado desde cedo para o importante ofício para o qual ele havia dedicado a sua vida, e parecia não precisar de qualquer ajuda adicional da que havia desfrutado, ou que ainda poderia desfrutar, debaixo da instrução, e do exemplo, de tal um pai que não somente fora também um estudante excelente e que tinha um método admirável de comunicar conhecimento a outros. Porém, ele estava desejoso que seu filho viesse a obter um pouco de vantagens adicionais em sua educação, num seminário público.  
     Philip Henry tinha passado alguns anos na Universidade, em Christ Church, Oxford. Mas a triste mudança que havia ocorrido nesses estabelecimentos de aprendizagem depois da Restauração modificou a sua opinião, de forma que, para preservar o seu filho das armadilhas e tentações para as quais ele poderia ficar exposto quanto ao que se refere ao que faltaria à sua própria disciplina, ele decidiu  enviá-lo, no ano de 1680, a uma academia  em Islington que era dirigida pelo instruído e piedoso Thomas Doolittle, que preparou  muitos jovens para o ministério e que era uma figura distinta entre os  protestantes não conformistas. Aqui, entre muitos outros  jovens excelentes,  Matthew desfrutou a companhia do Sr. Enterre, que era do mesmo bairro, e que se tornou depois um ministro eminente que deu este testemunho sobre o caráter de Matthew durante o curso dos seus estudos: "Eu nunca tive um maior prazer, quando me encontrava debaixo da instrução do Sr. Doolittle, do que estar na companhia do jovem Sr. Henry.  Ele sempre algo como um aroma de religião no seu espírito, e era de um temperamento alegre, e de um amplo  conhecimento, tão aplicado na Bíblia, tão pertinente em todas suas petições e tão cheio de clareza em todos os seus desempenhos, etc., que ele foi para mim um amigo muito desejável, e eu amo mais o céu desde que ele foi para lá." Porém, o Sr. Enterre observa que "ele tinha  uma rapidez quase inconcebível na sua fala, mas que ele corrigiu isto depois felizmente, para o seu próprio bem, como para o benefício de outros.".  
     Não é possível precisar ao certo quanto tempo Matthew permaneceu com Sr. Doolittle. Tal era o calor da perseguição naquela época que o Sr. Doolittle foi obrigado a deixar Islington (de onde se mudou para Battersea) e em seguida dispersou os seus alunos em famílias privadas em Clapham, lugar para o qual parece que  Matthew Henry não os seguiu. Porém, é certo que quando ele terminou esta academia, ele voltou para a casa do seu pai, onde ele se aplicou aos estudos  com grande assiduidade. Entre os seus papéis um é datado de Broad-Oak, 1682 (tempo que parece provável do seu retorno para lá) que é um memorial das misericórdias que ele havia recebido da mão de Deus desde o dia do seu nascimento até aquele momento, que era o dia do seu 26º aniversário, e aqui se revela uma vivo espírito de devoção.     
  Matthew contava vinte anos de idade, quando tinha feito uma grande colheita de feixes em seu aprendizado, que seria de grande auxilio em seu ministério. Mas não parece que ele já houvesse começado a exercitar os seus talentos em público. Porém, ele freqüentemente se ocupava em exercícios sociais de devoção entre os conhecidos do seu pai, que recorriam  àquela casa de oração. A companhia dele era muito desejada muito por eles, e eles estavam altamente satisfeitos pelas suas visitas, que ele sempre estava pronto a fazer ao pior deles, quando era usado para orar com eles, e conversar com grande liberdade, afeto, e juízo, sobre os seus assuntos espirituais
     Como os dias eram escuros e as circunstâncias dos ministros eram  muito desencorajadoras,  Matthew não tinha nenhum prospecto para uma vida  pastoral com uma congregação; e então, com o conselho de amigos, arrumou um  outro emprego muito diferente. Rowland Hunt, de Boreaton, que se casou a filha de Lord Paget e em cuja casa Philip Henry costumava pregar uma vez por trimestre, e administrava a Ceia do Senhor, aconselhou-o a inscrever seu filho em um dos tribunais da corte para estudar direito, não para desviá-lo do ingresso no ministério, mas para achar algum emprego que atendesse não somente suas necessidades temporais, como herdeiro de uma bela propriedade, como também como um ministro. E assim, Matthew foi para Gray’s Inn no fim de abril de 1685.  
     Alguns dos seus amigos perceberam nele apreensões dolorosas advindas desta situação porque istro deveria ser desfavorável aos seus interesses religiosos, porque, haveria o desvio do ofício sagrado para o qual os seus estudos anteriores haviam sido dirigidos, e para o qual ele revelou qualificações peculiares. Mas, felizmente, seus temores seriam infundados porque o seu coração estava inclinado completamente para Deus, e firmado na graça, de forma que ele  manteve-se sereno em meio a todas as tentações que o rodeavam.  
Ele estabeleceu felizmente um conhecimento com vários jovens cavalheiros, então estudantes de direito,  que era exemplares em sobriedade, diligência, e na religião que estavam alegres em recebê-lo como um dos membros do seu círculo íntimo, e com os quais ele manteve uma amizade continua até o fim. . Aqui a diligência de Matthew nos estudos, a sua rápida apreensão, a proficiência e a memória tenaz dele, e a sua pronta expressão verbal, induziu alguns daquela profissão a pensarem pensar que ele era eminente na prática do direito e que havia se aplicado a isto como sendo o negócio da sua vida. Mas ele se sentia debaixo de uma provação ter que renunciar ao objeto da  sua primeira resolução, e ele mantinha isso continuamente à vista, enquanto se acostumava àqueles exercícios que poderiam fazer avançar a sua preparação no direito.
Ele ouviu os pastores mais célebres na cidade, entre os quais parecia ter ele se agradado mais do Dr. Stillingfleet, de St. Andrew, Holborn, pela sua pregação séria e prática, e do Dr. Tillotson, de Lawrence Jewry, porque os seus sermões admiráveis contra o papado. Ele se acostumou a tomar notas do que ele ouvia, e ele constantemente enviava um esboço curto dos seus sermões ao seu pai, a quem ele escrevia geralmente duas vezes todas as semanas, enquanto lhe dava uma conta de todas as ocorrências notáveis com grande juízo, contudo com toda a precaução e prudência que as dificuldades daqueles dias requeriam.  
   Durante a sua residência em Londres, Matthew participou não somente com constância á adoração pública de Deus, mas promoveu oração social e conferências religiosas com os seus amigos particulares, e ele algumas vezes expôs a Bíblia a eles. Quando ele estava a ponto de deixá-los, ele entregou a eles um discurso excelente e afetuoso sobre 2Th 2:1 recomendando a ele e a eles a esperança dessa reunião abençoada como o maior conforto deles, naquele momento em que estavam a ponto de se separarem. As cartas que ele escreveu aos seus amigos enquanto ele permaneceu em Grays’s Inn ele descobriu o senso vivo das coisas divinas que ele preservou na sua mente.   
     Mas embora o tempo dele gasto em Londres não fosse desperdiçado, Matthew declarou  algumas vezes sentir falta das oportunidades que ele havia desfrutado aos domingos na casa do seu pai, em Broad-Oak, e do maná celestial que ele tinha provado lá, e expressava o seu sincero desejo de retornar.  Assim, em junho de 1686, ele voltou para Broad-Oak, e continuou e continuou vários meses ali, quando ele fez notório que a estada dele em Londres e o estudo da lei não tinha sido de nenhum modo prejudicial para o seu temperamento religioso ou às suas qualificações ministeriais. Ele agora começava a pregar freqüentemente como um candidato ao ministério, e ele encontrou em todos lugares grande aceitação.  
   A grande aceitação de Matthew e seu sucesso no começo do ministério  encorajaram-no que ele perseverasse nisto com fervor crescente. Ele teve ocasião de fazer uma viagem a Chester onde algumas pessoas tinham ouvido falar da fama dele, e desejaram que ele pregasse a eles uma noite numa casa particular, pois liberdade para a adoração pública não era ainda permitida. Ele consentiu prontamente, e pregou três noites sucessivamente em casas diferentes na cidade. A impressão que o talento dele causou nestas pessoas despertou um desejo sincero de  retê-lo com eles, porque haviam perdido dois anos antes dois ministros fiéis idosos.  
Ele contava então com vinte e cinco anos de idade. Consultando o seu pai, e crendo que havia a voz da Providência naquilo, ele lhes deu um pouco de encorajamento quanto ao  convite deles, pedindo que esperassem alguns meses até o retorno dele de Londres, e eles aceitaram recebê-lo nas próprias condições dele e no próprio tempo dele.  
   Em 24 de janeiro de 1687, ele partiu para Londres com o filho único do seu amigo, Mr. Hunt. As primeiras notícias ele ouviu em Londres foi que o rei tinha concedido indulgência aos não conformistas e separatistas e havia  autorizado certos cavalheiros para distribuir licenças: ao preço de dez libras por pessoa.
Não muitos separatistas tiraram estas licenças; mas sendo a disposição da corte  suficientemente compreendido, muitos começaram a se encontrar publicamente. Próximo do fim de  fevereiro, o Sr. Henry escreveu ao seu  pai que Mr. Faldo, um ministro Congregacional, tinha pregado tanto de manhã quanto à tarde, para várias centenas de pessoas. As pessoas de Chester lembraram-no agora do compromisso dele para com eles.   
     Matthew começou a pensar agora seriamente no assunto da ordenação, e consultou alguns ministros sobre isto, particularmente Francis Tallents, de Salop, que tinha estado algum tempo em Londres e James Owen que havia chegado recentemente de Oswestry, ambos tinham sido seus companheiros de infância, e eles lhe deram todo encorajamento possível neste desígnio. Ele viu o ofício ministerial tão seriamente que considerava que não havia compromisso no qual uma pessoa deveria ter a maior seriedade do este da ordenação.  Ele se apropriou nesta ocasião, principalmente para o próprio uso dele, de um discurso em 1Ti 4:15. em que se declara a natureza e várias partes do trabalho ministerial, e como um homem deve estar completamente envolvido nele, (como está no grego), e então começou a examinar o seu próprio coração com respeito à sua aptidão. Um estudo intitulado “Auto exame sincero antes da ordenação” tinha este texto prefixado: Sonda-me Ó Deus e conhece o meu coração etc.  É valioso a um homem fazer as seguintes perguntas a si mesmo e respondê-las conscienciosamente: 
      1. o que sou eu?  
      2. o que tenho feito?  
      3. a partir de quais princípios devo agir neste empreendimento?  
      4. que é o fim que eu objetivo com isto?  
      5. o que eu quero?  
      6. quais são meus propósitos e resoluções para o futuro?  
     A cada uma destas perguntas ele deu uma resposta distinta, em vários particulares, com uma extensão muito considerável que enche mais de quatro páginas de folhas grandes. O todo revela a seriedade extrema, humildade, e consideração conscienciosa à verdade e ao dever.  
Um amigo lhe aconselhou que aceitasse a ordenação  por um dos bispos por causa da declaração do rei para liberdade de consciência, mas o que realmente era pretendido era promover o papado. Mas Matthew decidiu ir contra aquele passo, e recorreu a ministros em Londres que ele sabia serem favoravelmente dispostos a  ele. Ele foi ordenado em 9 de maio, mas onde não é conhecido. O serviço foi executado privadamente, e supostamente por causa de um excesso de precaução os ministros lhe deram somente uma breve atestação da ordenação dele. O atestado foi assinado por W. Wickens, Francis Tallents, Edward Lawrence, Nathanael Vincent, James Owen, e Richard Steele. Porém, tão importante era um certificado regular de ordenação presbiteriana estimado naqueles dias que Matthew aplicou-se para a obtenção de tal certificado, e o recebeu no dia 17 de dezembro de 1702.  
Matthew mantinha um diário regular de todas as ocorrências materiais e transações até ao fim da sua vida.   
No espaço de vinte e dois anos ele teve nove filhos, oito dos quais eram meninas. Três deles (o primeiro, o segundo e o quarto) morreram na infância. Sua primeira filha nasceu em 12 de abril de 1691, mas morreu com apenas um ano e meio de idade. Ele se referiu ao fato desta forma em seu diário: “Eu fiz neste dia um trabalho que  nunca fizera Dante – sepultar uma criança. O trabalho de um dia triste! Mas meu bom amigo, Sr Lawrence, pregou muito oportuna e excelentemente, porque eu estava perplexo e não abri a minha boca, porque fizeste isto.  







