sexta-feira, 23 de outubro de 2015

88) Legalismo 89) Lei e Mandamentos

88) LEGALISMO

ÍNDICE

1 - A Anatomia do Legalismo e a Disciplina de Oração
2 - Eu Sigo em Frente
3 - Graça que Ensina


1 - A Anatomia do Legalismo e a Disciplina de Oração

Por John Piper

A palavra "legalismo" não aparece na Bíblia. Mas ela vem da palavra "legal", que se refere à "lei", e a Bíblia tem muito a dizer sobre a lei. Legalismo é uma certa atitude com relação à lei de Deus. Ou, mais comumente, com relação a mandamentos e regras.
Eis aqui o legalismo: "Israel, que buscava a lei de justiça, não chegou a atingir essa lei. Por quê? Porque não decorreu da fé, e sim como que das obras" (Romanos 9:31-32). A essência do legalismo é quando a fé não é o que move a obediência.
Repare: legalismo não é simplesmente a busca pela lei. É buscá-la da forma errada—com uma motivação que não seja a fé. A lei de Deus deve ser buscada. O FIlho de Deus "condenou, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito" (Romanos 8:4). Nós devemos buscar cumprir a lei—pelo Espírito. Vamos chamar essa busca de "obediência pela fé".
Então o legalismo é a busca pela lei usando um "motor" que não a fé, com uma força vinda de algum lugar que não do Espírito. Qual é o motor do legalismo? Paulo diz que são as "obras" (Romanos 9:32) e ele chama o combustível desse motor de "carne" (Gálatas 3:3). "Obras" é o oposto de "fé" e "carne" é o oposto de "Espírito". Então o legalismo não tem a ver com você se empenhar para obedecer os mandamentos de Deus, mas sim qual é o motor e o combustível que te movem.
Assim, o poder do legalismo vem de nós mesmos (carne). Isso é crucial porque o alvo do legalismo é negociar com Deus valor por valor. E então o motor das obras deve ter algo feito por si mesmo para oferecer pra Deus no acordo. "Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida" (Romanos 4:4). O legalismo lida com pagamentos de dívida e aumenta o seu valor para Deus.
Mas o poder da "obediência pela fé" não vem de nós mesmos, mas de Deus (o Espírito). O alvo da obediência pela fé é receber tudo que vem de Deus como um presente gratuito pela Graça. E então o motor da fé deve ter nada feito por si mesmo em sua relação com Deus. "Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; (...) trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo" (1 Coríntios 15:10). A obediência pela fé lida com a satisfação de ser beneficiário e exalta a graça de Deus.
Implicações em Oração e Leitura da Bíblia
Disciplina não é legalismo. Trabalho duro não é legalismo. Agir de forma contrária aos impulsos carnais não é legalismo. Podem até ser. Mas também podem ser o torque do motor da fé movido pelo combustível do Espírito para a glória da graça de Deus num mundo egocêntrico e indisciplinado.
Na força que Deus fornece para que Deus seja glorificado (1 Pedro 4:11),