7 - Biografia de Robert Murray McCheyne

Era inverno. Sentados junto à fogueira, dois homens estavam cortando pedras numa pedreira vizinha. De repente, um estranho se aproximou, e descendo do seu cavalo começou imediatamente a conversar sobre o estado espiritual das almas deles. Usando as chamas da fogueira como ilustração, o jovem desconhecido pregou verdades alarmantes. Com profunda surpresa os pedreiros exclamaram: “você não é um homem como os demais”. O desconhecido era Robert M. McCheyne, que lhes respondeu: “sinceramente, sou um homem como os demais.”.
Parece-nos que ler, tanto os sermões de McCheyne, quanto a sua biografia, faz brotar no coração do leitor a mesma exclamação dos pedreiros. E é verdade que Robert Murray McCheyne não foi um homem como os demais. Seu ministério, certamente muito curto, veio a ser uma das luzes mais brilhantes do evangelho na Escócia. Pureza doutrinal e fervor evangélico impregnaram completamente a pregação deste grande servo de Deus. Em McCheyne encontramos aquela característica tão sublime – e não menos rara, de uma harmoniosa correspondência entre a pregação e a vida. A vida de McCheyne, que alguém definiu como um dos exemplos mais belos da obra do Espírito Santo, foi caracterizada por um alto grau de santidade e consagração.
McCheyne nasceu em 29 de maio de 1813, nunca época dos primeiros resplendores de um grande avivamento espiritual que ocorreria na Escócia. Entre os preparativos secretos com os quais Deus tencionava derramar sobre seu povo dias de verdadeiro e profundo refrigério espiritual se achava o nascimento do mais jovem dos cinco filhos de Adam McCheyne.
Desde sua infância, McCheyne deu mostras de possuir uma natureza doce e afável, ao mesmo tempo que se podia ver nele uma mente desperta e prodigiosa. Com apenas quatro anos de idade tinha como seu passatempo favorito estudar o grego e o hebraico. Aos oito anos ingressou numa escola superior, tendo passado anos mais tarde para a Universidade de Edimburgo. Em ambos centros de ensino, distinguiu-se como estudante brilhante. Era de boa estatura, cheio de agilidade e vigor, nobre em sua disposição, evitando toda forma de comportamento enganoso. Alguns consideravam-no como possuidor de forma inata de todas as virtudes do caráter cristão, porém, segundo seu próprio testemunho, aquela moralidade pura e externa que era por ele exibida, nascia de um coração farisaico, e como muitos de seus companheiros, lhe agradava gastar sua vida nos prazeres mundanos.
A morte do seu irmão David causou uma profunda impressão em sua alma. Seu diário contém numerosas alusões a este fato. Anos depois, escrevendo a um amigo, Robert disse: “Ore por mim, para que possa ser mais santo e mais sábio, sendo menos o que sou, e sendo mais como é o meu Senhor...Hoje, faz sete anos que perdi meu querido irmão, porém comecei a encontrar o Irmão que não pode morrer.”.
A partir de então, a consciência tenra de McCheyne despertou para a realidade do pecado e para as profundidades de sua corrupção. “Que massa infame de corrupção tenho sido! Tenho vivido uma grande parte de minha vida completamente separado de Deus e para o mundo. Tenho me entregado completamente ao gozo dos sentidos e às coisas que perecem em torno de mim.”.
Embora ele nunca tenha sabido a data exata do seu novo nascimento, jamais abrigou temor algum de que este não tivesse acontecido. A segurança de sua salvação foi algo característico de seu ministério, de modo que sua grande preocupação foi, em todo o tempo, obter uma maior santidade de vida.
No inverno do ano de 1831 começou seus estudos no Divinity Hall, onde Tomas Chalmers era professor de Teologia, e David Welsh de História Eclesiástica. Juntamente com outros companheiros seus, Eduard Irving, Horátius e André Bonar – que escreveria a sua biografia posteriormente, dentre outros amigos fervorosos, McCheyne se reunia para pregar e estudar a Bíblia, especialmente nas línguas originais. Quando o Dr. Chalmers teve notícia do modo simples e literal com que McCheyne esquadrinhava as Santas Escrituras, não pôde deixar de exclamar: “Agrada-me esta literalidade. Verdadeiramente, todos os sermões deste grande servo de Deus estão caracterizados por uma profunda fidelidade ao texto bíblico.”.
E já neste período de sua vida, McCheyne deu mostras de um grande amor pelas almas perdidas, e juntamente com seus estudos dedicava várias horas da semana para a pregação do evangelho, tarefa que realizava quase sempre nos bairros pobres e mais baixos de Edimburgo.
Como os demais grandes servos de Deus, McCheyne teria uma clara consciência da radical seriedade do pecado. A compreensão clara da condição pecaminosa do homem era para McCheyne um requisito imprescindível para fazer sentir ao coração a necessidade de Cristo como único Salvador, e também a experiência necessária para uma vida de santidade.
Seu diário testemunha o severo juízo que fazia de si mesmo: “Senhor, se nenhuma outra coisa pudesse livrar-me dos meus pecados, a não ser a dor e as provas, envie-mas, Senhor, para que possa ser livrada de meus membros carregados de carnalidade.”.
Inclusive nas mais gloriosas experiências do crente, McCheyne podia descobrir resquícios de pecado, e assim nos diz numa ocasião: “Mesmo minhas lágrimas de arrependimento estão manchadas de pecado.”.
André Bonard escreveu acerca do seu amigo as seguintes palavras: “Durante os primeiros anos de seus cursos no colégio o estudo não chegou a absorver toda a sua atenção. Contudo, tão logo começou a mudança em sua alma, isto se refletiu em seus estudos. Um sentimento muito profundo de sua responsabilidade o levou a dedicar todos seus talentos ao serviço do Mestre, que lhe havia redimido. Poucos têm se consagrado à obra do Senhor, como fruto de um claro conhecimento de sua responsabilidade.”.  
Enquanto estudava Literatura e Filosofia no colégio sabia encontrar tempo para dedicar sua atenção à Teologia e à História Natural. Nos dias de sua maior prosperidade no ministério da pregação, quando juntamente com sua alma, sua congregação, e rebanho, constituíam o todo dos seus desvelos, freqüentemente lamentava não ter adquirido, nos anos anteriores, um caudal de conhecimentos mais profundo, pois se havia dado conta que podia usar as jóias do Egito no serviço do Senhor. De vez em quando seus estudos anteriores evocavam em sua mente alguma ilustração apropriada para a verdade divina, e precisamente no solene instante em que apresentava o evangelho glorioso aos mais ignorantes e depravados.  
Suas próprias palavras manifestam sua estima pelo estudo,e ao mesmo tempo revelam o espírito de oração, que segundo McCheyne, devia sempre acompanhar os estudos. “Esforça-te nos estudos”, escreveu a um jovem estudante em 1840. “Dá-te conta que estás formando, em grande parte, o caráter do teu futuro ministério. Se adquirires agora hábitos de estudo matizados pelo descuido e inatividade, nunca tirarás proveito do mesmo. Faz cada coisa a seu tempo. Sê diligente em todas aquelas coisas que valham a pena serem feitas, e faz isto com todas as tuas forças. E acima de tudo, apresenta-te ao Senhor com muita freqüência. Não intentes nunca ver um rosto humano até que não tenhas visto primeiro o rosto dAquele que é nossa luz e nosso tudo. Ora por teus semelhantes. Ora por teus mestres e companheiros de estudo.”. A um outro jovem escreveu: “Cuidado com a atmosfera dos autores clássicos, pois é na verdade, perniciosa, e tu necessitas muitíssimo, para afastá-la, do vento sul que sopra das Escrituras. É certo que devemos conhecê-los – porém da mesma maneira que o químico faz experiência com as substâncias tóxicas – para descobrir suas propriedades químicas, e não para envenenar com elas o seu sangue.”. E acrescentou: “Ora para que o Espírito Santo faça de ti não somente um jovem crente e santo, senão para que também te dê sabedoria em teus estudos.”.  
“Às vezes um raio da luz divina que penetra a alma pode dar suficiente luz para aclarar maravilhosamente um problema de matemática. O sorriso de Deus acalma o espírito, e a destra de Jesus levanta a cabeça do decaído, enquanto seu Santo Espírito aviva os efeitos, de modo que os estudos naturais possam ser feitos um milhão de vezes melhor e mais facilmente.”.
As férias, para McCheyne, como para os seus amigos mais íntimos que permaneceram na cidade, não eram consideradas como uma interrupção quanto aos estudos a que nos referimos. Uma vez por semana costumavam passar uma manhã juntos com o propósito de estudar algum ponto de teologia sistemática, assim como para trocar impressões sobre o que haviam lido em privado.
Um jovem assim, com faculdades intelectuais tão pouco comuns e às quais se unia o amor ao estudo numa memória extremamente profunda, facilmente escolheu não colocar em primeiro lugar a erudição, mas sim a tarefa de salvar as almas. Ele submeteu todos os talentos que possuía à obra de despertar aqueles que estavam mortos em delitos e pecados. Preparou sua alma para a poderosa e solene responsabilidade de pregar a Palavra de Deus, e isto fez “com muita oração e profundo estudo da Palavra de Deus; com disciplina pessoal; com grandes provas e dolorosas tentações, pela experiência da corrupção da morte em seu próprio coração, e pela descoberta da plena graça do Salvador. Por experiência própria podia dizer:  “Quem é o que vence o mundo senão o que crê que Jesus é o Filho de Deus?”.
No dia primeiro de julho de 1835, McCheyne obteve licença para pregar pelo presbitério de Annan. Depois de haver pregado por vários meses em diferentes lugares e dado evidência da peculiar doçura com que a Palavra de Deus fluía de seus lábios, McCheyne veio a ser o ajudante do pastor John Bonar nas congregações unidas de Larberte e Dunipade, próxima de Stirling. Em sua pregação fazia outros partícipes de sua vida interior, à medida que sua alma crescia na graça e no conhecimento do Senhor e Salvador. Começava o dia muito cedo cantando salmos ao Senhor. A isto seguia a leitura da Palavra para sua própria santificação. Nas cartas de Samuel Rutherford encontrou uma mina de riquezas espirituais. Entre outros livros de leitura favorita figuravam Chamamento aos Não Convertidos, de Richard Baxter, e a Vida de David Brainderd, de Jonathan Edwards. Em novembro de 1836 foi ordenado pastor na Igreja de São Pedro, em Dundee. Permaneceu como pastor desta congregação até o dia da sua morte. A cidade de Dundee, como ele mesmo se referiu a ela, “era uma cidade dada à idolatria e de coração duro”. Porém não havia nada em suas mensagens que buscasse o agrado do homem natural, pois longe estava de seu coração buscar agradar os incrédulos. “Se o evangelho agradasse ao homem carnal, então deixaria de ser evangelho”. Estava profundamente convencido que a primeira obra do Espírito Santo na salvação do pecador era a de produzir convicção do pecado e a de trazer o homem a um estado de desespero diante de Deus.”. A menos que o homem não seja posto ao nível de sua miséria e culpa, toda nossa pregação será vã porque somente um coração contrito pode receber ao Cristo crucificado. Sua pregação estava caracterizada por um elemento de marcante urgência e alarme. “Que me ajude sempre a lhes falar com clareza. Mesmo a vida daqueles que podem viver muitos anos, é na realidade, curta. Contudo, esta vida curta, que Deus  nos tem dado e que é suficiente para que busquemos o arrependimento e a conversão, logo, muito rapidamente passará. Cada dia que passa é como uma passo a mais em direção ao trono do juízo eterno.”.      
Ao seu profundo amor pelas almas se somava uma profunda sede de santidade de vida. Escrevendo a um companheiro no ministério, disse: “Sobre todas as coisas cultiva teu próprio espírito. Tua própria alma deveria ser o principal motivo de todos os teus cuidados e desvelos. Mais que os grandes talentos, Deus abençoa aqueles que refletem a semelhança de Jesus em suas vidas. Um ministro santo é uma arma poderosa nas mãos de Deus.”. McCheyne talvez pregou com mais poder com sua vida que com suas mensagens, como bem sabia e dizia seu amigo André Bonar, que “os ministros do evangelho não somente devem pregar fielmente, como também viver fielmente”.
Como pastor em Dundee, McCheyne introduziu importantes inovações na congregação. Naquela ocasião as reuniões de oração eram desconhecidas, eram muito raras. McCheyne ensinou aos membros a necessidade de ser reunirem todas as quintas-feiras à noite para unirem seus corações em oração ao Senhor, e estudar sua Palavra. Também destinava outro dia durante a semana para os jovens. Seu ministério entre as crianças constitui a nota mais brilhante de seu ministério.
Ao seu zelo por santidade de vida acrescentava seu afã por pureza de testemunho entre os membros de sua congregação. McCheyne era consciente de que a igreja – como parte do corpo místico de Cristo deveria manifestar a pureza e santidade dAquele que havia morrido para apresentar uma igreja santa e sem mancha ao Pai. Daí seu zelo pela observância da disciplina na congregação. E assim, num culto de ordenação de presbíteros, disse: “Ao começar meu ministério entre vocês, eu era extremamente ignorante da grande importância que a igreja de Cristo tem da disciplina eclesiástica. Pensava que meu único e grande objetivo nesta congregação era o de orar e pregar. Suas almas me pareciam tão preciosas e o tempo me parecia tão curto, que eu decidi dedicar-me exclusivamente com todas minhas forças e com todo o meu tempo ao trabalho da evangelização e à doutrina. Sempre que os anciãos desta igreja me apresentaram casos de disciplina, eu os considerava como dignos de aborrecimento. Constituíam uma obrigação diante da qual eu me encolhia. Porém agradou ao Senhor, que ensina a seus servos de uma maneira muito distinta que o homem, dará ocasião dEle ser bendito não apenas com o dom da conversão, mas com alguns casos de disciplina a nosso cuidado. Desde então uma nova luz acendeu em minha mente. Dei-me conta que não somente a pregação era uma ordenança de Cristo, como também o exercício da disciplina eclesiástica.”.
Ao mesmo tempo que o vigor e a força espiritual de sua alma alcançava uma grandeza gigantesca, a saúde física de McCheyne se enfermava e enfraquecia à medida que os dias transcorriam. Em fins do anos de 1838, uma violenta palpitação do coração, ocasionada por seus árduos trabalhos ministeriais, obrigaram o jovem pastor a buscar repouso. E como sua convalescença seguia num ritmo muito lento, um grupo de pastores, reunidos em Edimburgo na primavera de 1839, decidiu convidar McCheyne para que se unisse a uma comissão de pastores que planejava ir à Palestina para estudar as possibilidades missionárias da Terra santa. Todos criam que tanto o clima como a viagem redundariam em benefício para a saúde do pastor. De um ponto de vista espiritual, sua estada na Palestina constituiu uma verdadeira bênção para sua alma. Visitar os lugares que haviam sido o cenário da vida e obra do bendito Mestre, e pisar a mesma terra que um dia pisara o Varão de Dores, foi uma experiência indescritível para o jovem pastor. Contudo, fisicamente, o estado de McCheyne não melhorou, antes, pelo contrário, parecia que seu tabernáculo terrestre ameaçava desmoronar totalmente. E assim, em fins de julho de 1839, encontrando-se a delegação missionária próximo de Esmirna, e já a caminho de volta, o Senhor estendeu sua mão curadora, e o grande servo do evangelho pôde finalmente regressar à sua amada Escócia e a seu querido rebanho em Dundee.
Durante sua ausência, o Espírito Santo começou a operar um avivamento maravilhoso na Escócia. Este avivamento começou em Kilsyth, e sob a pregação do jovem pastor W. C. Burns, que havia substituído a McCheyne enquanto ele se convalescia. Num curto espaço de tempo a força do Espírito Santo, que impulsionava o avivamento, se deixou sentir em muitos lugares. Em Dundee, onde cultos se prolongavam até altas horas da noite em cada dia da semana, as conversões foram muito numerosas. Parecia como se toda a cidade houvesse sido sacudida pelo poder do Espírito.
Em novembro do mesmo ano, McCheyne, tendo melhorado de sua enfermidade, retornou à sua congregação. Os membros da Igreja transbordavam de alegria ao ver de novo o rosto do seu amado pastor. A igreja fez um silêncio absoluto, enquanto todos esperavam que McCheyne ocupasse o púlpito. Muitos membros derramaram lágrimas de gratidão ao verem de novo o rosto de seu pastor. Porém ao terminar o culto, e movidos pelo poder de sua pregação,  foram muitos os pecadores que derramaram lágrimas de arrependimento.
O regresso de McCheyne a Dundee marcou um novo episódio no seu ministério e também na Igreja escocesa. Parecia como se a partir de então o Senhor houvesse se disposto a responder as orações que o jovem pastor elevara desde o princípio do seu ministério suplicando um avivamento ali onde McCheyne pregara, e o Espírito acrescentava novas almas à Igreja.
Na primavera de 1843, ao ter McCheyne regressado de uma série de reuniões especiais em Aberdeenshire, caiu repentinamente enfermo. Neste lugar havia visitado a vários enfermos com febre infecciosa, e a sua constituição enfermiça e débil sucumbiu ao contágio da mesma. E no dia 25 de março de 1843 ele partiu para estar com o Senhor.
“Em todas as partes onde chegava a notícia de sua morte – escreveu Bonar – o semblante dos crentes se ensombrecia de tristeza. Talvez não haja havia outra morte que tenha impressionado tanto os santos de Deus na Escócia como a deste grande servo de Deus, que consagrou toda sua vida à pregação do evangelho eterno. Com freqüência costumava dizer: “vivam de tal modo que nenhum dia seja perdido por vocês”, e ninguém que houvesse visto as lágrimas que foram vertidas na ocasião de sua morte teriam duvidado em afirmar que sua vida havia sido o que ele havia recomendado a outros. Não teria mais que vinte e nove anos quando o Senhor o levou.”.
“No dia do sepultamento cessaram todas as atividades em Dundee. Desde o domicílio fúnebre até o cemitério, todas as ruas estavam abarrotadas de gente. Muitas almas se deram conta naquele dia que um príncipe de Israel havia caído, enquanto muitos corações indiferentes experimentaram uma terrível angústia ao contemplar o solene espetáculo.”.
A sepultura de McCheyne pode ser vista no rincão nordeste do cemitério que fica ao redor da Igreja de São Pedro. Ele se foi às montanhas de mirra e às colinas de incenso, até que desponte o dia e fujam as sombras. Completou sua obra. Seu Pai celestial não teria para ele outra planta para regar, nem outra vida para cuidar, e o Salvador, que tanto o amou em vida, agora o esperava com suas palavras de boas-vindas: “Muito bem, servo bom e fiel, entra no gozo do teu Senhor.”.
O ministério de McCheyne não terminou com sua morte. Suas mensagens e cartas, juntamente com sua biografia, escrita por seu amigo André Bonar, têm sido um rico meio de bênção para muitas almas.    







8 - Um Belo Exemplo de Ministério da Palavra em Thomas Manton 

Se Jesus disse que aquele que o ama é quem tem a Sua Palavra e a guarda, então não é difícil concluir que o ministério mais importante da igreja é o da pregação da Palavra, porque é por meio dela que as pessoas podem ser levadas a amarem e a praticarem a Palavra do Senhor, que em última instância nisto consiste o verdadeiro amor a Ele, conforme o próprio Senhor o definiu. 
Isto se viu nos ministérios dos puritanos e de modo muito particular no de Thomas Manton, conforme percebemos nas palavras de William Bates, na parte final da elegia fúnebre que produziu em memória de Manton, e que destacamos a seguir:
  
“Eu falarei do assunto triste, a causa de minha presença aqui neste momento, em que faleceu o excelente ministro, Dr Thomas Manton, um nome merecedor de memória preciosa e eterna. E eu o considerarei tanto na qualidade do ofício dele, como embaixador de Cristo, quanto declarando a mente dEle e representando a autoridade dEle, e na santidade da pessoa dEle, mostrando as graças e virtudes do seu Mestre divino. Deus tinha-lhe dotado com uma união rara dessas partes que são requeridas para formar ministro excelente da Sua Palavra: Um julgamento claro, memória fértil, forte, rica, e elocução alegre se encontravam nele, e foi melhorado excelentemente pelo seu estudo diligente. A pregação da palavra é a parte principal do dever do ministro, mais essencial à sua chamada, e mais necessário à igreja. Principalmente para este fim foram instituídas as várias ordens no ofício ministerial (Ef 4); e na ascensão triunfante de nosso Salvador e sua recepção no céu, uma efusão abundante do Espírito em graças e habilidades desceu sobre os homens. Ele estava dotado com um conhecimento extraordinário das Escrituras. Os sermões dele eram muito claros e convincentes, que ninguém, sem oferecer violência voluntária à consciência, poderia resistir à evidência deles. E conseqüentemente eles eram eficazes, não somente para inspirar uma vergonha súbita, e produzir uma comoção  nos afetos, conduzindo a  uma mudança duradoura na vida. Porque na alma humana, tal é a composição de suas faculdades que até que a compreensão seja retificada em suas apreensões e estimações, a vontade nunca será induzida a fazer uma escolha completa, firme do que é necessário para a obtenção da felicidade perfeita. Uma conversão sincera, perseverante é efetuada através de razões pesadas que se instalam no coração. A doutrina dele era incorruptível e pura.  A verdade de acordo com piedade. Ele estava distante de uma intenção culpada, vil para prostituir aquela ordenação sagrada para adquirir alguma vantagem secular privada. Nem entretinha os seus ouvintes com sutilezas impertinentes, noções vazias, disputas complicadas, secas e estéreis, sem virtude produtiva; mas como quem sempre tinha diante dos seus olhos o grande fim do ministério: a glória de Deus e a salvação de homens, os sermões dele foram dirigidos para abrir os olhos deles, para que pudessem ver a sua condição miserável como pecadores, e apressar a fuga deles da ira por vir, fazendo-lhes humilde, grata e  completamente receberem a Cristo como o príncipe e salvador todo suficiente deles, e para edificar os converteram na fé mais santa deles, e no amor mais excelente,  isso é em resumo o cumprimento da lei: fazer verdadeiros crentes eminentes no conhecimento e na obediência universal. Como o assunto dos sermões dele foi projetado para o bem das almas, assim o modo dele de expressão era apropriado àquele fim. Palavras são o veículo da luz divina. Como a sabedoria divina  encarnou em Cristo para revelar as Suas deliberações eternas para o mundo, a mente deve estar vestida com palavras de sabedoria tão espiritual e divinas para fazer isto sensato a outros. E nisto ele teve um talento singular. O estilo dele não foi perfeitamente estudado, enquanto não consistindo em períodos harmoniosos, mas estava bastante distante da maldade vulgar. A expressão dele era natural e livre, clara e eloqüente, rápida e poderosa, sem qualquer tempero de insensatez, e sempre satisfatório à simplicidade e majestade das verdades divinas. Os sermões dele dispuseram alimento significativo com delícia, de forma que uma mente meticulosa não os poderia recusar. Ele detestou uma ostentação vã de inteligência controlando coisas sagradas, tão venerável e grave, e de conseqüência eterna. Realmente, o que é mais impróprio no ministro de Cristo do que desperdiçar os neurônios do seu cérebro, como faz uma aranha com os seus intestinos, somente para tecer uma  teia para pegar moscas, e adquirir aplausos vãos agradando o tolo e o ignorante? E que crueldade é isto para as almas dos homens! 
É uma crueldade muito grande um ministro preparar sermões para  agradar a curiosidade tola de fantasias com as vaidades flamejantes dos seus sermões; enquanto as almas famintas adoecem pela falta de alimento sólido. O fervor dele e seriedade na pregação era o que poderia amolecer e tornar flexíveis os espíritos mais teimosos e obstinados. Eu não estou falando de alguém cujo talento somente estava na voz como quem labuta no púlpito como se o fim da pregação  fosse exercitar o corpo, e não para o benefício de almas; mas este homem de Deus estava inflamado com um zelo santo, e por isso tais expressões ardentes irromperam dele com a capacidade de obter a atenção e o consentimento dos seus ouvintes. Ele falava como quem tinha uma fé viva dentro dele quanto às verdades divinas. Desta união de zelo com o seu conhecimento ele foi qualificado a convencer e converter almas excelentemente. Quando o som das palavras penetram o ouvido, menos a mente argumenta com a mente, e o coração fala com o coração. A assiduidade inigualada dele pregando revela o quanto ele era sensato destas queridas e fortes obrigações que recaem sobre os  ministros e ele foi muito diligente nesse abençoado trabalho. Aquele motivo poderoso que nosso Salvador urgiu em Pedro! “Se tu me amas apascenta as minhas ovelhas”. E qualquer alimento por maior que seja pode ser bastante para demonstrar nosso amor ao Senhor? Qualquer dor pode ser suficiente para a salvação de almas, pelas quais o Filho de Deus não estimou o sangue dele um preço muito alto? Não é então um requisito o empenho incansável para fazer avançar o trabalho da graça neles para a perfeição? Neste trabalho de um ministro há uma desvantagem estranha, se comparado com o trabalho de um artífice, que pode ir pintando, por exemplo um quadro, pincelada após pincelada, sem ter nenhuma perda em seu trabalho, e por fim ver a obra completa. Mas o coração do homem é de um temperamento estranho, duro como mármore, não facilmente receptivo às impressões divinas, embora seja fluido como água. Essas impressões são deformadas facilmente nele; por ser exposto a tantas tentações que induzem uma desconsideração para com as coisas eternas e assim todo o trabalho fica perdido. Este ministro fiel abundou no trabalho do Deus; e o que é verdadeiramente admirável é que embora estivesse tão  freqüentemente pregando, apesar de ser superior a outros,  no entanto se igualava a eles. Na última pregação dele, antes da sua morte, o vigor da sua mente apoiava a fraqueza do seu corpo. Eu me lembro quando, oprimido com uma rouquidão obstinada, um amigo desejou que ele se poupasse, mas ele rejeitou o conselho com indignação. Ele não era nenhum fomentador de facção, e sabia o que é a bênção da paz, e conhecia as conseqüências perniciosas que assistem às divisões. Pela paz, o laço de harmonia mútua, as coisas mais fracas são preservadas e prosperam; mas onde reina a discórdia, os mais fortes estão perto da ruína. O consentimento divino na igreja primitiva era a causa principal do seu aumento milagroso e florescente; mas depois que dissensões prevaleceram entre os cristãos foi destruído em pouco tempo o que foi construído pela união e paciência divina e heróica dos cristãos  primitivos, e os começos gloriosos que prometeram a reforma de toda a Europa estavam mais entupidos pelas dissensões de alguns que trabalharam nesse abençoado trabalho, que por todo o poder e sutileza, dos braços e artifícios da própria Igreja de Roma. Quão aflitiva é a consideração de nossa igreja dividida! Doce paz! Para onde tu fugiste? Salvador bendito! que através de teu sangue precioso reconcilia céu e terra, derrama o teu Espírito para nos inspirar com aquela sabedoria que é pura e pacífica, que aqueles que concordam nos mesmos princípios de fé, nas mesmas partes significativas da adoração, afirmando a mesma necessidade indispensável de santidade, possam receber uma ao outro em amor. Eu estou afetuosamente comprometido num assunto que toca quase tudo que diz respeito ao valor e interesse protestante. Brevemente, considere como um crente; a vida dele era responsável à doutrina dele. É aplicável a alguns ministros, o que é observado da brasa, por seu calor e brilho parece ser de fato um fogo, mas tem somente o nome e aparência disto. Assim alguém no púlpito parece estar todo em chamas com zelo, contudo os corações deles estão tão frios quanto uma pedra, sem afetos santos, e as vidas deles são desmerecedoras da ministração divina que eles fazem. Mas este servo de Deus era como uma árvore frutífera que produz em seus ramos o que sustenta a raiz; a graça dentro dele foi feita visível numa conversação que se torna o evangelho de Cristo. O desprezo resoluto dele do mundo o afiançou a não ser forçado por esses motivos que desviam os espíritos do dever deles.  Ele não se atirava em dificuldades, mas com consciência resoluta as evitava. A constância generosa dele de mente resistindo à corrente de humor popular declarava a lealdade dele ao seu Mestre divino. A caridade dele era eminente obtendo materiais para outros quando em circunstâncias difíceis. Mas ele tinha grande experiência da provisão paternal de Deus para a qual a confiança filial dele era correspondente. A conversação dele na sua família era santa e exemplar, enquanto os instruindo diariamente pelas Escrituras quanto ao dever deles. Eu terminarei minha observação sobre o caráter dele referindo-me à sua humildade dele. Ele era profundamente afetado com o senso das fragilidades dele e indignidade. Ele considerava a pureza infinita de Deus, a perfeição da lei dele, a regra de nosso dever, e por isso humilhando-se na luz descobria os seus defeitos. Ele expressou os pensamentos dele a mim um pouco antes da sua morte: se os profetas santos estivessem debaixo de impressões fortes de temor na descoberta extraordinária da presença divina, como devemos nós criaturas pobres  aparecermos diante daquela Majestade santa e terrível? Isaías, depois da sua visão gloriosa de Deus, que reflete nele, como não se aposentaria do comércio e corrupção do mundo?  É infinitamente terrível  aparecer diante de Deus, o juiz de tudo, sem a proteção do sangue da aliança que fala coisas melhores que o sangue de Abel. Somente Isto o aliviou, e apoiou as esperanças dele. Embora o trabalho dele fosse abundante, contudo ele sabia que o trabalho de Deus, enquanto em nossas mãos, é marcado assim, que, sem uma atração para o perdão, misericórdia e graça, nós não podemos nos levantar em juízo. Este foi o assunto do seu último sermão público. Ele adoeceu muitos meses, mas presumindo que ele deveria ser muito forte para a fraqueza dele, negligenciou isto, e se tornou afinal insuperável e mortal. Muitas agravações levantam nossa grande e querida perda; aquele ministro fiel de Cristo deveria ser levado embora, para quem pregar era tão poderoso para consertar as ruínas da piedade e virtude num geração degenerada; e de quem, cujo espírito prudente, pacífico o fez tão útil nestes tempos divididos, quando os ministros da mesma religião estão divididos um do outro, como se eles tivessem sido batizados com as águas da dissensão.  Se antes nossas lágrimas tinham secado pela perda de outros ministros, a fonte de tristeza deveria ser aberta novamente por este golpe aflitivo. Mas cabe a nós receber as dispensações do céu com submissão humilde e quieta, refletindo em nossos pecados com uma aflição santa por terem provocado a Deus a remover de nós um tal instrumento excelente da Sua glória. Nos deixe orar ao Senhor da seara, que envie trabalhadores fiéis a ela. Oh aqueles ministros sobreviventes poderiam ser animados com um zelo mais puro e fervente no seu trabalho divino, e que as pessoas sejam sábias, enquanto um preço é posto nas mãos delas para melhorarem isto para a vantagem eterna delas! O evangelho negligenciado será afinal uma testemunha terrível contra o desobediente, e justificará e agravará a condenação deles. 





9 - George Whitefield

por J. C. Ryle

Prefácio 

O volume agora nas mãos do leitor requer algumas sentenças explanatórias como prefácio. Eu ficaria insatisfeito se houvesse algum equívoco quanto à sua natureza e propósito.

Ele consiste de uma série de escritos biográficos, publicados em um bem conhecido e valiosíssimo periódico mensal, durante os anos de 1866 e 1867 (The Family Treasury). O meu objetivo em compor estes escritos foi trazer ao público, em uma forma compreensiva, as vidas, caracteres e obras dos ministros líderes, por cuja agência Deus se agradou em reavivar o Cristianismo na Inglaterra há cem anos atrás. Eu há muito havia sentido que estes grandes homens não eram bastante conhecidos, e seus méritos, por conseqüência, não suficientemente reconhecidos. Eu creio que a Igreja e o mundo deveriam saber alguma coisa a mais do que parecem saber sobre homens tais como Whitefield, Wesley, Romaine, Rowlands, Grimshaw, Berridge, Venn, Toplady, Hervey, Walker e Fletcher. Por vinte anos eu esperei ansiosamente por algum relato digno destes poderosos heróis espirituais. Por fim, eu fiquei cansado de esperar, e resolvi ‘tomar a pena’ em minha própria mão, e fazer o que estava ao meu alcance através das páginas de um periódico. Estes escritos, em aquiescência a desejos de amigos, são agora reunidos em forma de livro.

Até onde a minha tentativa foi bem sucedida, eu deixo agora ao julgamento do público. No que tange a méritos literários, este volume não tem o que reivindicar. Os seus capítulos foram escritos de mês em mês, em meio a muitos compromissos ministeriais, debaixo de uma pressão a qual ninguém pode entender, a não ser aqueles que escrevem para periódicos. Esperar que tal volume seja um modelo de aperfeiçoada composição seria um absurdo. A única pretensão que tenho é a de um grau tolerável de acuracidade com relação aos fatos históricos. Eu tive o cuidado de não fazer nenhuma afirmação, a menos que pudesse encontrar alguma autoridade para sustentá-la.

O leitor cedo descobrirá que eu sou um entusiástico admirador dos homens cujos perfis eu tracei neste volume. Eu confesso isto honestamente. Eu sou um verdadeiro entusiasta a respeito deles. Eu acredito firmemente que, excetuando Lutero com seus contemporâneos do Continente e os nossos próprios mártires reformadores, o mundo não tem visto homens semelhantes a estes desde os dias dos apóstolos. Eu creio que não houve ninguém que tenha pregado tão pura verdade bíblica, ninguém que tenha vivido vidas semelhantes, ninguém que tenha mostrado tanta coragem no serviço de Cristo, ninguém que tenha sofrido tanto por causa da Verdade, ninguém que tenha realizado tanto bem. Se alguém pode mencionar homens melhores, tal pessoa sabe mais do que eu.

Eu lanço agora este volume com a fervorosa oração de que Deus possa desculpar todos os seus defeitos, que use-o para a Sua própria glória, e levante em sua Igreja homens tais quais os que são aqui descritos. Seguramente, quando nós olhamos para o estado da Inglaterra, nós podemos muito bem perguntar, ‘Onde está o Senhor Deus de Whitefield e de Rowlands, de Grimshaw e de Venn? Ó Senhor, reaviva a Tua obra!’

Stradbroke Vicarage, 10 de agosto de 1868.

J. C. Ryle


Capítulo 1

Condição Moral e Religiosa da Inglaterra no Início do Século
O assunto que desejo tratar neste volume é parcialmente histórico e parcialmente biográfico. Se algum leitor espera, devido ao título, uma estória fictícia ou alguma coisa parcialmente extraída da minha imaginação, eu temo que ficará desapontado. Tal tipo de escrito não é de minha alçada, e eu não teria tempo disponível para isto se o fosse. Fatos, puros fatos, e as cruas realidades da vida absorvem todo o tempo que eu posso dispor para o serviço literário.

Eu acredito, entretanto, que para a maioria dos leitores, o assunto que escolhi não necessita de apologia. A pessoa que não sente interesse na história e biografias de seu país é certamente um pobre patriota e um péssimo filósofo.

‘Patriota’, ele não pode ser chamado. O verdadeiro patriotismo fará com que um inglês se interesse por tudo o que concerne à Inglaterra. Um verdadeiro patriota gostará de saber alguma coisa acerca de cada um que tenha deixado sua marca no caráter inglês, do Venerável Bede a Hugh Stowell, de Alfredo, o Grande, a Pounds, o originador das Escolas Ragged.

‘Filósofo’ certamente ele não é. O que é filosofia senão a história ensinada pelos exemplos? Conhecer os degraus através dos quais a Inglaterra alcançou a sua presente condição, é essencial a um entendimento correto tanto de nossos privilégios, como de nossos perigos nacionais. Conhecer os homens que Deus levantou para fazer o Seu trabalho em dias passados, nos guiará ao procurarmos por padrões em nossos próprios dias e nos dias por vir.

Eu me aventuro a pensar que não há um período da história da Inglaterra que seja tão instrutivo para um cristão como os meados do século passado. Este é o período do qual, ainda hoje, sentimos sua influência. Este é o período com o qual os nossos avós e bisavós estiveram imediatamente associados. Este não é um período sem importância, do qual não possamos extrair as mais úteis lições para os nossos próprios dias.

Deixe-me iniciar, tentando descrever a condição real da Inglaterra há cem anos atrás. Uns poucos e simples fatos bastarão para tornar isto claro.

O leitor deve lembrar que eu não vou falar de nossa condição política. Eu poderia facilmente lhe dizer que, nos dias de Sir Robert Walpole, o Duque de Newcastle, e do Ancião Pitt, a posição da Inglaterra era bastante diferente da que ocupa agora. Grandes homens de estado e oradores havia entre nós, não há dúvida. Mas nossa posição entre as nações da terra era comparativamente pobre, fraca e humilde. A nossa voz entre as nações tinha muito menos peso do que tem obtido desde então. O estabelecimento de nosso Império Indiano mal havia iniciado. Nossas possessões australianas eram uma parte do mundo apenas recentemente descoberto, mas ainda não colonizado. Aqui, havia um forte partido no país que ainda ansiava pela restauração dos Stuarts. Em 1745, o Pretendente (ao trono) e um exército da Highland (terras montanhosas da Escócia) marcharam daquele país para invadir a Inglaterra e chegaram até Derby. Corrupção, desonestidade e desgoverno em altos postos eram a regra e a pureza, exceção. Incapacidade civil e religiosa ainda abundavam. Os Atos Corporativos não haviam ainda sido revogados. Ser um não-conformista era considerado apenas um pouco melhor do que um sedicioso ou rebelde. Municípios corruptos prosperavam. O suborno em todas as classes era aberto, descarado e abundante. Tal era a Inglaterra politicamente há cem anos atrás.

O leitor deverá lembrar ainda, que eu não vou falar de nossa condição do ponto de vista econômico e financeiro. A nossa vasta indústria de algodão, seda e linho tinha apenas começado a existir. Os nossos imensos tesouros minerais de carvão e ferro estavam quase que intocados. Nós não possuíamos barcos a vapor, locomotivas, estradas-de-ferro, gás, telégrafo elétrico, agências financeiras, agricultura científica, estradas pavimentadas, comércio livre, arranjos sanitários, nem polícia digna do nome. Deixe qualquer inglês imaginar, se é que ele pode, o seu país sem qualquer das coisas que acabei de mencionar, e ele terá apenas uma pálida idéia da condição econômica e financeira da Inglaterra há cem anos atrás.

Mas eu deixo estas coisas aos economistas, políticos e historiadores deste mundo. Embora interessantes, não há dúvida, elas não fazem parte do assunto ao qual eu desejo me deter. Eu desejo tratar deste assunto como um ministro do Evangelho de Cristo. É à condição moral e religiosa da Inglaterra há cem anos atrás que eu desejo confinar minha atenção. Aqui está o ponto para o qual eu desejo dirigir os olhos do leitor.

O estado deste país do ponto de vista moral e religioso em meados do século passado era tão dolorosamente insatisfatório, que é difícil transmitir uma idéia adequada da situação. O povo inglês do tempo presente, que nunca foi levado a inquirir acerca deste assunto, não pode ter uma idéia da escuridão que prevalecia. Do ano de 1700 até a época da Revolução Francesa, a Inglaterra parecia estéril de tudo o que é realmente bom. Como tal estado de coisas pode ter surgido em uma terra de Bíblias livres e de um Protestantismo professo, quase que ultrapassa a compreensão. O Cristianismo parecia jazer como morto, tanto assim que você poderia ter dito: ‘ele está morto’. Moralidade, apesar de muito exaltada nos púlpitos, era completamente pisoteada nas ruas. Havia escuridão nas altas camadas, assim como nas baixas, escuridão na Corte e no campo, no Parlamento e no bar; escuridão no interior e escuridão na cidade; escuridão entre os ricos e escuridão entre os pobres; uma grossa, densa escuridão moral e religiosa; uma escuridão que podia ser sentida.

É o caso de alguém perguntar: ‘o que as igrejas faziam há cem anos atrás?’ A resposta pode ser dada rapidamente. A Igreja da Inglaterra existia naqueles dias com seus artigos admiráveis, sua tradicional liturgia, seu sistema paroquial, seus cultos dominicais e seus dez mil clérigos. O grupo não-conformista existia, com suas liberdades duramente adquiridas e seus púlpitos livres. Mas, infelizmente, uma explicação deve ser dada sobre ambos os grupos. Eles existiam, mas é difícil dizer se viviam. Eles não faziam nada; estavam completamente adormecidos. A maldição do Ato da Uniformidade parecia repousar sobre a Igreja da Inglaterra. A doença do comodismo e a ausência de perseguição pareciam pairar sobre os não-conformistas. Teologia natural, sem uma única doutrina distintiva cristã, moralidade fria ou ortodoxia estéril, formavam o corpo principal do ensino tanto nas igrejas como nas capelas. Os sermões, em toda parte, eram pouco melhores do que pobres ensaios morais, totalmente destituídos de qualquer coisa capaz de despertar, converter ou salvar almas. Ambas as partes pareciam, por fim, concordar em um ponto: deixar o diabo em paz e não fazer nada pelos corações e almas. E no que concerne às importantes verdades pelas quais Hooper e Latimer tinham ido para a fogueira, Baxter e muito dos puritanos para a prisão, elas pareciam ter sido totalmente esquecidas e colocadas na prateleira.

Visto que este era o estado de coisas nas igrejas e capelas, ninguém ficará surpreso ao saber que o país estava inundado de infidelidade e ceticismo. O príncipe deste mundo fez um excelente uso da oportunidade. Seus agentes estavam ativos e zelosos em promulgar todos os tipos de idéias estranhas e blasfemas. Collins e Tindal denunciavam o Cristianismo como política clerical. Whiston afirmava serem os milagres da Bíblia grandes embustes. Woolston declarava que eles eram alegorias. Arianismo e Socinianismo eram abertamente ensinados por Clark e Priestly e se tornaram moda entre a classe intelectual da comunidade. Um simples fato pode nos dar uma idéia da completa incapacidade do púlpito em vencer o progresso de toda essa enchente de impiedade. O célebre advogado Blackstone teve a curiosidade, no princípio do reinado de George III, de ir de igreja em igreja para ouvir cada sacerdote importante em Londres. Ele disse que não ouviu um único discurso que apresentasse mais Cristianismo do que os escritos de Cícero, e que lhe seria impossível descobrir, do que ouvira, se o pregador era um seguidor de Confúcio, de Maomé ou de Cristo!

Evidências desta situação são, infelizmente, abundantes. A minha dificuldade não está tanto em descobrir testemunhas, quanto em selecioná-las. Este foi o período ao qual o Arcebispo Secker se referiu em um dos seus comentários: ‘Nisto não podemos estar enganados, que um aberto e professo desprezo da religião tomou-se, através de uma variedade de tristes razões, o caráter distintivo da época. Tal era a devassidão e o desdém de princípios nas camadas mais elevadas, e tal o desregramento, intemperança e a audácia em cometer crimes nas mais baixas, que se a torrente de impiedade não viesse a parar, tornar-se-ia absolutamente fatal. O Cristianismo é ridicularizado e injuriado com pouquíssima reserva, e os que o ensinam, sem reserva alguma’. Este foi o período quando o Bispo Butler, em seu prefácio à ‘Analogia’, usou as seguintes palavras dignas de nota: ‘Tem-se assumido como fato consumado que o Cristianismo não é mais um assunto para inquirição, e que agora, finalmente, descobriu-se que se trata de mera ficção. Como conseqüência, tem sido tratado presentemente como sendo um ponto de concordância entre todas as pessoas de discernimento, nada restando senão instituí-lo como um dos assuntos preferidos para gracejo e ridículo’. E queixas como estas não se confinavam aos clérigos. O Dr. Watts declara que nos seus dias, ‘havia uma decadência generalizada de religião vital nos corações e vidas das pessoas, e que esta era, em geral, uma constatação observada com pesar entre todos os que consideram seriamente no seu coração a causa de Deus’. O Dr. Guyse, outro não-conformista muito respeitado, diz: ‘A religião natural insinua-se como o tópico predileto de nossa época; e a religião de Jesus só tem valor por causa daquela, e somente na medida em que leve adiante a luz da natureza e seja um mero aperfeiçoamento deste tipo de luz. Tudo o que é distintivamente cristão, ou que é peculiar a Cristo, tudo o que diz respeito a Ele e que aparentemente não tenha sua fundação na luz natural, ou que vá além dos princípios da natureza, é colocado de lado, banido e desprezado’. Testemunhos como este podem ser facilmente multiplicados dez vezes. Mas eu poupo o leitor. Provavelmente o suficiente já foi apresentado para provar que quando eu falo da condição moral e religiosa da Inglaterra no início do século dezoito como dolorosamente insatisfatória, não estou fazendo uso de uma linguagem exagerada.