Pastor John









2 - Eu Sigo em Frente

Um apelo equilibrado em favor do equilíbrio

Phil Johnson

Diz a Palavra: "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Eclesiastes 3:1). Há um equilíbrio a ser mantido na verdadeira espiritualidade, e é somente a nossa pecaminosidade que nos faz ficar desequilibrados para um lado ou outro.
A obediência que Deus exige requer nossa submissão implícita a toda a Sua Palavra revelada, e Ele ordena expressamente: "não vos desviareis, nem para a direita, nem para a esquerda" (Deuteronômio 5:32). O caminho da verdade é bem trilhado e bem conhecido (Jeremias 6:16), mas é bastante estreito (Mateus 7:14). Há fossos perigosos em ambos os lados, e nós somos tão propensos a caprichos e desvios que precisamos de constantes checagens para evitar que vaguemos de um lado para o outro no caminho (Isaías 30:21). Às vezes temos até que lutar para manter nosso equilíbrio. Nas palavras de Hebreus 4:11, precisamos esforçar-nos para poder descansar.
Mas “equilíbrio” é uma palavra enganosa. Mencione-a em conexão com a verdade ou a espiritualidade, e as pessoas logo tendem a pensar em uma tábua equilibrada em algum suporte, como uma gangorra no pátio do recreio. Se você se mover para um lado, aquela ponta desce, e se você se mover para o outro lado, este outro abaixa. Todos nós aprendemos desde crianças que a única forma de uma pessoa sozinha poder brincar numa gangorra é entrando no meio e ficando de pé com um pé em de um lado e o outro pé do outro e aí equilibrar a tábua dessa forma.
Temo que muitas pessoas têm procurado essa abordagem quando o assunto é o discernimento quanto à verdade. Eles utilizam a abordagem dialética, na qual você soluciona toda a questão buscando o ponto médio entre dois extremos – como se você pudesse combinar uma tese errônea e sua antítese igualmente equivocada e obter uma síntese que seria de alguma forma verdadeira.
"...você já notou que sempre que a doutrina da eleição ou a questão do "livre arbítrio" humano são trazidos à baila, alguém invariavelmente declarará que ele (ou ela) mantém uma posição que não é nem Calvinista nem Arminiana mas que está exatamente no meio desses dois 'extremos'?"
Não é particularmente útil pensar dessa forma. Enquanto é verdade que erros freqüentemente ocorrem em extremos opostos de qualquer determinada verdade, você certamente não irá encontrar a verdade começando com erros opostos e procurando uma “via média” entre eles.
Sempre fico meio desconfiado de pessoas que buscam o meio da estrada em todo e qualquer assunto. Por exemplo, você já notou que sempre que a doutrina da eleição ou a questão do "livre arbítrio" humano são trazidos à baila, alguém invariavelmente declarará que ele (ou ela) mantém uma posição que não é nem Calvinista nem Arminiana mas que está exatamente no meio desses dois "extremos”? Muitas pessoas parecem imaginar que há alguma posição segura, logicamente-coerente, de meio termo, em que a soberania divina e a responsabilidade humana cancelam-se essencialmente, uma à outra.
Sejamos honestos: Essa afirmação é empregada freqüentemente em um esforço para pôr fim a uma discussão relevante em vez de levá-la em frente. Muitas pessoas que seguem essa linha simplesmente não querem enfrentar as dificuldades impostas pela tensão entre o convite do Evangelho e a incapacidade do pecador, ou entre a soberania absoluta de Deus e a Sua ira contra o pecado. Eles imaginam que, tomando uma posição “em cima do muro” e cobrindo os olhos, podem simplesmente evitar completamente todas essas dificuldades.
Esse não é o modo bíblico de pensar. A Escritura (assim como o verdadeiro Calvinismo) dá ênfase à soberania divina e à responsabilidade humana. A verdade não é um meio termo em que absolutamente nenhuma ênfase é empregada, mas uma doutrina equilibrada em que os dois lados da verdade são completamente enfatizados.
"Não procure um confortável “meio termo” entre legalismo e licenciosidade. Não há nenhuma “via média” segura entre legalismo e licenciosidade."
O equilíbrio entre liberdade Cristã e vida piedosa também é desse tipo. Não procure um confortável “meio termo” entre legalismo e licenciosidade. Não há nenhuma “via média” segura entre legalismo e licenciosidade. Na verdade, ambos caminham freqüentemente de mãos dadas e são encontrados juntos, porque eles se originam da mesma visão distorcida da santificação. O legalismo é freqüentemente uma cortina de fumaça para esconder uma vida carnal.
Mas a santificação neotestamentária dá ênfase apropriada tanto à liberdade quanto ao amor a Cristo; enfatiza tanto a libertação da lei quanto a libertação do pecado; tanto a emancipação da escravidão da nossa carne pecadora quanto a busca da escravidão da justiça como única forma de desfrutar nossa vida nova no Espírito.
A maioria das doutrinas cristãs alcança equilíbrio de um modo semelhante. Esqueça o ponto médio em uma linha contínua, o suporte em uma gangorra, e a faixa amarela no meio da estrada. Quando falamos em equilibrar estas duas verdades, a idéia é mais parecida com os dois remos em um barco. Tente remar só de um lado, e você somente andará em círculos sem fazer qualquer progresso. Quanto mais firme você rema com um só remo, mais rápidos e mais fechados seus círculos serão.
Você nunca chegará a lugar algum, espiritualmente falando, a menos que você ponha os dois remos na água.