Quem eram os bispos daqueles dias? Alguns deles eram, sem dúvida, homens de intelectos e culturas poderosas e de vidas irrepreensíveis. Mas os melhores deles, tais como Secker, Butler, Gibson, Lowth e Horn, pareciam incapazes de fazer mais do que deplorar a existência de males, os quais viam, mas não sabiam como solucionar. Outros, como Lavington e Warburton, fulminavam ferozes acusações contra entusiasmos e fanatismos, e pareciam temer que a Inglaterra viesse a tomar-se demasiadamente religiosa! Mas a maioria dos bispos, para dizer a verdade, eram homens do mundo. Eles estavam desqualificados para a posição em que se encontravam. O caráter predominante do corpo episcopal pode ser avaliado pelo fato de que o arcebispo Cornwallis dava bailes e festas no palácio de Lambeth, até que o próprio rei teve que interferir escrevendo e, pedindo que abandonasse tais práticas. Deixe-me também acrescentar, que quando os ocupantes do colégio episcopal estavam incomodados pela rápida propagação da influência de Whitefield, foi sugerido com seriedade, nas esferas mais altas da igreja, que a melhor maneira de dar um fim a sua influência, era torná-lo bispo.

O que era o clero paroquial daqueles dias? A vasta maioria deles estava imersa no mundanismo, e não sabia nem se importava com coisa alguma da sua profissão. Não faziam o bem, nem gostavam que ninguém o fizesse no lugar deles. Eles caçavam, atiravam, eram proprietários de terras, praguejavam, bebiam e jogavam. Eles pareciam determinados a conhecer tudo, exceto Jesus Cristo e Ele crucificado. Quando eles se reuniam, geralmente era para brindar ‘à igreja e ao rei’ e para edificarem-se mutuamente na carnalidade de suas mentes, preconceitos, ignorância e formalismo. Quando retornavam para suas próprias casas, era para fazerem o mínimo e pregarem o mais raramente possível. E quando pregavam, seus sermões eram tão indizível e indescritivelmente ruins, que é reconfortante lembrar que eram geralmente pregados a bancos vazios.

Que tipo de literatura teológica nos foi legada há cem anos atrás? A mais pobre e fraca na língua inglesa. Esta foi a época a que pertencem obras religiosas como a intitulada ‘O Dever Total do Homem’, e os sermões de Tillotson e Blair. Pergunte em qualquer loja de livros antigos e você descobrirá que não há teologia tão invendável como os sermões publicados na metade e no final do século passado.

Que tipo de educação possuíam as ordens mais baixas cem anos atrás? Na maior parte das paróquias e especialmente nos distritos rurais, eles não tinham educação alguma. Quase todas as nossas escolas rurais foram construídas a partir de 1800. A ignorância era tão extrema, que um pregador metodista em Somersetshire foi levado a juramento diante dos magistrados porque havia citado em um sermão que, ‘Aquele que não crê será condenado!’ Enquanto que Yorkshire não fica atrás de Somersetshire, pois nesta cidade, um oficial de polícia levou Charles Wesley diante dos magistrados, acusando-o de ser um simpatizante do pretendente ao trono da Inglaterra, porque em uma oração pública ele havia pedido ao Senhor que ‘trouxesse de volta os seus exilados!’ Para completar, o vice chanceler de Oxford realmente expulsou seis estudantes da universidade porque ‘eles tinham tendências metodistas, e resolveram orar e expor as Escrituras em residências particulares’. Dizer palavrões extemporâneos, alguém observou, não criava nenhum problema aos estudantes de Oxford, mas orar extemporaneamente era uma ofensa que não podia ser tolerada!

Como era a moral de cem anos atrás? Basta dizer que a prática de duelo, adultério, fornicação, jogo, linguagem obscena, profanação do domingo e bebedice, dificilmente era considerada como conduta condenável. Estas eram as práticas da moda nas camadas elevadas da sociedade, e ninguém seria mal visto por dar-se a elas. A melhor evidência disto pode ser encontrada nas pinturas de Hogarth.

Qual era a literatura popular de cem anos atrás? Eu deixo de lado o fato de que Bolingbroke, Gibbon e Home, o historiador, estavam todos profundamente mortos no ceticismo. Eu me refiro mesmo é à literatura frívola que estava muito em voga. Folheie as páginas de Fielding, Smollett, Swift e Sterne, e você obterá a resposta. A habilidade desses escritores é inegável; mas a indecência de muitos dos seus escritos é tão berrante e vulgar, que poucas pessoas hoje em dia gostariam de permitir que as obras deles fossem vistas sobre a mesa de suas salas de visitas.

Eu temo que o retrato que venho esboçando seja ainda muito escuro e pálido. Eu desejaria poder lançar um pouco mais de luz sobre ele. Mas fatos são inflexíveis, especialmente fatos sobre literatura. A melhor literatura de cem anos atrás é encontrada nos escritos morais de Addison, Johnson, e Ateele. Mas eu temo que os efeitos dessa literatura no público em geral eram infinitamente pequenos. Na verdade eu creio que Johnson e os ensaístas não tiveram maior influência sobre a religião e moralidade das massas do que a ‘vassoura’ da renomada Sra. Partington teve sobre as ondas do oceano Atlântico.

Para resumir tudo e concluir esta parte do meu assunto, eu peço que o leitor se lembre de que as boas obras com as quais todos agora estão familiarizados não existiam há cem anos atrás. Wilberforce ainda não havia atacado o comércio de escravos. Howard ainda não havia reformado as prisões. Raikes ainda não havia estabelecido as escolas dominicais. Nós
não tínhamos sociedades bíblicas, escolas para crianças pobres, missões urbanas, sociedades de ajuda pastoral, missões a povos pagãos. O espírito da sonolência estava sobre a nossa terra. Do ponto de vista moral e religioso, a Inglaterra dormia profundamente.

Eu não posso deixar de observar, ao concluir este capítulo, que nós deveríamos ser mais gratos pelos tempos em que vivemos. Eu temo que sejamos mais tendentes a olhar para os males que vemos ao nosso redor, e a esquecermos quão piores eram as coisas há cem anos atrás. De minha parte, não alimento ilusões quanto aos ‘bons tempos antigos’ dos quais alguns falam com deleite e admito isso francamente. Eu os considero como uma mera fábula e mito. Acredito que o tempo em que estamos vivendo é um dos melhores que a Inglaterra já viu. Não digo isso com jactância. Sei que temos muitas coisas para deplorar. O que eu realmente digo é que as coisas poderiam ser piores. A nossa situação era muito pior há cem anos atrás. O nível geral da religião e da moral é indubitavelmente muito mais elevado hoje. Pelo menos, em 1868, nós estamos despertados. Nós vemos e sentimos os males, os quais as pessoas não sentiam há cem anos atrás. Nós lutamos para nos ver livres desses males; nós desejamos nos corrigir. Apesar de nossas muitas faltas, não estamos profundamente adormecidos. Em todos os lados há ânimo, ação, movimento, progresso e não estagnação. Por piores que estejamos, confessamos o nosso mal estado. Por mais fracos que estejamos, reconhecemos nossa fraqueza. Por mais insignificantes que sejam nossos esforços, estamos empenhados em melhorar. Embora estejamos fazendo pouco por Cristo, estamos tentando fazer alguma coisa. Agradeçamos a Deus por isso! As coisas poderiam estar piores. Comparando os nossos próprios dias com os meados do século passado, há razão para agradecermos a Deus e para criar coragem. A Inglaterra está em um estado melhor do que se encontrava há cem anos atrás.


Capítulo 2

Reavivamento Religioso na Inglaterra no Século XVIII
Que uma grande mudança, para melhor, aconteceu na Inglaterra nos últimos cem anos é um fato o qual, eu suponho, nenhuma pessoa bem informada jamais tentaria negar. Seria tão difícil negar isto, quanto negar que houve uma Reforma Protestante nos dias de Lutero, um Longo Parlamento no tempo de Cromwell, ou uma República Francesa no fim do último século. Houve uma grande mudança para melhor. Tanto na religião, quanto na moral, o país passou por uma completa revolução. As pessoas não pensam, não falam, nem agem como faziam em 1750. Este é um grande fato, que os filhos deste mundo não podem negar, por mais que tentem explicá-lo. Negar isso seria tão difícil quanto persuadir-nos de que a maré alta e a maré baixa sob a ponte de Londres são uma e a mesma coisa.

Mas por que meio foi efetuada esta grande mudança? A quem devemos este imenso melhoramento da situação religiosa e moral que, sem dúvida, ocorreu na Inglaterra? Quais, em uma palavra, foram os instrumentos que Deus empregou para realizar a grande Reforma Inglesa do século dezoito? Este é o ponto que desejo examinar de um modo geral, no presente capítulo. Os nomes e biografias dos principais agentes, eu reservarei para os capítulos subseqüentes.

O governo do país não pode reivindicar o crédito pelas mudanças. Moralidade não pode vir à existência através de decretos-lei e estatutos. Até hoje as pessoas nunca vieram a ser religiosas por meio de atos parlamentares. De qualquer forma, os parlamentos e administrações do século passado fizeram tão pouco pela religião e moral quanto quaisquer outros que já existiram na Inglaterra.

Nem tampouco as mudanças vieram da Igreja da Inglaterra como um corpo. Os lideres daquela venerável entidade estavam totalmente desqualificados para as necessidades da época. Entregue a si mesma, a Igreja da Inglaterra provavelmente teria morrido apesar de toda a sua ‘dignidade’ e submergido em seus próprios esteios.

Nem tampouco as mudanças vieram dos não-conformistas. Satisfeitos com seus trunfos adquiridos a duras penas, aquela digna classe de homens parecia ter parado de remar. Em pleno gozo do seu direito de consciência, eles esqueceram os grandes princípios vitais de seus antepassados e seus próprios deveres e responsabilidades.

Quem, então, foram os reformadores do século passado? A quem, abaixo de Deus, estamos em débito pelas mudanças que ocorreram?

Os homens que efetuaram a nossa libertação da situação em que nos encontrávamos há cem anos atrás foram uns poucos indivíduos, a maioria deles ministros da Igreja da Inglaterra, cujos corações Deus tocou mais ou menos ao mesmo tempo em várias partes do país. Eles não eram prósperos nem altamente relacionados. Eles não tinham nem dinheiro para comprar seguidores, nem influência familiar para demandar atenção e respeito. Eles não eram colocados em evidência por nenhuma igreja, partido, sociedade, ou instituição. Eles eram simplesmente homens a quem Deus chamou e levantou para realizar Sua obra, sem acordos, esquemas ou planos prévios. Eles fizeram Sua obra no antigo modo apostólico, tornando-se os evangelistas de seus dias. Eles ensinaram um conjunto de verdades. Eles as ensinavam do mesmo modo, com calor, veracidade e dedicação, como homens plenamente convencidos do que ensinavam. Eles as ensinavam no mesmo espírito, sempre amoroso, compassivo e, como Paulo, até mesmo chorando, mas sempre ousados, inabaláveis e não temendo a face de homens. E eles as ensinavam seguindo o mesmo método, sempre agindo na ofensiva, não esperando que os pecadores viessem a eles, mas buscando e procurando-os; não perdendo tempo sentados, esperando até que os pecadores se oferecessem para se arrepender, mas tomando de assalto os redis de impiedade, como homens atacando uma brecha, não dando descanso aos pecadores enquanto estivessem agarrados aos seus pecados.

O movimento desses corajosos evangelistas sacudiu a Inglaterra de uma ponta à outra. A princípio, as pessoas nas altas camadas, tentaram desprezá-los. Os homens letrados escarneciam deles como fanáticos; os ‘sábios’ faziam piadas, e inventavam apelidos para eles; a igreja fechou-lhes as portas; os não-conformistas deixaram-nos de lado; a massa ignorante perseguia-os. Mas o movimento desses poucos evangelistas continuou, e se fez sentir em cada parte do país. Muitos foram levantados e despertados para pensar sobre a religião. Muitos foram humilhados por causa de seus pecados. Muitos se reprimiram e assustaram-se diante da sua própria impiedade. Muitos foram reunidos e levados a professar uma religião vigorosa e decidida. Muitos foram convertidos. Muitos que discordavam do movimento foram secretamente estimulados a tentarem se igualar a eles. O pequeno rebento tornou-se uma forte árvore; o pequeno córrego tornou-se um profundo e largo rio; a pequena centelha tornou-se uma chama firme a queimar. Uma vela foi acesa, da qual nós agora desfrutamos o beneficio. O sentimento sobre religião e moralidade de todas as classes no país assumiu um aspecto totalmente diferente. E tudo isto, sob a direção de Deus, foi realizado por uns poucos aventureiros sem patrocinadores e sem pagamento! Quando Deus toma uma obra nas mãos, nada pode pará-la. Quando Deus é por nós, ninguém pode ser contra nós.

A instrumentalidade pela qual os reformadores espirituais do século passado levaram avante sua ação é facílima de ser descrita. Não foi mais nem menos do que a antiga arma apostólica da pregação. A espada que o apóstolo Paulo empunhou com poderoso efeito, quando ele tomou de assalto as fortalezas do paganismo dezoito séculos atrás, foi a mesma espada pela qual eles obtiveram suas vitórias. Dizer, como alguns têm dito, que eles negligenciaram a educação e escolas, é totalmente incorreto. Aonde quer que eles estabelecessem congregações, eles educavam as crianças. Dizer, como outros têm dito, que eles negligenciaram os sacramentos, é simplesmente falso. Aqueles que fazem tal afirmação apenas revelam sua inteira ignorância da história religiosa da Inglaterra de cem anos atrás. Seria fácil citar homens entre os lideres reformadores do século passado cujos membros comungantes poderiam ser contados às centenas, e que honravam a Ceia do Senhor mais do que quarenta e nove de cinqüenta outros ministros em seus dias. Mas, além de qualquer dúvida, a pregação era a arma favorita deles. Eles sabiamente retornaram aos primeiros princípios e adotaram os métodos apostólicos. Eles sustentavam, junto com o apóstolo Paulo, que a principal tarefa de um ministro é ‘pregar o Evangelho’.

Eles pregavam em todo lugar. Se o púlpito de uma paróquia da Igreja estava aberto para eles, eles alegremente se colocavam à disposição. Se não pudessem conseguir um púlpito, eles estavam igualmente prontos para pregar em um celeiro. Nenhum lugar lhes parecia impróprio. No campo ou ao lado de uma rua, num parque ou num mercado, em travessas ou vielas, em porões ou sótãos, em cima de uma barrica ou de uma mesa, em cima de um banco ou de um degrau, aonde quer que pudessem reunir ouvintes, os reformadores espirituais do século passado estavam prontos para falar-lhes a respeito de suas almas. Eles estavam prontos a tempo e fora de tempo para fazer o trabalho de pescadores de homens e circundavam o mar e a terra levando avante a obra do Pai. E isto era algo novo. Podemos nós imaginar que isto produziu um grande resultado?

Eles pregavam de modo simples. Eles corretamente concluíram que o primeiro requisito a ser alcançado em um sermão, é que seja entendido. Eles perceberam claramente que milhares de hábeis e bem compostos sermões eram totalmente inúteis, porque estavam acima da capacidade dos ouvintes. Eles se esforçaram para descer ao nível do povo, e para falar o que o povo podia entender. Para alcançar isto, eles não se envergonhavam de crucificar o seu estilo e de sacrificar sua reputação de eruditos. Para atingir este objetivo, eles usaram ilustrações e exemplos em abundância, e, como seu Mestre divino, fizeram uso de lições extraídas de cada objeto na natureza. Eles colocaram em prática o dito de Agostinho: ‘Uma chave de madeira não é tão bonita quanto uma de ouro, mas se ela puder abrir a porta enquanto a de ouro não, ela é muito mais útil.’ Eles reviveram o estilo dos sermões através dos quais Lutero e Latimer costumavam obter eminente sucesso. Em poucas palavras, eles perceberam a verdade que o grande reformador alemão queria dar a entender quando disse: ‘Ninguém pode ser um bom pregador para o povo, senão estiver disposto a pregar de uma maneira que possa parecer infantil e vulgar a alguns’. E tudo isto era também completamente novo há cem anos atrás.

Eles pregavam com fervor e de modo direto. Eles colocaram de lado aquele modo enfadonho, frio, pesado e sem vida de pregar, o qual há muito havia feito dos sermões um sinônimo do que é tedioso. Eles proclamavam as palavras de fé com fé, e a história da vida, com vida. Eles falavam com ardente zelo, como homens que estavam totalmente persuadidos de que o que diziam era verdade, e que ouvir o que pregavam era algo da maior importância para o benefício eterno deles. Eles falavam como homens que tinham uma mensagem de Deus para você, e que precisavam entregá-la, e que tinham que obter sua atenção enquanto a comunicavam. Eles colocavam o coração, a alma e sentimentos nos seus sermões e despediam seus ouvintes para casa convencidos, afinal, de que o pregador fora sincero e queria o bem deles. Eles acreditavam que você deve falar do coração se você deseja falar ao coração, e que deve haver indiscutível fé e convicção no púlpito para que venha a haver fé e convicção nos bancos. Tudo isto, eu repito, era algo que havia se tornado quase que obsoleto há cem anos atrás. Podemos nós imaginar que isto arrebatou o povo e produziu um imenso efeito?

Mas qual era o conteúdo e o tema da pregação que produziu efeito tão maravilhoso há cem anos atrás? Eu não insultarei o bom senso dos meus leitores dizendo apenas que a pregação deles era ‘simples, zelosa, fervorosa, verdadeira, amável, corajosa, viva’ e assim por diante; é preciso que se compreenda que ela também era eminentemente doutrinária, positiva, dogmática e distinta. As fortalezas do pecado no século passado nunca teriam sido subjugadas meramente por zelo e ensinos errôneos. As trombetas que derrubaram os muros de Jericó não eram trombetas que emitiam sons incertos. Os evangelistas ingleses do século passado não eram homens de credo incerto. Mas o que era que eles pregavam? Alguma informação a este respeito não será sem utilidade.

Uma das coisas que os reformadores espirituais do século passado ensinaram constantemente era a suficiência e supremacia das Sagradas Escrituras. A Bíblia, toda e não mutilada, era a sua única regra de fé e prática. Eles aceitavam todas as suas afirmativas sem questioná-las ou colocá-las em dúvida. Eles não sabiam nada a respeito de porção alguma das Escrituras que não fosse inspirada. Eles nunca admitiram que o homem tenha em si alguma ‘faculdade verificadora’, pela qual as asseverações das Escrituras pudessem ser avaliadas, rejeitadas ou aceitas. Eles nunca se esquivaram de asseverar que não pode haver erro na Palavra de Deus e que, quando não podemos entender ou conciliar algumas partes do seu conteúdo, a falta está no intérprete e não no texto. Em toda a pregação, eles eram eminentemente homens de um só livro. Estavam contentes em depositar sua confiança naquele livro e por ele resistir ou sucumbir. Esta era uma das características de suas pregações. Eles honravam, amavam e reverenciavam a Bíblia.

Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a total corrupção da natureza humana. Eles nada sabiam da idéia moderna de que Cristo está em todos os homens, e de que todos possuem algo de bom dentro de si, que precisa apenas ser despertado e usado para poder salvá-los. Eles nunca agradaram a homens ensinando isso. Eles lhes diziam claramente que estavam mortos e que precisavam viver; que se encontravam culpados, perdidos, desamparados, desesperados e em perigo iminente de destruição eterna. Por mais estranho e paradoxal que possa parecer a alguns, o primeiro passo deles no propósito de tornar bom o homem, era mostrar-lhes que eles eram completamente maus, e o seu argumento primordial, no sentido de persuadir as pessoas a fazerem alguma coisa por suas almas, era convencê-los de que não podiam fazer nada por elas.

Além disso, os reformadores do século passado ensinavam constantemente que a morte de Cristo na cruz era o único meio de expiação para o pecado do homem, e que, quando Cristo morreu, Ele morreu como nosso substituto - ‘o Justo pelo injusto’. Este, na verdade, era o ponto cardinal em quase todos os seus sermões. Eles nunca ensinaram a doutrina moderna de que a morte de Cristo foi apenas um grande exemplo de auto-sacrifício. Eles viam nela algo muito mais elevado, maior e mais profundo do que isto. Viam nela o pagamento do assombroso débito do homem para com Deus. Eles amavam a pessoa de Cristo, se regozijavam nas Suas promessas e instavam os homens a andarem segundo o exemplo dEle. Mas o assunto que eles se deliciavam em tratar, acima de todos os outros, era o sangue redentor que Cristo derramou por nós na cruz.

Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a grande doutrina da justificação pela fé. Eles anunciavam aos homens que a fé era a coisa necessária a fim de obterem, para suas almas, benefício na obra de Cristo; que antes de virmos a crer, estamos mortos e não temos benefício nenhum em Cristo e que a partir do momento em que cremos, passamos a viver e ter pleno direito a todos esses benefícios. Justificação por tornar-se membro de igreja, justificação sem crença e confiança, eram noções que eles não toleravam. Tudo, se você crer e a partir do momento em que crê; nada, se você não crer - era a própria essência da pregação deles.

Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a necessidade universal de conversão do coração e uma nova criação pelo Espírito Santo. Eles proclamavam em todo lugar às multidões a que se dirigiam: ‘Vocês precisam nascer de novo’. Filiação a Deus através do batismo, filiação a Deus ao mesmo tempo em que fazemos a vontade do diabo, eles nunca admitiram. A regeneração que eles pregavam não era algo dormente, apático e inerte. Era alguma coisa que podia ser vista, discernida e conhecida através de seus efeitos.

Além disso, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente a ligação inseparável entre verdadeira fé e santidade pessoal. Eles nunca aceitaram por um só momento, que estar arrolado como membro de igreja ou a simples profissão de fé eram provas de que um homem era crente, se ele não vivesse uma vida piedosa. Um verdadeiro crente, eles sustentavam, deve sempre ser reconhecido por seus frutos e estes frutos devem ser plena e inequivocamente manifestos em todas as áreas da vida. ‘Ausência de frutos, ausência de graça,’ era o teor invariável da pregação deles.

Finalmente, os reformadores do século dezoito ensinavam constantemente as doutrinas igualmente verdadeiras do ódio eterno de Deus pelo pecado e o amor de Deus pelos pecadores. Eles nada sabiam a respeito de um amor insuficiente para salvar do inferno e de um céu aonde santos e não santos são ambos finalmente admitidos. Eles usavam, tanto a respeito do céu como a respeito do inferno, a linguagem mais clara possível. Nunca recuaram em declarar, nos termos mais claros, a certeza do julgamento de Deus e da ira porvir, se os homens persistirem na impenitência e incredulidade; e apesar disso, nunca cessaram de magnificar as riquezas da bondade e compaixão de Deus e de conclamar todos os pecadores a arrependerem-se e voltarem-se para Deus antes que fosse tarde demais.

Estas eram as principais verdades que os evangelistas ingleses do século passado pregavam constantemente. Estas eram as principais doutrinas que eles estavam constantemente proclamando, quer na cidade quer no campo, quer em igrejas quer em céu aberto, quer entre ricos quer entre pobres. Estas foram as doutrinas através das quais eles viraram a Inglaterra de cabeça para baixo, e fizeram homens do campo e trabalhadores de minas de carvão chorarem até que suas faces sujas ficassem marcadas pelas lágrimas; cativaram a atenção de nobres e filósofos, tomaram de assalto as fortalezas de Satanás, arrancaram milhares como que tições do fogo, e mudaram o caráter da época. Você pode chamá-las de doutrinas simples e elementares se desejar. Diga, se lhe agradar, que você não vê nada de grande, surpreendente, novo ou peculiar nesta lista de verdades. Mas é inegável o fato de que Deus abençoou estas verdades, a ponto de reformar a Inglaterra há cem anos atrás. O que Deus abençoou não despreze o homem.


Capítulo 3

A Vida de George Whitefield
Quais foram os homens que reavivaram a religião na Inglaterra há cem anos atrás? Quais foram seus nomes, a fim de que possamos honrá-los? Onde eles nasceram? Como foram educados? Quais são os fatos mais importantes nas suas vidas? Qual foi a área especial em que trabalharam? A estas questões eu desejo fornecer algumas respostas no presente e nos subseqüentes capítulos.

Eu tenho pena do homem que não tem interesse nestas perguntas. Os instrumentos que Deus emprega para fazer a sua obra no mundo merecem um cuidadoso exame. O homem que não se incomoda em olhar para os chifres de carneiro que derrubaram Jericó, para o martelo e estaca que mataram Sísera, para as tochas e trombetas de Gideão, para a funda e pedra de Davi, pode muito bem ser considerado como uma pessoa fria e sem coração. Eu estou certo de que todos os que lerem este volume gostarão de conhecer alguma coisa a respeito dos evangelistas ingleses do século dezoito.

O primeiro que mencionarei é o bem conhecido George Whitefield. Embora não seja o primeiro em ordem, se olharmos para a data de seu nascimento, eu o coloco como primeiro quanto aos méritos, sem nenhuma hesitação. De todos os heróis espirituais de cem anos atrás, nenhum compreendeu tão cedo quanto Whitefield, as demandas de seu tempo, e ninguém estava tão na dianteira na grande obra de ofensiva espiritual. Eu penso que cometeria uma injustiça se colocasse qualquer outro nome na frente do seu.

Whitefield nasceu em Gloucester, no ano de 1714. Esta venerável cidade, que foi o lugar de seu nascimento, está ligada com mais de um nome que deveria ser querido a todo amante da verdade protestante. Tyndal, um dos primeiros e mais capazes tradutores da Bíblia inglesa, também nasceu em Gloucester. Hooper, um dos maiores e melhores dos nossos reformadores ingleses, foi bispo de Gloucester, e foi queimado na fogueira por causa da verdade de Cristo, diante da sua própria igreja, no reinado da Rainha Maria. No século seguinte, Miles Smith, Bispo de Gloucester, foi um dos primeiros a protestar contra os procedimentos romanizadores de Laud, o qual era então Deão de Gloucester. Na verdade, ele ia tão longe nos seus sentimentos protestantes que quando Laud moveu a mesa de comunhão da catedral para o lado direito, e a colocou pela primeira vez do lado oposto do altar, em 1616, o Bispo Smith ficou tão ofendido que se recusou a entrar na catedral a partir daquele dia até a sua morte. Lugares como Gloucester, não podemos duvidar, têm vinculados a si uma rica herança de muitas orações. A cidade aonde Hooper pregou e orou, e onde o zeloso Miles Smith protestou, foi o lugar onde nasceu o maior pregador do Evangelho que a Inglaterra jamais viu.

Como muitos outros homens famosos, Whitefield era de origem humilde, e não gozava de conhecimento de pessoas ricas ou nobres para ajudá-lo a ir avante no mundo. Sua mãe possuía a hospedaria Bell em Gloucester, e parece que não prosperou no negócio. De qualquer modo, parece que ela nunca teve condições de fazer nada para que Whitefield avançasse na vida. A hospedaria ainda existe, e é tida como o lugar de nascimento não apenas do nosso maior pregador inglês, mas também de um bem conhecido prelado inglês: Henry Philpot, Bispo de Exeter.

O início da vida de Whitefield, de acordo com seu próprio relato, foi tudo, menos religioso, embora, como muitas crianças, ele tivesse ocasionais fisgadas de consciência e afetos espasmódicos de sentimentos de devoção. Mas, os hábitos e os gostos em geral são o único teste verdadeiro dos caracteres dos jovens. Ele confessa que era ‘dado à mentira, conversa obscena, galhofa tola’, e que era um ‘profanador do domingo, freqüentador de teatro, jogador de cartas e leitor de romances’. Tudo isso, diz ele, continuou até a idade de quinze anos.

Pobre como era, sua residência em Gloucester lhe proporcionou a vantagem de uma boa educação na escola pública secundária da cidade. Aí ele foi um estudante externo até a idade de 15 anos. Nada é conhecido a respeito do seu progresso aí. Entretanto, ele dificilmente deve ter sido ocioso, pois neste caso não estaria pronto para ingressar na universidade logo depois, com a idade de 18 anos. Além disso, suas cartas mostram uma familiaridade com o latim, através de freqüentes citações, o que dificilmente seria conseguido se não houvesse aprendido na escola. O único fato conhecido a respeito dos seus dias na escola é o fato curioso de que ele era notável por sua elocução e memória, e foi selecionado para recitar discursos diante da Corporação de Gloucester quando da sua visita anual à Escola Secundária.

Com a idade de 15 anos Whitefield deixou a escola, e parece ter abandonado o latim e o grego por um tempo. Com toda a probabilidade, as difíceis circunstâncias financeiras de sua mãe tornaram absolutamente necessário que ele fizesse alguma coisa para ajudá-la no seu negócio e que ganhasse o seu próprio sustento. Assim, ele começou a ajudá-la no serviço diário de sua hospedagem. ‘Finalmente,’ diz ele, ‘eu coloquei o meu avental azul, lavei copos, limpei salas e, em uma palavra, tornei-me um zelador declarado durante um ano e meio.’

Este estado de coisas, entretanto, não durou muito; o negócio da sua mãe na hospedaria não floresceu e ela finalmente aposentou-se totalmente. Um antigo colega de escola reavivou em sua mente a idéia de ir para Oxford, e ele voltou para os bancos da Escola Secundária reiniciando seus estudos. Alguns amigos que estavam interessados por ele se levantaram no Pembroke College, em Oxford, onde a Escola Secundária de Gloucester fez duas exibições. Finalmente, após diversas circunstâncias providenciais terem suavizado o caminho, ele ingressou em Oxford como um servente no Pembroke College com a idade de 18 anos.

O período em que Whitefield residiu em Oxford foi o momento crucial na sua vida. O seu jornal nos diz que durante os dois ou três anos que antecederam a sua ida para a Universidade, ele não esteve isento de convicções religiosas. Mas, a partir do momento em que ingressou no Pembroke College, estas convicções rapidamente amadureceram em direção a um cristianismo convicto. Ele fazia uso diligente de todos os meios de graça ao seu alcance. Ele gastava seus tempos vagos visitando a prisão da cidade, lendo para os prisioneiros, e tentando fazer o bem. Ele conheceu os famosos John Wesley, seu irmão Charles Wesley, e um pequeno grupo de jovens do mesmo pensamento, incluindo o conhecido autor de ‘Theron and Aspasion,’ James Hervey. Este era o devotado grupo aos quais o termo ‘metodistas’ foi aplicado pela primeira vez, por causa do seu ‘método’ estrito de viver. Num certo período da sua vida, Whitefield parece ter devorado com prazer livros como: ‘Thomas à Kempis’, e, ‘O Combate Espiritual de Castanuza’, e ter estado em perigo de tornar-se um semi-papista, um ascético ou um místico, e de fazer da auto-negação o centro da religião. Ele diz em seu jornal: ‘Eu sempre escolhia o pior tipo de alimento. Eu jejuava duas vezes por semana; minha aparência era desprezível. Eu pensava que passar brilhantina no cabelo era impiedade. Eu usava luvas de lã, roupa remendada, e sapatos sujos; e pensei que estava convencido de que o reino não consiste em comida e bebida, mas ainda persistia resolutamente nestes atos voluntários de auto-negação, porque encontrava neles grande estímulo para a vida espiritual.’ Ele foi gradualmente libertado de toda esta escuridão, em parte pelo conselho de um ou dois cristãos experientes, e em parte pela leitura de livros tais como: ‘A Vida de Deus no Coração do Homem’ de Scougal, ‘Apelo Sério’ de Law, ‘Apelo aos não Convertidos’ de Baxter, ‘Alerta a Pecadores não Convertidos’ de Alleine, o comentário de Matthew Henry. ‘Acima de tudo’ diz ele, ‘tendo a minha mente agora mais aberta e alargada, eu comecei a ler as Sagradas Escrituras de joelhos, colocando de lado todos os outros livros e orando, se possível, sobre cada linha e palavra. Isto proveu alimento e bebida de fato para minha alma. Eu diariamente recebia vida fresca, luz e poder do alto. Eu obtive mais conhecimento verdadeiro da leitura do Livro de Deus em um mês do que jamais poderia adquirir de todos os escritos dos homens.’ Uma vez ensinado a entender a gloriosa liberdade da graça de Cristo, Whitefield nunca mais voltou-se para o ascetismo, legalismo, misticismo, ou estranhas idéias da perfeição cristã. A experiência adquirida por meio de amargo conflito lhe foi muito valiosa. As doutrinas da livre graça uma vez plenamente aprendidas, lançaram profundas raízes no seu coração, e tornaram-se como se fosse osso do seu osso e carne da sua carne. De todo o pequeno grupo de metodistas de Oxford, nenhum parece ter se apossado tão cedo de uma clara visão do Evangelho de Cristo como ele o fez, e nenhum a guardou tão resolutamente até o fim.

Com a idade de 22 anos, Whitefield foi admitido às Santas Ordens pelo Bispo Benson de Gloucester, no Domingo da Santíssima Trindade, em 1736. Sua ordenação não resultou da sua própria busca. O bispo ouviu de Lady Selwyn e de outros a respeito do seu caráter, mandou buscá-lo e deu-lhe cinco guinéus para comprar livros, oferecendo-se para ordená-lo quando ele desejasse, embora tivesse apenas 22 anos de idade. Esta oferta inesperada o alcançou quando ele estava cheio de escrúpulos a respeito da sua própria condição para o ministério. Aquilo desfez as amarras e o levou a tomar uma decisão. ‘Eu comecei a pensar’, diz ele, ‘que se continuasse a resistir, eu lutaria contra Deus’.

O primeiro sermão de Whitefield foi pregado na própria cidade onde ele nasceu, na Igreja de Sta. Mary-le-Crypt, em Gloucester. A sua própria descrição é o melhor relato que pode ser dado: ‘Domingo passado, de tarde, eu preguei meu primeiro sermão, na Igreja de Sta. Mary-le-Crypt, onde fui batizado e também pela primeira recebi o sacramento da Ceia do Senhor. Curiosamente, como você pode facilmente conjecturar, isto atraiu uma grande congregação na ocasião. A visão, à princípio, atemorizou-me um pouco. Mas fui confortado com um sentimento sensível ao meu coração da presença divina, e logo descobri a indizível vantagem de ter sido acostumado a falar em público quando garoto na escola, e de exortar prisioneiros e pessoas pobres nas suas casas quando na Universidade. Por meio disso fui guardado de ser demasiadamente desencorajado. Quando eu prosseguia percebi um fogo se acender, até que por fim, embora tão jovem e cercado por uma multidão daqueles que me conheciam desde os dias da minha meninice, eu acredito que fui habilitado a pregar o Evangelho com algum grau de autoridade. Alguns poucos escarneceram, mas a maioria parecia subitamente impressionada; e eu ouvi que uma queixa foi feita ao bispo, de que eu havia levado quinze pessoas à loucura com o meu primeiro sermão! O digno prelado desejou que a loucura não viesse a ser esquecida antes do próximo domingo.’

Quase que imediatamente após sua ordenação, Whitefield foi para Oxford e obteve seu grau de Bacharel em Artes. Ele então começou sua vida ministerial regular assumindo deveres temporários na Tower Chapel em Londres. Enquanto servia ali, pregou continuamente em muitas igrejas de Londres, e entre outras, nas igrejas paroquiais de Islington, Bishopsgate, Sto. Dunstan, Sta. Margaret, Westminster, Ibow, Cheapside. Desde o início ele obteve um grau de popularidade tal, que nenhum pregador antes ou desde então provavelmente jamais alcançou. Quer em dias de semana ou domingos, onde quer que ele pregasse as igrejas lotavam e uma grande sensação era produzida. A grande verdade é que um pregador extemporâneo e realmente eloqüente, pregando o puro Evangelho com os dons de voz e de maneiras não usuais, era naquele tempo uma completa novidade em Londres. As congregações eram tomadas de surpresa e arrebatadas. De Londres ele foi transferido por dois meses para Dummer, numa pequena paróquia rural em Hampshire, perto de Basingstoke. Esta era uma esfera de ação totalmente nova, e ele parecia como que um homem enterrado vivo entre aquele povo pobre e iletrado. Mas cedo ele adaptou-se a situação, e concluiu posteriormente que colheu muito proveito das conversas que teve com os pobres. De Dummer ele aceitou um convite, o qual lhe havia sido feito com insistência pelos irmãos Wesley para visitar a colônia de Geórgia na América do Norte, para ajudar no cuidado de uma casa de órfãos que havia sido estabelecida perto de Savannah para filhos de colonizadores. Após pregar por alguns poucos meses em Gloucestershire, e especialmente em Bristol e Stonehouse, ele viajou para América no segundo semestre de 1737, permanecendo lá por cerca de um ano. As coisas relacionadas com esta casa de órfãos, deve-se observar, ocuparam muito da sua atenção desde este período da sua vida até a sua morte. Apesar de bem intencionado, parece ter sido uma decisão de questionável sabedoria, e certamente acarretou a Whitefield um mundo de ansiedade e responsabilidade até o fim de seus dias.