3 - Graça que Ensina


     O "legalismo" se tornou para todos os fins uma réplica evangélica a qualquer menção de santidade, obediência, ou boas obras. Eu não quero ser um legalista. Eu odeio o legalismo. Odeio cada expressão de legalismo. O legalismo, conforme definido em Gálatas 5:1, é o erro de abandonar nossa liberdade em Cristo, a fim de assumir um jugo de escravidão legal. Para o legalista, as boas obras são necessárias para ganhar o favor de Deus. (Ainda que Deus requeira e se agrade da prática das boas obras, realmente não é por meio delas que obtivemos ou continuaremos obtendo o seu favor, senão por causa exclusivamente de Jesus Cristo e de tudo o que fez por nós, para a nossa expiação, aceitação, reconciliação, justificação, redenção, santificação e glorificação – como poderíamos receber estas realidades espirituais por meio de nossas obras? - nota do tradutor.)

     Eu não tenho qualquer simpatia pela ideia de que aqueles que acreditam que a pessoa com a consciência mais sincera (ou a escola bíblica com as regras mais rigorosas) deveriam definir para nós o que seja a  santidade. Estou muito feliz de deixar a Escritura definir os parâmetros da santificação. E onde a Bíblia é silenciosa, eu acho que deveria ser, também.

     Então, eu deploro a cada pitada de legalismo, e quero deixar isso claro.

     Mas, também enfaticamente desprezo a tendência evangélica comum de considerar como "legalista" todas as chamadas para a obediência e para cada convocação à santidade. Como se a graça fosse uma punição por causa de desobediência e imoralidade. Como se o evangelho nos desse licença para "Permaneceremos no pecado, para que a graça aumente.” Ele nunca pode ser isto! Como morreríamos para o pecado ainda vivendo nele?"

     Agora, a linha de demarcação entre o Evangelho e a lei é absolutamente vital, e você nunca vai me ouvir dizer o contrário. Um dos grandes avanços da Reforma Protestante veio na forma como Martinho Lutero salientou a distinção entre lei e evangelho. A lei não é evangelho e vice-versa. Eu aprecio os que trabalham para diferenciar entre os dois. Não há praticamente nenhuma distinção teológica mais importante.

     E deixe-me dizer isto mais uma vez, com ênfase: Confundir a lei e o evangelho não é um pequeno erro. É um erro fácil de se cometer, e vamos ser francos: parece haver algo no coração humano caído que nos torna propensos a esse erro. É o erro que está no cerne de todo o tipo de legalismo. Eu acho que há uma tendência de cada mente humana caída para o padrão para o legalismo, e é certo que devemos resistir a essa tendência. Não há nenhum erro mais mortal em toda a teologia. Algumas das palavras mais fortes de condenação em qualquer lugar do Novo Testamento foram destinadas a quem suplantou as promessas do evangelho com exigências legais (Gálatas 1:6-9).

     Então estamos claros sobre isso? Eu odeio o legalismo com uma paixão santa.

     No entanto, é um erro grave (também condenado em termos muito fortes pelo apóstolo Paulo) imaginar que o evangelho não concorda com o padrão moral estabelecido pela lei; que a justificação pela fé, elimina a necessidade de obediência, ou que a liberdade perfeita da graça de Deus dá a licença para uma vida não santa. As boas obras, obediência aos mandamentos de Cristo, e encorajamentos e admoestações para sermos santos são aspectos necessários da vida cristã. Não necessariamente (na forma como o legalista sugere) para ganhar o favor de Deus. Na verdade, nossas obras são inúteis, totalmente impotentes, para esse fim. Mas a obediência é uma expressão natural e inevitável e essencial do amor a Cristo e gratidão por Sua graça. Esta é a lição prática principal que podemos aprender com o princípio da graça: a graça nos compele ao amor e às boas obras. A graça nos constrange a renunciar ao pecado e a buscar a justiça.

     Veja: O evangelho é mais excelente do que a lei, mas os dois não discordam. O evangelho nos liberta da condenação da lei, mas não nos dispensa do padrão moral estabelecido pela lei. Ou, para dizer de outra forma: o princípio da sola fide - justificação somente pela fé - não é hostil às boas obras. O evangelho coloca as boas obras no seu devido lugar, mas se entendermos corretamente o princípio da sola fide, seremos zelosos de boas obras; em busca sincera da santidade, e ansiosos para obedecer aos mandamentos de nosso Senhor. Não precisamos ser nem um pouco hesitantes em "estimularmos um ao outro ao amor e às boas obras."