Whitefield retornou da Geórgia na segunda parte do ano de 1738, em parte para obter as ordens do sacerdote, que lhe foram conferidas pelo seu antigo amigo, o Bispo Benson, e em parte para tratar de negócios relacionados com a casa de órfãos. Ele cedo descobriu, entretanto, que a sua posição não era mais a mesma de antes de haver viajado para a Geórgia. O grosso do clero não lhe era mais favorável e olhavam-no com suspeitas, como um entusiasta e um fanático. Eles estavam escandalizados principalmente por causa da pregação da doutrina da regeneração ou do novo nascimento, como algo que muitas pessoas batizadas necessitavam grandemente! O número de púlpitos aos quais ele tinha acesso rapidamente diminuiu. Os guardiões da igreja, os quais não tinham olhos para a bebedeira e impureza, ficaram cheios de intensa indignação sobre o que eles chamavam de ‘violação da ordem’. Bispos que podiam tolerar o Arminianismo, Socinianismo e Deísmo, encheram-se de indignação contra um homem que declarava plenamente a expiação de Cristo e a obra do Espírito Santo, e começaram a denunciá-lo abertamente. Para abreviar, deste período da sua vida em diante, o campo de utilidade de Whitefield dentro da Igreja da Inglaterra estreitou-se rapidamente de todos os lados.

O fato que neste tempo provocou uma reviravolta em todo o curso do ministério de Whitefield foi sua adoção do sistema de pregação a céu aberto. Observando que milhares em todo lugar não freqüentavam locais de culto, gastavam seus domingos na ociosidade ou no pecado e não eram alcançados pelos sermões pregados dentro das paredes dos templos, ele resolveu, num espírito de ofensiva santa, ir atrás deles ‘nas ruas e becos’, de acordo com o princípio de seu Mestre, e ‘compeli-los a entrar’. A sua primeira tentativa em fazer isso foi entre os mineiros de carvão em Kingswood, perto de Bristol, em fevereiro de 1739. Depois de muita oração, ele foi um dia para o monte Hannam, colocou-se de pé sobre o monte, e começou a pregar a aproximadamente uma centena de mineiros, baseado em Mateus 5:1-3. Logo a coisa tornou-se conhecida. O número de ouvintes rapidamente aumentou, até que a congregação contava com muitos milhares. Seu próprio relato da conduta destes mineiros de carvão negligenciados, os quais nunca haviam estado em uma igreja nas suas vidas, é profundamente comovente: ‘Não tendo’, escreve ele a um amigo, ‘nenhuma justiça própria para renunciar, eles ficavam felizes ao ouvir de um Jesus, o qual era um amigo de publicanos, e que não veio chamar os justos, mas pecadores ao arrependimento. A primeira vez que descobri que estavam sendo afetados foi através da visão dos sulcos brancos feitos por suas lágrimas, que rolavam abundantemente das suas faces negras, visto que haviam saído das suas minas de carvão. Centenas deles foram logo levados a uma profunda convicção, a qual, foi comprovado, terminou felizmente em uma sadia e total conversão. A mudança era visível a todos, apesar de alguns terem escolhido atribuí-la a qualquer outra coisa que não ao dedo de Deus. Visto que a cena era totalmente nova, ela freqüentemente ocasionava muitos conflitos interiores. Às vezes, quando vinte mil pessoas estavam diante de mim, eu não tinha uma só palavra para dizer, quer a Deus ou a eles. Mas eu nunca fui totalmente desamparado, e freqüentemente (porque negar isto seria mentir contra Deus) fui de tal modo assistido, que vim a saber, por uma feliz experiência, o que o nosso Senhor tencionava ao dizer ‘do seu interior fluirão rios de água viva’. O firmamento aberto sobre mim, a vista dos campos adjacentes, com a visão de milhares, alguns em carroças, outros sobre o dorso de cavalos, e alguns nas árvores, e às vezes, todos comovidos e em lágrimas, era quase que demais para mim e dominava-me totalmente.’

Dois meses depois disto Whitefield iniciou a prática de pregação a céu aberto em Londres, no dia 27 de abril de 1739. As circunstâncias nas quais isto aconteceu foram curiosas. Ele havia ido para Islington para pregar a convite do vigário, seu amigo, Sr. Stonehouse. No meio da oração os guardiões da igreja vieram a ele e pediram sua licença para pregar na diocese de Londres. E claro que Whitefield não tinha esta licença, assim como nenhum outro ministro que não oficiava regularmente na diocese, naqueles dias. O resultado da questão foi que, sendo proibido de pregar pelos guardiões da igreja no púlpito, ele foi para fora depois da comunhão e pregou no cemitério da igreja. ‘E’, diz ele, ‘Deus agradou-se em assistir-me na pregação e a comover tão maravilhosamente os ouvintes, que acredito que poderíamos ter ido para a prisão cantando hinos. Não digam os adversários que eu mesmo me retirei das suas sinagogas. Não! Eles me expulsaram.’ Daquele dia em diante ele tomou-se um constante pregador do campo quando quer que o tempo e a estação do ano o fizesse possível. Dois dias depois, no domingo de 29 de abril, ele registra: ‘Eu preguei em Moorfields a uma multidão extremamente grande. Tendo ficado debilitado pelo meu sermão da manhã, eu descansei de tarde dormindo um pouco, e às cinco horas fui e preguei em Kenninngton Common, à cerca de duas milhas de Londres, quando não menos do que trinta mil pessoas foram estimadas estar presentes’. Daí em diante, aonde quer que houvesse amplos espaços abertos ao redor de Londres, aonde quer que houvesse grandes grupos de ociosos, ímpios, profanadores do domingo reunidos, em Hackney Fields, Mary-le-bone Fields, May-Fair, Smithfields, Blackheath, Moorfields, Kenninngton Conmion, lá estava Whitefield levantando sua voz por Cristo. O Evangelho assim proclamado era ouvido e alegremente recebido por centenas que nunca sonharam em ir a um lugar de adoração. A causa da pura religião avançou e almas foram arrancadas das mãos de Satanás, como brasas do fogo. Mas a coisa estava indo rápido demais para a igreja daqueles dias. O clero, com poucas exceções, recusava inteiramente apoiar este estranho pregador. Com um espírito de verdadeira inveja, eles nem gostavam de ir atrás das massas da população semi-pagã, nem queriam que ninguém fosse fazer o trabalho para eles. A conseqüência foi que as pregações de Whitefield nos púlpitos da Igreja da Inglaterra a partir deste tempo cessaram quase que inteiramente. Ele amava a igreja na qual havia sido ordenado; ele gloriava-se nos seus artigos de fé; ele usava com prazer os seus livros de oração. Mas a igreja não o amava, e assim perdeu o uso dos seus serviços. A pura verdade é, que a igreja da Inglaterra daqueles dias não estava pronta para um homem como Whitefield. A igreja estava sonolenta demais para entendê-lo e incomodada com um homem que não se aquietava nem deixava o diabo em paz.

Os acontecimentos da história de Whitefield a partir deste período até o dia da sua morte são quase que inteiramente da mesma compleição. Um ano era exatamente como o outro e tentar segui-lo seria apenas pisar repetidamente sobre o mesmo solo. De 1739 até o ano da sua morte em 1770, um período de 31 anos, sua vida foi de uma desenvoltura uniforme. Ele foi eminentemente um homem de uma só coisa, que era o cuidado dos negócios de seu Mestre. De domingo de manhã aos sábados à noite, de primeiro de janeiro a 31 de dezembro, excetuando-se quando ficava impossibilitado por doença, ele estava quase que incessantemente pregando a Cristo, e indo ao redor do mundo convidando os homens ao arrependimento, a virem a Cristo e a serem salvos. Dificilmente houve uma cidade de considerável tamanho na Inglaterra, Escócia ou País de Gales, que ele não tenha visitado como evangelista. Quando as igrejas lhe estavam abertas, ele pregava alegremente nas igrejas; quando apenas capelas podiam ser conseguidas, ele pregava com alegria nas capelas. Quando igrejas e capelas estavam ambas fechadas, ou eram demasiadamente pequenas para conter seus ouvintes, ele estava pronto e desejoso de pregar ao ar livre. Por 31 anos ele laborou deste modo, sempre proclamando o mesmo Evangelho glorioso, e sempre, até onde os olhos humanos possam julgar, com imenso efeito. Numa única semana de pentecostes, após pregar em Moorfields, ele recebeu cerca de mil cartas de pessoas espiritualmente aflitas, e admitiu à mesa do Senhor trezentos e cinqüenta pessoas. Nos trinta e quatro anos do seu ministério é reconhecido que ele pregou publicamente dezoito mil vezes.

Suas viagens foram prodigiosas, quando consideradas as ruas e meios de transportes do seu tempo. Mais do que qualquer homem nos tempos modernos, ele estava familiarizado com ‘perigos no deserto e perigos no mar’. Ele visitou a Escócia quatorze vezes e em nenhum outro lugar foi mais bem aceito e útil do que naquele país amante da Bíblia. Ele cruzou o Atlântico sete vezes, de ida e de volta, em miseráveis e lentos barcos a vela e atraiu a atenção de milhares em Boston, New York e Philadelphia. Ele foi à Irlanda duas vezes, e em determinada ocasião quase foi assassinado por uma turba de papistas ignorantes em Dublin. Na Inglaterra e no País de Gales, ele percorreu cada um de seus condados, da Ilha de Wight até Berwick-on-Thiid, e da Land’s End até North Foreland.

O seu trabalho ministerial regular em Londres durante a estação de inverno, quando a pregação no campo era necessariamente suspensa, era, às vezes, prodigioso. Seus compromissos semanais no Tabernáculo em Tottenham Court Road, o qual foi construído por ele quando os púlpitos da igreja estabelecida foram fechados, compreendiam os seguintes trabalhos: cada domingo de manhã ele ministrava a Ceia do Senhor a diversas centenas de comungantes, às seis e meia. Depois disso, ele lia orações, e pregava de manhã e de tarde. Então pregava novamente no início da noite, às cinco e meia, e concluía dirigindo-se a um largo grupo de viúvas, casais, homens e mulheres solteiros, todos sentados separadamente na área do Tabernáculo, com exortações apropriadas às suas respectivas situações. Nas manhãs de segunda, terça, quarta e quinta, ele pregava regularmente às seis horas. Nas tardes de segunda, terça, quarta, quinta e sábado, ele fazia palestras. Isto, pode-se observar, perfazia treze sermões por semana. E durante todo este tempo ele mantinha uma ampla correspondência com pessoas em quase toda parte do mundo.

Que qualquer constituição humana pudesse suportar os labores que Whitefield suportou durante tanto tempo, parece surpreendente. Que sua vida não tenha sido ceifada pelos perigos aos quais estava freqüentemente exposto, não é menos surpreendente. Mas ele foi imortal até que seu trabalho fosse realizado. Por fim, ele morreu subitamente em Newbury Porth, na América do Norte, num domingo, 29 de setembro de 1770, ainda relativamente novo, com 56 anos de idade. Ele foi casado com uma viúva chamada James, de Abergavenny, a qual morreu antes dele. Se podemos julgar pela pouca menção que ele faz da esposa em suas cartas, o casamento não parece ter contribuído muito para sua felicidade. Ele não deixou filhos, mas deixou um nome bem melhor preservado do que se tivesse deixado filhos e filhas. Talvez nunca tenha havido um homem do qual se pudesse dizer tão verdadeiramente que gastou e foi gasto por Cristo como George Whitefield. 

As circunstâncias particulares do fim deste grande evangelista são tão profundamente interessantes que eu não me desculparei em demorar-me neles. Foi um fim em extraordinária harmonia com o teor da sua vida. Assim como havia vivido por mais de trinta anos, assim ele morreu: pregando até o fim. Ele literalmente morreu no posto. ‘Morte súbita’, freqüentemente dizia, ‘é glória súbita. Quer correto ou não, não posso deixar de desejar partir desta maneira. Para mim seria pior do que a morte ter de ser assistido na doença e ver os amigos chorando ao redor de mim’. Ele teve o desejo do seu coração atendido. Foi ceifado numa noite por um acesso espasmódico de asma, quase que antes que seus amigos viessem a saber que se encontrava doente.

Na manhã de sábado, de 29 de setembro, o dia em cuja noite morreria, Whitefield viajou a cavalo de Portsmouth em New Hampshire, a fim de cumprir um compromisso de pregar em Newbury Porth no domingo. No caminho, infelizmente, ele foi convidado insistentemente para pregar em um lugar chamado Exeter, e apesar de se sentir muito doente, não teve coragem de recusar. Um amigo observou que antes de iniciar a pregação, ele parecia mais indisposto do que o usual, e lhe disse, ‘O senhor está mais habilitado para ir para cama do que para pregar.’, ao que Whitefield replicou: ‘É verdade, senhor’, e então, virando-se para o lado, apertou as mãos uma na outra e olhando para cima disse: ‘Senhor Jesus, eu estou cansado na tua obra, mas não da tua obra. Se ainda não terminei minha carreira, deixa-me ir e pregar uma vez mais nos campos, selar a tua verdade, vir para casa e morrer’. Então ele foi e pregou a uma enorme multidão nos campos, baseado em II Coríntios 8:5, pelo espaço de quase duas horas. Foi seu último sermão, e uma conclusão apropriada a toda a sua carreira.

Uma testemunha ocular deu o surpreendente relato da cena final da vida de Whitefield: “Ele levantou-se de sua cadeira, e permaneceu em pé. A sua simples aparência era um poderoso sermão. A magreza de sua face, a palidez do seu semblante, a luta evidente do brilho celestial em um corpo decadente demais para falar, era algo profundamente interessante; o espírito estava querendo, mas a carne estava morrendo. Nesta situação ele permaneceu por diversos minutos, sem conseguir falar. Então ele disse: ‘Esperarei pela graciosa assistência de Deus, porque Ele irá, estou certo, assistir-me uma vez mais para falar em seu nome.’ Então ele pregou talvez um de seus melhores sermões. A parte final continha as seguintes palavras: ‘Eu vou; eu vou para um descanso que me está preparado. O meu Sol deu luz a muitos, mas agora ele está se pondo - não, agora ele está se levantando para o zênite da glória imortal. Eu vivi mais do que muitos na terra, mas eles não viverão mais do que eu nos céus. Muitos viverão mais do que eu na terra, e permanecerão quando este corpo não mais existir, mas lá, oh, pensamentos divinos!, eu estarei num mundo aonde tempo, idade, doença, e sofrimentos são desconhecidos, o meu corpo agora falha, mas o meu espírito se expande. Como eu desejaria viver para sempre para pregar a Cristo. Mas eu morro para estar com Ele. Quão breve - comparativamente breve - foi a minha vida comparada com os imensos labores os quais eu vejo diante de mim ainda não realizados. Mas se eu partir agora, enquanto ainda tão poucos preocupam-se com as coisas celestiais, o Deus da Paz certamente visitará vocês’”. Depois que o sermão terminou, Whitefield jantou com um amigo, então cavalgou para Newbury Porth, apesar de bastante fatigado. Ao chegar ali, ele ceou cedo e retirou-se para a cama. A tradição diz que quando ele subia as escadas com uma vela acesa nas mãos, ele não pôde resistir ao desejo de voltar o rosto, no topo da escada, e falar aos amigos que estavam reunidos, os quais vieram encontrá-lo. Enquanto ele falava, o fogo brilhava dentro dele, e antes que pudesse concluir, a vela que segurava nas mãos queimou até o fim. Ele retirou-se para o seu quarto para não mais sair de lá com vida. Um violento acesso de asma se apoderou dele logo depois que foi para a cama e antes das seis da manhã, o grande pregador estava morto. Quando chegou a hora, ele não tinha nada para fazer a não ser morrer. Onde ele morreu, aí foi enterrado, em uma câmara mortuária abaixo do púlpito da igreja, onde ele estava comprometido para pregar. O seu sepulcro é visto até o dia de hoje e nada faz a pequena cidade onde morreu tão famosa quanto o fato de que ali estão os ossos de George Whitefield.


Capítulo 4

O Ministério e Pregação de Whitefield
George Whitefield, na minha avaliação, foi tão decididamente o principal e o primeiro dentre os reformadores ingleses do século passado, que não me desculpo por oferecer algumas informações adicionais a seu respeito. O real bem que ele fez, o caráter peculiar da sua pregação, o caráter privado do homem, são todos pontos que merecem consideração. São pontos, posso acrescentar, a respeito dos quais tem havido muita compreensão incorreta.

Esta compreensão incorreta talvez seja inevitável, e não deveria nos surpreender. As fontes para que se forme uma correta opinião a respeito de um homem como Whitefield são necessariamente muito escassas. Ele não escreveu livros lidos por milhões, de fama universal, como ‘O Peregrino’, de Bunyan. Ele não encabeçou cruzadas contra uma igreja apóstata com o apoio de uma nação e príncipes ao seu lado como Martinho Lutero. Ele não fundou nenhuma denominação, que ligasse sua fé aos seus escritos e preservasse cuidadosamente seus melhores atos e palavras. Há Luteranos e Wesleyanos nos dias presentes, mas não há ‘Whitefieldianos’. Não! O grande evangelista foi um homem simples e sincero, que viveu para uma coisa apenas: pregar a Cristo. Fazendo isto, ele não se importava com mais nada. Os registros a respeito desse homem são amplos e plenos nos céus, não há dúvida, mas são poucos e escassos na terra.

Não devemos esquecer, além disso, que muitos em todas as épocas não vêem nada em homens como Whitefield senão fanatismo e entusiasmo. Eles abominam tudo que se pareça com ‘zelo’ em religião. Eles detestam todos os que viram o mundo de cabeça para baixo, fogem do velho caminho da tradição e não deixam o diabo sozinho. Tais pessoas, não tenho dúvidas, nos diriam que o ministério de Whitefield somente produziu excitação temporária, e que sua pregação era mera extravagância, não havendo nada de especial a ser admirado no seu caráter. E de se temer que a dezoito séculos atrás houvessem dito o mesmo a respeito do apóstolo Paulo.

A pergunta, ‘Que bem fez Whitefield?’ é uma pergunta que eu respondo sem a menor hesitação. Eu acredito que o bem direto que ele fez às almas imortais foi enorme. Eu vou adiante, - eu acredito que foi incalculável. Testemunhas dignas de crédito na Inglaterra, Escócia e América registraram sua convicção de que ele foi um instrumento na conversão de milhares de pessoas. Muitos, onde quer que ele pregasse, foram não apenas satisfeitos, excitados, e arrebatados, mas abandonaram seus pecados, e foram feitos reais servos de Deus. ‘Enumerar pessoas’, eu não esqueço, é em todos os tempos uma prática objetável. Somente Deus pode ler os corações e discernir o trigo do joio. Muitos, sem dúvida, em dias de excitação religiosa, são tidos como convertidos, os quais não o foram de modo algum. Mas eu desejo que meus leitores compreendam que a minha alta avaliação da utilidade de Whitefield é baseada em sólida base. Eu peço que observem bem o que os contemporâneos de Whitefield pensavam sobre o valor de seus labores.

Franklin, o bem conhecido filósofo americano era um homem frio e calculista, um Quaker por profissão, o qual, não é de se esperar, que viesse a fazer uma elevada avaliação do trabalho de nenhum ministro. Ainda assim ele confessou: ‘era maravilhoso ver a mudança logo efetuada através da sua pregação nos hábitos dos habitantes de Philadelphia. De descuidados ou indiferentes sobre religião, parecia como se o mundo inteiro estivesse se tornando religioso.’ O próprio Franklin, deve-se notar, foi o principal editor de obras religiosas na Philadelphia, e a sua prontidão em imprimir os sermões e jornais de Whitefield mostram o seu julgamento da influência que Whitefield exercia na mente dos americanos.

Maclaurin, Willison, Macculloch, foram ministros escoceses cujos nomes são bem conhecidos no norte de Tweed, sendo que os dois primeiros merecidamente alcançaram elevada posição como escritores teológicos. Todos eles têm testificado repetidamente que Whitefield foi um instrumento na realização de imenso bem na Escócia. Willison em particular diz, ‘que Deus o honrou com surpreendente sucesso entre pecadores de todas as classes e convicções’.

O velho Henry Venn de Huddersfield e Yelling foi um homem de forte bom senso, assim como de grande graça. Sua opinião foi que ‘se a grandeza, extensão, sucesso e a ausência de sentimentos interesseiros nos labores de um homem podem conferir distinção entre os filhos de Cristo, então estamos autorizados a afirmar que dificilmente qualquer um se igualou ao Sr. Whitefield’. Novamente ele diz: ‘Ele foi abundantemente bem sucedido nos seus amplos labores. Os selos do seu ministério, do início ao fim, estou persuadido, foram maiores do que poderiam ser creditados se o número pudesse ser fixado. Uma coisa é certa: sua espantosa popularidade devia-se apenas à sua utilidade, pois ele mal abria a sua boca como um pregador e Deus conferia uma extraordinária bênção às suas palavras.’

John Newton era um homem perspicaz, assim como um eminente ministro do Evangelho. Seu testemunho é: ‘Aquilo que determinou o caráter do Sr. Whitefield como uma luz resplandecente, sendo agora sua coroa de júbilo, foi o singular sucesso que o Senhor se agradou em conceder-lhe de ganhar almas. Parecia que ele nunca pregava em vão. Dificilmente talvez haja um local em todo o extensivo âmbito de seus labores onde possam ainda ser encontrados alguns que não o reconheçam gratamente como seu pai espiritual.’

John Wesley não concordava com Whitefield em vários pontos teológicos de não pouca importância. Mas quando pregou seu sermão fúnebre, ele disse: ‘Temos nós lido ou ouvido de alguma pessoa que tenha chamado tantos milhares, tantas miríades de pecadores ao arrependimento? Acima de tudo, temos nós lido ou ouvido de alguém que tenha sido um instrumento abençoado na condução de tantos pecadores das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus?’

Indubitavelmente, estes testemunhos são valiosos, mas há um ponto que eles não mencionaram. Este ponto é a quantidade do bem indireto que Whitefield realizou. Embora os efeitos diretos dos seus labores tenham sido grandes, eu acredito firmemente, que os efeitos indiretos foram ainda maiores. Seu ministério foi uma benção para milhares que talvez nunca o tenham visto ou ouvido.

Ele foi o primeiro, entre os evangelistas do século dezoito, a restaurar a atenção para as antigas verdades que produziram a Reforma Protestante. Suas constantes afirmações das doutrinas ensinadas pelos reformadores, suas repetidas referências aos artigos, homilias e escritos dos melhores teólogos ingleses, obrigaram muitos a pensar, compungindo-os a examinarem seus próprios princípios. Se toda verdade fosse conhecida, eu acredito que comprovaria que a ascensão e progresso do corpo evangélico da Igreja da Inglaterra recebeu um poderoso impulso de George Whitefield.

Mas este não é o único bem indireto que Whitefield fez em seus dias. Ele estava entre os primeiros a mostrar o caminho correto para enfrentar os ataques dos infiéis e céticos do cristianismo. Ele viu claramente que a arma mais poderosa contra tais homens não é um debate metafísico e dissertações críticas, mas pregar todo o Evangelho, viver todo o Evangelho, e disseminar todo o Evangelho. Os escritos de Leland, do jovem Sherlock, de Waterland, e de Leslie, não obtiveram a metade do sucesso que obteve a pregação de Whitefield e seus companheiros em reprimir a enchente de infidelidade. Estes foram os verdadeiros campeões do cristianismo. Infiéis raramente são abalados por meros debates abstratos. Os argumentos mais certos contra eles são a verdade do Evangelho e a vida do Evangelho.

Acima de tudo, ele foi o primeiro inglês que parece ter entendido plenamente o que o Doutor Chalmers apropriadamente chamou de sistema ofensivo. Ele foi o primeiro a ver que os ministros de Cristo devem fazer o trabalho de pescadores de homens. Eles não devem esperar que as almas venham a eles, mas devem ir atrás das almas, e ‘compeli-las a entrar’. Ele não sentava comodamente ao lado de sua lareira, como um gato num dia de chuva, lamentando-se a respeito da impiedade do país. Ele saía para enfrentar o diabo na sua cidadela; atacava o pecado e a impiedade face a face, e não lhes dava sossego. Ele penetrava nas ruas e becos atrás de pecadores; caçava a ignorância e o vício aonde quer que eles pudessem ser encontrados. Em resumo, ele aplicou um sistema de ação, que até o seu tempo era comparativamente desconhecido no seu país, mas um sistema o qual uma vez iniciado, nunca cessou de ser empregado até o dia de hoje. Missões nas cidades, missões nos grandes centros, sociedades de visitas distritais, pregações a céu aberto, missões nacionais, serviços especiais, pregações em teatros, tudo são evidências de que o valor do ‘sistema ofensivo’ é agora generalizadamente reconhecido por todas as igrejas. Agora nós entendemos melhor como trabalhar do que entendíamos cem anos atrás. Mas nunca esqueçamos que o primeiro homem a dar início a estes tipos de atividades foi George Whitefield. Vamos dar a ele o crédito que merece.

O caráter peculiar da pregação de Whitefield é o próximo assunto que demanda algumas considerações. Os homens naturalmente desejam saber qual foi o segredo do seu sucesso sem paralelo. O assunto está envolto em consideráveis dificuldades, e não é tarefa fácil formar um julgamento correto a seu respeito. A idéia comum de muitas pessoas de que ele era um mero e comum metodista exaltado, notável por nada mais a não ser sua grande fluência, forte doutrina e uma poderosa voz, não suporta uma momentânea investigação. O Dr. Johnson foi tolo o suficiente para dizer, que ‘ele vociferava e impressionava, mas não chamava mais atenção do que um charlatão; e que ele chamava atenção não por fazer melhor do que os outros, mas porque fazia algo estranho’. Mas Johnson foi tudo, exceto infalível nas suas opiniões sobre pastores e religião. Tal teoria não tem validade. Ela contradiz fatos inegáveis.

E fato que nenhum pregador na Inglaterra jamais obteve tanto sucesso em atrair a atenção de tão grandes multidões como Whitefield ao pregar constantemente ao redor de Londres. Nenhum pregador jamais foi tão universalmente popular em cada país que visitou, Inglaterra, Escócia e América. Nenhum pregador jamais manteve sua influência tão completamente sobre seus ouvintes como ele o fez por 34 anos. Sua popularidade nunca desvaneceu. Ela era tão grande no fim dos seus dias como o foi no início. Onde quer que ele pregasse, os homens deixavam suas lojas e empregos para reunirem-se ao redor dele, e ouvir como quem ouve para a eternidade. Só isso já é um grande fato. Obter a atenção das ‘massas’ por um quarto de século, e pregar incessantemente por todo este tempo é uma evidência de um poder não comum.

Outro fato, é que a pregação de Whitefield produzia um poderoso efeito em pessoas de todos os níveis. Ele ganhou a admiração das altas e baixas camadas, dos ricos assim como dos pobres, dos eruditos assim como dos ignorantes. Se a sua pregação houvesse sido popular apenas entre os ignorantes e pobres, nós poderíamos pensar na possibilidade de que havia pouco nela exceto declamação e barulho. Mas, longe de ser este o caso, ele parece ter sido aceito por um bom número de nobres e pessoas bem educadas. O Marquês de Lothian, o Conde de Leven, o Conde de Duchan, o Lord Rae, o Lord Dartmouth, o Lord James A. Gordon, poderiam ser citados entre os seus mais calorosos admiradores, além de Lady Huntyngdon e uma grande quantidade de senhoras da Corte.

E um fato que eminentes críticos e homens de letras, como o Lord Bolingbroke e o Lord Chesterfield, foram pessoas que se deleitavam em ouvi-lo freqüentemente. Era reconhecido que mesmo o frio e artificial Chesterfield aquecia-se com a eloqüência de Whitefield. Bolingbroke disse: ‘Ele é o homem mais extraordinário do nosso tempo. Ele tem a eloqüência mais impressionante que jamais ouvi em qualquer pessoa.’ Franklin, o filósofo, não mediu palavras ao falar dos poderes da sua pregação. Hume, o historiador, declarou que valia a pena viajar vinte milhas para ouvi-lo.

A verdade é que fatos como estes não podem ser invalidados. Eles derrubam completamente a teoria de que a pregação de Whitefield não foi nada, exceto barulho e exaltação. Bolingbroke, Chesterfield, Hume, e Franklin não eram facilmente enganáveis. Eles não eram juízes insignificantes de eloqüência. Eles estavam provavelmente entre os críticos mais qualificados de seus dias. Suas opiniões imparciais e sem preconceito parecem-me suprir uma prova inquestionável de que deve ter havido algo muito extraordinário a respeito da pregação de Whitefield. Mas, afinal, a questão permanece sem ser respondida: qual foi o segredo da popularidade e efetividade sem rival de Whitefield? Eu admito francamente que, devido à escassez das fontes que possuímos para formar nosso julgamento, a pergunta é difícil de ser respondida.

A pessoa que folhear os 75 sermões publicados de autoria de Whitefield, provavelmente ficará muito desapontada. Ela não verá neles um intelecto imponente ou profundidade de mente. Não achará neles uma profunda filosofia, nem pensamentos extraordinários. Mas, deve-se observar, entretanto, que a grande maioria foi anotada abreviadamente por repórteres, e publicados sem correção. Estes dignos homens parecem ter feito seu trabalho muito indiferentemente, e eram evidentemente ignorantes quanto à pontuação, parágrafos, gramática, e quanto ao Evangelho. A conseqüência é que muitas passagens nestes 75 sermões são o que o Bispo Latimer chamaria de uma ‘desfiguração’, e o que nós chamaríamos hoje em dia de uma completa desordem. Não é de admirar que o pobre Whitefield tenha dito em uma de suas melhores cartas datada de 26 de setembro de 1769: ‘Eu desejaria que você tivesse advertido contra a publicação de meu último sermão. Ele não está tal qual eu preguei. Em alguns lugares a publicação me faz falar com discordância, e até sem sentido. Em outros lugares o sentido e a conexão são destruídos por parágrafos desconexos, de modo que o todo está totalmente impróprio para a leitura do público.’

Entretanto, eu me aventuro a dizer ousadamente, que com todas as suas faltas, os sermões impressos de Whitefield recompensarão sua leitura. O leitor deve lembrar-se de que eles não foram preparados cuidadosamente para impressão, como os sermões de Melville ou Bradley, mas foram pessimamente registrados, paragrafados, e pontuados, devendo lê-los com isto continuamente em sua mente. Além disso, deve lembrar-se que uma composição em inglês para ser falada a ouvintes, e uma composição em inglês para leitura privada, são quase que duas línguas diferentes; de modo que sermões bons para serem pregados são ruins quando lidos. Lembremo-nos destas duas coisas, e julguemos de acordo, e eu estaria muito enganado se não viéssemos a encontrar muito o que admirar em muitos dos sermões de Whitefield. Da minha parte, eu devo dizer claramente que eles são grandemente subestimados.

Deixe-me agora destacar o que parece ter sido as características distintivas da pregação de Whitefield.

Whitefield pregava um Evangelho singularmente puro. Talvez poucos homens tenham dado aos seus ouvintes tanto trigo e tão pouco restolho. Ele não se levantava para falar sobre sua denominação, sua causa, seu interesse ou seu ofício. Ele estava perpetuamente lhe falando a respeito dos seus pecados, do seu coração, de Jesus Cristo, do Espírito Santo, da absoluta necessidade de arrependimento, fé e santidade, do modo como a Bíblia apresenta estes importantes assuntos. ‘Oh, que justiça a de Jesus Cristo!’ Ele sempre dizia: ‘Eu devo ser desculpado se menciono isso em quase todos os meus sermões.’ Pregação desse tipo é a pregação que Deus se deleita em honrar. Ela deve ser preeminentemente uma manifestação da verdade.

A pregação de Whitefield era singularmente lúcida e simples. O que quer que seus ouvintes pensassem da sua doutrina, não podiam deixar de entender o que ele queria dizer. Seu estilo de falar era fácil, claro e coloquial. Ele parecia abominar sentenças longas e complicadas. Ele sempre tinha em vista o seu alvo e se dirigia diretamente para lá. Ele dificilmente atrapalhava seus ouvintes com argumentos obscuros e raciocínios intrincados. Afirmativas bíblicas simples, ilustrações adequadas, e exemplos pertinentes, eram as armas mais comuns que ele usava. A conseqüência era que seus ouvintes sempre o entendiam. Ele nunca atirava acima das cabeças dos seus ouvintes. Aí está outro importante elemento para o sucesso do pregador. Ele deve esforçar-se de todos os modos para ser entendido. O arcebispo Usher tinha um ditado muito sábio: ‘Fazer coisas simples parecerem difíceis é coisa que qualquer homem pode fazer, mas fazer coisas difíceis, simples, é a obra de um grande pregador’.

Whitefield era um pregador singularmente ousado e direto. Ele nunca usava aquela expressão indefinida ‘nós’, que parece tão peculiar nos nossos púlpitos, e que apenas deixa a mente do ouvinte em um estado enevoado e confuso. Ele enfrentava os homens face a face, como alguém que tem uma mensagem de Deus para eles: ‘Eu vim aqui para lhe falar a respeito da sua alma.’ O resultado era que muitos dos seus ouvintes costumavam pensar que os seus sermões eram dirigidos especialmente a eles. Ele não ficava contente como muitos, em apenas insistir em uma aplicação pobre, como que um apêndice no final de um longo discurso, pelo contrário, um constante veio de aplicação corria através de todos os seus sermões. ‘Isto é para você, e isto é para você’. Seus ouvintes nunca eram deixados sozinhos.

Outra característica marcante da pregação de Whitefield era o seu singular poder de descrição. Os árabes têm um provérbio que diz: ‘o melhor orador é aquele que pode transformar os ouvidos dos homens em olhos.’ Whitefield parece ter tido uma faculdade peculiar para fazer isto. Ele dramatizava tão plenamente seu assunto, que parecia fazê-lo mover-se e andar diante dos seus olhos. Ele costumava traçar um desenho tão vivo das coisas que estava tratando, que seus ouvintes podiam crer que na verdade as viam e ouviam. ‘Em uma ocasião,’ diz um de seus biógrafos, ‘Lord Chesterfield estava entre seus ouvintes. O grande pregador ao descrever a miserável condição de um pecador não convertido, ilustrou o assunto descrevendo um mendigo cego. A noite estava escura e o caminho perigoso. O pobre mendicante foi abandonado pelo seu cachorro próximo da beira de um precipício, e não tinha nada para ajudá-lo a apalpar seu caminho senão sua bengala. Whitefield empolgou-se tanto com seu assunto e o descreveu com tal poder gráfico, que todo o auditório ficou em total silêncio e sem respirar, como se estivesse vendo os movimentos do pobre velho homem; e finalmente, quando o mendigo estava a ponto de dar o passo fatal que o faria precipitar-se do despenhadeiro para inevitável destruição, Lord Chesterfield correu para salvá-lo exclamando em alta voz, ‘Ele caiu. Ele caiu!’ O nobre Lord tinha sido tão inteiramente arrebatado pelo pregador, que esqueceu-se de que tudo era apenas uma descrição.’

Outra característica dominante da pregação de Whitefield era o seu tremendo fervor. Um homem pobre e sem educação disse que ‘ele pregava como um leão.’ Ele conseguia mostrar ao povo que ele pelo menos cria em tudo que estava dizendo, e que o seu coração, alma, mente, e força, estavam empenhados em fazê-los acreditar nisto também. Os seus sermões não eram como os disparos vespertinos de canhão em Portsmouth, um tipo de descarga formal, disparada continuamente, mas que não perturba ninguém. Eles eram todos cheios de vida e de fogo. Não havia como escapar deles. Dormir era praticamente impossível. Você tinha que ouvir quer gostasse ou não. Havia neles uma santa violência que tomava de assalto a sua atenção. Você seria facilmente conquistado por sua energia antes que tivesse tempo de considerar o que fazer. Isto, podemos estar certos, era um dos segredos do seu sucesso. Nós devemos convencer os homens, de que nós mesmos somos sinceros, se quisermos ser acreditados. A diferença entre um pregador e outro, freqüentemente não está tanto nas coisas que são ditas, quanto no modo como são ditas.

Foi registrado por um de seus biógrafos que um senhor americano foi ouvi-lo, pela primeira vez, em conseqüência de um relato que ouvira dos seus poderes de pregação. O dia estava chuvoso, a congregação comparativamente pequena e o início do sermão um tanto quanto pesado. Nosso amigo americano começou a dizer a si mesmo: ‘Este homem não é nenhum grande prodígio, afinal de contas’. Ele olhou ao redor e percebeu a congregação tão pouco interessada quanto ele mesmo. Um homem de idade, em frente do púlpito, havia adormecido. Mas subitamente, Whitefield interrompeu. Sua expressão mudou. E então exclamou subitamente em um tom alterado: ‘Se eu tivesse vindo falar a vocês em meu próprio nome, bem que vocês poderiam descansar seus cotovelos em seus joelhos, e suas cabeças nas mãos e dormir; e apenas olharem aqui e ali, dizendo:do que este tagarela está falando? Mas eu não vim em meu próprio nome. Não! Eu vim em nome do Senhor dos Exércitos!’ (então ele baixou as mãos e os pés com tanta força que fez com que o prédio tremesse), ‘E eu preciso ser ouvido.’ A congregação assustou-se. O homem de idade logo acordou. ‘Ah, Ah.” Gritou Whitefield fixando nele os olhos, ‘eu o acordei, não foi? Era exatamente o que eu tencionava. Eu não vim aqui para pregar a troncos e pedras: eu vim a vocês em nome do Senhor dos Exércitos e preciso e terei uma audiência.’ Os ouvintes foram rapidamente arrancados de sua apatia. Cada palavra do sermão a partir daí foi ouvida com profunda atenção, e o senhor americano nunca mais esqueceu o episódio.

Outra característica da pregação de Whitefield que merece uma nota especial era a enorme carga de emoção e sentimentos que continha. Não era coisa incomum para ele chorar profusamente no púlpito. Cornelius Winter, que freqüentemente o acompanhou em suas últimas jornadas, foi tão longe ao ponto de dizer que dificilmente o presenciara terminar um sermão sem algumas lágrimas. Mas, não parece ter havido nada de fingimento nisto. Ele se emocionava intensamente pelas almas diante dele e seus sentimentos encontravam uma saída nas lágrimas. De todos os ingredientes do seu sucesso, nenhum, eu suspeito, foi tão poderoso como este. Isto despertava afeições e tocava fontes secretas nos homens, as quais nenhuma argumentação e demonstração poderiam mover. Isto suavizava os preconceitos que muitos haviam concebido contra ele. Eles não podiam odiar o homem que chorava tanto por suas almas. ‘Eu vim ouvi-lo,’ alguém disse a ele, ‘com os meus bolsos cheios de pedras, com a intenção de quebrar a sua cabeça; mas o seu sermão alcançou o melhor de mim e quebrou o meu coração.’ Uma vez que alguém se torne convencido de que um homem o ama, este ouvirá alegremente o que ele tem a dizer.

Eu agora pedirei ao leitor que acrescente a esta análise da pregação de Whitefield o fato de que até por natureza ele possuía vários dos dons mais raros, os quais habilitam um homem a ser um orador. Seus gestos eram perfeitos - tão perfeitos que até mesmo Garrick, o famoso ator, o louvava sobremaneira. Sua voz era tão poderosa quanto seus gestos - tão poderosa que ele podia fazer com que trinta mil pessoas o ouvissem de uma vez, e ainda assim tão musical e bem entoada que alguns diziam que ele podia arrancar lágrimas pelo modo como pronunciava a palavra ‘Mesopotâmia’. Sua postura no púlpito era tão curiosamente graciosa e fascinante que era dito que as pessoas que o ouviam, em cinco minutos estavam esquecidas de que ele era vesgo. Sua fluência e domínio de uma linguagem apropriada eram da mais alta ordem, inspirando-o sempre a usar a palavra certa e a colocá-la no correto lugar. Acrescente, eu repito, estes dons às coisas já mencionadas e então considere se não há o suficiente em nossas mãos para explicar seu poder e popularidade como pregador.

Da minha parte, não hesito em dizer que acredito que nenhum pregador inglês jamais possuiu tal combinação de excelentes qualificações como Whitefield. Alguns, sem dúvida, o superaram em alguns dos seus dons; outros, talvez, o igualaram em outros. Mas, quanto a uma combinação bem balanceada de alguns dos mais finos dons que um pregador possa ter, unidos a uma voz, postura, estilo, gestos e domínio de palavras, Whitefield, eu repito minha opinião, está sozinho. Eu acredito que nenhum outro pregador inglês, morto ou vivo, jamais o igualou. E eu suspeito que sempre descobriremos que exatamente na proporção em que um pregador se aproxima dessa curiosa combinação de raros dons os quais Whitefield possuía, exatamente nesta proporção eles obtém o que Clarendon define ser a verdadeira eloqüência - ‘um estranho poder de se fazer acreditar.’

A vida íntima e o caráter pessoal desse grande herói espiritual do século passado são um ramo do meu assunto no qual não me demorarei. De fato, não há necessidade para fazer isso. Ele era um homem singularmente transparente. Não havia nada sobre ele que requeresse apologia ou explicação. Suas faltas e boas qualidades eram ambas claras e evidentes como o meio-dia. Portanto, eu me contentarei em simplesmente destacar as características proeminentes do seu caráter até onde for possível serem deduzidas de suas cartas e dos relatos dos seus contemporâneos, e então trazer meu esboço dele a uma conclusão.

Ele era um homem de profunda e sincera humildade. Ninguém pode ler as suas mil e quatrocentas cartas, publicadas pelo Doutor Gillies sem observar isto. Repetidas vezes, no próprio apogeu de sua popularidade, nós o encontramos falando de si mesmo e do seu trabalho nos termos mais baixos. ‘Deus, tem misericórdia de mim, um pecador’, ele escreve em 11 de setembro de 1753, ‘e dá-me, por amor da Tua infinita misericórdia, um coração humilde, agradecido e resignado. Eu sou verdadeiramente mais vil do que o mais vil dos homens, e fico espantado de usares tal miserável como eu’. ‘Que nenhum dos meus amigos,’ ele escreve em 27 de dezembro de 1753, ‘clame a tal verme indolente, morno e inútil: poupa-te a ti mesmo. Ao invés disso, estimulem-me, eu suplico, dizendo: acorda, dorminhoco, e começa a fazer alguma coisa para o teu Deus.’ Linguagem como esta, sem dúvida, parece tolice e fingimento para o mundo; mas o leitor da Bíblia bem instruído verá nela a experiência do coração de todos os santos mais brilhantes. E a linguagem de homens como Baxter, Brainerd e M’Cheyne. E a mesma inclinação que havia no inspirado Apóstolo Paulo. Aqueles que têm mais luz e graça são sempre os homens mais humildes.

Ele era um homem de ardente amor por nosso Senhor Jesus Cristo. Este nome que está ‘acima de todo nome’ destaca-se incessantemente em toda a sua correspondência. Como um ungüento perfumado, ele dá um aroma a todas as suas cartas. Ele parece nunca cansar de dizer alguma coisa a respeito de Jesus. ‘Meu Mestre’ como George Herbert dizia, nunca fica fora de sua mente. Seu amor, Sua expiação, Seu sangue precioso, Sua justiça, Sua prontidão em receber pecadores, Sua paciência e maneira meiga de lidar com os santos, são temas que aparecem sempre frescos diante de seus olhos. Pelo menos neste aspecto, há uma curiosa semelhança entre ele e aquele glorioso teólogo escocês, Samuel Rutherford.

Ele era um homem de incansável diligência e labor no que diz respeito nos negócios de seu Mestre. Seria difícil talvez, encontrar alguém nos anais da Igreja que trabalhou tão duro por Cristo e se gastou tão plenamente em seu serviço. Henry Venn, no sermão fúnebre em sua lembrança, pregado em Bath, deu o seguinte testemunho, ‘Que sinal e prodígio foi este homem de Deus, no que diz respeito à imensidão dos seus labores! Alguém não pode senão ficar espantado que a sua estrutura mortal pudesse, pelo espaço de quase trinta anos, sem interrupção, sustentar o peso deles; pois o que é mais fatigante á estrutura humana, especialmente na juventude, do que um esforço longo, contínuo, freqüente e violento dos pulmões? Quem que conheça sua estrutura pensaria ser possível que uma pessoa pouco acima da idade adulta, pudesse falar em uma simples semana, e isto durante anos - em geral quarenta horas, e em muitas semanas, sessenta – e isto para milhares de pessoas; e após seus labores, ao invés de descansar, poderia elevar orações e intercessões, com hinos e cânticos espirituais, como costumava fazer, em cada casa à qual era convidado? A verdade é que, no que diz respeito ao labor, este extraordinário servo de Deus fez em algumas semanas tanto quanto a maioria daqueles que, embora se esforçando, consegue fazer no espaço de um ano.

Ele foi até o fim, um homem de eminente auto-negação. Seu estilo de vida era o mais simples. Ele foi notadamente um exemplo típico de moderação no comer e beber. Durante toda a sua vida, ele acordava muito cedo. Sua hora habitual de levantar-se era às quatro horas, tanto no verão como no inverno; e era igualmente pontual na hora de recolher-se, cerca de dez horas da noite. Um homem de oração, ele freqüentemente gastava noites inteiras em leitura e devoção. Cornelius Winter, que freqüentemente dormia no mesmo quarto, diz que ele às vezes levantava durante a noite com este propósito. Ele ligava muito pouco para dinheiro, exceto como uma ajuda para a causa de Cristo, e o recusava, quando lhe era oferecido para seu próprio uso. Uma vez recusou a importância de sete mil libras. Ele não acumulou fortuna nem estabeleceu uma próspera família. O pouco dinheiro que ele deixou ao morrer provinha inteiramente de doações de amigos. O comentário vulgar que o Papa fez a respeito de Lutero, ‘este animal alemão não ama o ouro’, poderia bem ter sido aplicado a Whitefield.

Ele era um homem de notável desinteresse e simplicidade. Ele parecia viver apenas para dois objetivos: a glória de Deus e a salvação de almas. Ele não tinha objetivos secundários ocultos. Ele não levantou nenhum grupo de seguidores que tomassem seu nome. Ele não estabeleceu nenhum sistema denominacional que adotasse seus próprios escritos como elementos cardinais. Uma expressão sua é bem característica do homem: ‘Que o nome de George Whitefield pereça contanto que Cristo seja exaltado’.

Ele era um homem de um espírito singularmente feliz e alegre. Ninguém que o visse poderia jamais duvidar que ele se deleitava na sua religião. Perseguido que foi de muitas maneiras por todo o seu ministério - caluniado por alguns, desprezado por outros, deturpado por falsos irmãos, sofrendo oposição em todo lugar pelo clero ignorante do seu tempo, preocupado por incessante controvérsia - sua flexibilidade nunca falhou. Ele era um cristão eminentemente alegre, cuja própria conduta recomendava a obra de seu Mestre. Uma venerável senhora de New York, após sua morte, ao falar das influências através das quais o Espírito ganhou seu coração para Deus, usou estas notáveis palavras: ‘O Senhor Whitefield era tão feliz que isso me provocou a tornar-me uma cristã.’

Finalmente, mas não menos importante, ele era um homem de extraordinária caridade, catolicidade e liberalidade na sua religião. Ele nada conhecia daquele sentimento tacanho que faz com que alguns homens imaginem que tudo tem que ser estéril, fora de seus próprios campos, e que sua própria denominação tem um completo monopólio da verdade e do Céu. Ele amava todos os que amavam o Senhor Jesus com sinceridade. Ele media a todos com a medida que os anjos usam, ‘professam eles arrependimento para com Deus, fé no nosso Senhor Jesus Cristo e santidade de vida?’ Se sim, eles eram seus irmãos. Sua alma ligava-se com estes homens, qualquer que fosse o nome com que fossem chamados. Diferenças menores eram madeira, palha e restolho para ele. As marcas do Senhor Jesus eram as únicas marcas que lhe interessavam. Essa catolicidade era mais notável quando o espírito dos tempos em que viveu é considerado. Até mesmo os Erskines, na Escócia, queriam que ele não pregasse em nenhuma outra denominação que não a deles - isto é, a Igreja da Cessessão. Ele perguntou: ‘Por que somente para eles?’ - E recebeu a incrível resposta que ‘eles eram o povo do Senhor.’ Isto foi mais do que Whitefield podia suportar. Ele disse: ‘Se não há nenhum outro povo de Deus senão eles, se todos os outros são povo do diabo, eles certamente têm mais necessidade de pregação;’ E ele finalizou informando-os de que ‘se o próprio Papa lhe cedesse seu púlpito, ele proclamaria alegremente nele a justiça de Cristo.’ A esta catolicidade de espírito ele aderiu todos os seus dias. Se outros cristãos o deturpassem, ele os perdoava, e se recusassem trabalhar com ele, ainda assim ele os amava. Nada pode ser um testemunho mais valioso contra a intolerância do que o seu pedido, feito pouco antes da sua morte que, quando morresse, John Wesley fosse convidado para pregar no seu enterro. Wesley e ele há muito não concordavam sobre pontos calvinistas; mas Whitefield, até o fim, estava determinado a esquecer as diferenças superficiais, e a considerar Wesley como Calvino considerou Lutero: ‘Simplesmente um bom servo de Jesus Cristo.’ Em outra ocasião um severo professor de religião lhe perguntou ‘se ele pensava que veria John Wesley no céu?’ ‘Não, senhor,’ foi a sua extraordinária resposta; ‘eu temo que não. Ele estará tão próximo do trono, e nós tão distantes, que dificilmente o veremos’.

Longe de mim dizer que o assunto deste capítulo foi um homem sem faltas. Como todos os santos de Deus, ele foi uma criatura imperfeita. Ele às vezes errava nos seus julgamentos. Ele freqüentemente tirava conclusões precipitadas sobre a providência divina, e se enganava, tomando as suas próprias inclinações como sendo direção de Deus. Ele era freqüentemente apressado, tanto com sua língua como com sua pena. Ele não hesitava em dizer que o ‘Arcebispo Tillotson não sabia mais do Evangelho do que Maomé.’ Ele errava em distinguir algumas pessoas como inimigas do Senhor e outras como amigas do Senhor tão precipitada e positivamente como às vezes fazia. Era censurável sua atitude de denunciar muitos ministros como ‘fariseus,’ porque não aceitavam a doutrina do novo nascimento. Mas ainda assim, apesar de tudo que foi dito, não pode haver dúvida de que, no geral, ele era um homem eminentemente santo, que se auto-negava, e consistente. ‘As faltas do seu caráter,’ diz um escritor americano - ‘eram como pontos no sol, detectadas sem muita dificuldade por qualquer observador moderado e cuidadoso que se esforce em procurá-las, mas, para todo propósito prático, são pontos perdidos numa efulgência geral e afável’. Quão bom seria para as igrejas dos nossos dias, se Deus lhes desse mais ministros como o grande evangelista da Inglaterra de cem anos atrás!

Apenas nos resta dizer que aqueles que desejarem conhecer mais a respeito de Whitefield fariam bem em ler com atenção os sete volumes de suas cartas e outras publicações, que o Dr. Gillies editou em 1770. Eu estaria muito enganado se quem fizer isso não for agradavelmente surpreendido com o seu conteúdo. E motivo de espanto para mim que, dentre tantas reimpressões no século dezenove, nenhum publicador tenha tentado reimprimir totalmente as obras de George Whitefield.

Um pequeno trecho da conclusão de um sermão pregado por Whitefield em Kennington Common, pode ser interessante para alguns leitores, e pode servir para dar-lhes uma pálida idéia do estilo do grande pregador. Foi um sermão baseado no texto, ‘Que pensais vós do Cristo?’ (Mt. 22:42).

‘Ó meus irmãos, meu coração está dilatado para vocês. Eu confio que sinto alguma coisa daquela escondida mas poderosa presença de Cristo enquanto estou pregando a vocês. Sim, ela é doce - ela é extraordinariamente reconfortante. Todo o mal que eu desejo a vocês que sem razão são meus inimigos, é que sintam o que estou sentindo. Acreditem-me, embora fosse um inferno para minha alma retornar ao estado natural novamente, ainda assim, eu desejaria trocar de estado com vocês por um tempo, a fim de que vocês pudessem conhecer o que é ter Cristo habitando em seus corações pela fé. Não voltem suas costas. Não deixem que o diabo os faça sair correndo. Não temam a convicção de pecados. Não pensem mal das doutrinas porque pregadas fora das paredes da igreja. Nosso Senhor, nos dias de Sua carne, pregou em um monte, em um barco, em um campo, e eu estou persuadido que muitos têm sentido aqui a Sua graciosa presença. A verdade é que nós falamos do que conhecemos. Portanto, não rejeitem o reino de Deus, para o mal de si próprios. Sejam sábios e recebam o nosso testemunho.

‘Eu não posso, e não permitirei que partam. Permaneçam um pouco, e ponderemos juntos. Por mais levianamente que vocês estimem suas almas, eu sei que o nosso Senhor coloca nelas um valor indizível. Ele as considerou dignas de Seu preciosíssimo sangue. Eu rogo a vocês, portanto, ó pecadores, que se reconciliem com Deus. Eu espero que vocês não temam ser aceitos no Amado. Eis que Ele chama vocês. Eis, Ele toma a dianteira e segue vocês com sua misericórdia, e enviou Seus servos às ruas e becos para compeli-los a entrar.

‘Lembrem-se, portanto, que nesta hora deste dia, neste ano, neste lugar, foi dito a todos o que deveriam pensar a respeito de Jesus Cristo. Se vocês perecerem agora, não será por falta de conhecimento. Eu estou livre do sangue de todos vocês. Vocês não podem dizer que eu tenho pregado condenação. Não podem dizer que eu tenho, como os pregadores legalistas, requerido que vocês façam tijolos sem palha. Eu não tenho ordenado que vocês se façam a si mesmos santos e então venham a Deus. Eu tenho oferecido a salvação a vocês nos termos mais fáceis que possam desejar. Eu tenho oferecido toda a sabedoria de Cristo, toda a justiça de Cristo, toda a santificação e eterna redenção de Cristo, se vocês apenas crerem nEle. Se você disser que não pode crer, diz certo; pois a fé, assim como todas as outras bênçãos, é dom de Deus. Mas então espere em Deus, e quem sabe se Ele não terá misericórdia de você’.

‘Por que não nutrimos mais pensamentos amorosos a respeito de Cristo? Você pensa que Ele terá misericórdia de outros e não de você? Você não é pecador? Cristo não veio a este mundo para salvar os pecadores?’

‘Se você disser que é o maior dos pecadores, eu replico que isso não será impedimento para a sua salvação. De fato não será, se você, pela fé se apegar a Cristo. Leia os Evangelhos e veja quão amavelmente Ele se comportava para com os seus discípulos, os quais O abandonaram e negaram. ‘Vão, digam aos meus irmãos’, diz Ele. Ele não diz, ‘vão digam àqueles traidores,’ mas, ‘vão, digam aos meus irmãos e a Pedro’. E como se Ele houvesse dito, ‘Vão, digam aos meus irmãos em geral, e a Pedro em particular, que eu ressuscitei. Oh, confortem seu coração abatido. Digam-lhe que eu estou reconciliado com ele. Ordenem que ele não chore mais tão amargamente. Porque apesar de ter Me negado três vezes com juras e imprecações, ainda assim Eu morri pelos seus pecados; Eu ressuscitei novamente para sua justificação: Eu gratuitamente perdoei tudo.’ Assim, lento para irar-Se e de grande benignidade, foi nosso todo misericordioso Sumo Sacerdote. E você pensa que Ele mudou Sua natureza e esqueceu-Se dos pobres pecadores, agora que foi exaltado à direita de Deus? Não! Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre; e assentou-Se ali apenas para interceder por nós’.
‘Venham, portanto, vocês prostitutas; venham, vocês publicanos; venham, vocês pecadores abandonados, venham e creiam em Jesus Cristo. Embora o mundo inteiro os despreze e os expulse, ainda assim Ele não desdenhará tomá-los para Si. Oh, que amor surpreendente, que amor condescendente! Mesmo vocês, ele não se envergonhará de chamar Seus irmãos. Como escaparão vocês se negligenciarem tal oferta gloriosa de salvação? O que não dariam os espíritos condenados agora nas prisões do inferno, se Cristo lhes fosse tão graciosamente oferecido? E por que não estamos erguendo nossos olhos em tormentos? Qualquer pessoa entre esta grande multidão ousa dizer que não merece condenação? Por que somos deixados, enquanto outros são tomados pela morte? O que é isto senão um exemplo da livre graça de Deus, e um sinal da Sua boa vontade para conosco? Deixemos que a bondade de Deus nos guie ao arrependimento. Oh, haja alegria nos Céus, por alguns de vocês que se arrependam!’

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