     E isso é o que vamos ver na passagem que estamos meditando  nesta hora - Tito 2:11-15. Lendo este texto, que lições podemos aprender com uma compreensão bíblica do princípio da graça? Qual é a graça afirmada que deve nos ensinar? Em toda a nossa conversa sobre ser saturado de graça, com foco no evangelho, o ministério centrado em Cristo, será que realmente temos entendido a "graça" corretamente, ou temos inadvertidamente caído no mesmo passo de "homens ímpios, que transformam a graça de nosso Deus em libertinagem?” E se nós, como pastores, temos feito um bom trabalho em instruir o nosso povo nas verdadeiras lições da graça?

     Agora, aqui está a nossa passagem (Tito 2:11-15):

11 Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens,
12 educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,
13 aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,
14 o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras.
15 Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.

     Vamos começar com uma palavra sobre o contexto e as circunstâncias que levaram a esta epístola. Paulo está escrevendo a Tito, a quem ele "deixou... em Creta, para que Tito colocasse em ordem o que ainda era necessário e constituísse presbíteros em cada cidade" (1:5). Então Tito está treinando e designando líderes para as igrejas em Creta. E Paulo envia a Tito uma pequena lista de qualificações para os homens que ele deveria nomear anciãos nas igrejas. É essencialmente idêntica à lista dada em 1 Timóteo 3. O princípio central, certamente, é o de que os líderes da igreja são "mordomos de Deus" e, portanto, devem ser moralmente e de reputação "irrepreensível". Paulo reitera a mesma expressão duas vezes, no início de sua lista, em 1:6 e novamente no versículo 7.

     Ele segue com uma lista de especificações que definem o significado de ser "irrepreensível". Notem que exceto para a habilidade  de ensinar (que é um dom que é absolutamente necessário para cumprir o chamado de um ancião) os requisitos apresentados por Paulo não se referem a habilidades e talentos. Eles são qualidades de caráter. E todos eles têm a ver com a maturidade, domínio próprio e retidão moral.
     Este é o tipo de homem que está qualificado para liderar a igreja. Ele não é um palhaço ou um comediante. Não é alguém com potencial para ser uma celebridade, um futurista, um inovador, e palestrante motivacional. O tipo de pessoa que Tito deveria nomear para a liderança não era alguém com um enorme ego e um dom para ser simplista. Não há nada aqui sobre capacidade artística, graus de aprendizagem, exatidão política, visão de negócios, estilo de roupa, inteligência e criatividade, ou o seu conhecimento da cultura popular Nenhuma das coisas que as igrejas de hoje tendem a pesar quando à procura de um pastor.

     Mas os anciãos que Tito deveria treinar e ordenar simplesmente precisavam ser, santos, homens disciplinados, maduros, capazes de lidar com a Palavra de Deus com precisão e ensinar suas verdades para os outros. Não jovens, e culturalmente esclarecidos, mas homens de Deus que são totalmente maduros e firmes.

     Se você entender o que Paulo está dizendo aqui e compará-lo com a cultura evangélica do século 21, isto deveria causar um pouco de dissonância cognitiva. A estratégia que Paulo está dizendo a Timóteo para usar no trabalho de plantação de igrejas nada tem a ver como as organizações de plantação de igrejas de hoje dizem ser necessário.

     Eu não posso imaginar que Tito leu esta carta e levou Paulo a dizer que ele precisava para começar a dar aulas de contextualização, patrocinando seminários sobre sexo, gerindo simpósios sobre inovação e marketing da igreja, ou oferecendo cursos sobre liderança valendo-se das obras mais recentes escritas sobre o assunto por autores renomados, que vão na contramão de tudo o que o apóstolo ensinou.

     E (eu sei que isso é um pouco de digressão, mas) eu quero dizer isto claramente: As maiores ameaças para o evangelho de hoje não são as políticas do governo que prejudicam os nossos valores, e nem crenças seculares que atacam nossas confissões de fé, nem mesmo ateus que negam nosso Deus. Os maiores inimigos do evangelho de hoje são igrejas mundanas e pastores mercenários que banalizam o Cristianismo.

     E isso não é um problema novo. Isto era verdade mesmo nos tempos apostólicos - em muitas igrejas primitivas. Em Filipenses 3:18-19, o apóstolo Paulo escreveu: "Porque muitos há, dos quais muitas vezes eu vos disse, e agora vos digo até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo." Uma das principais características que Paulo destacou desses inimigos da cruz - inimigos da autêntica graça, era que eles "tinham suas mentes nas coisas terrenas." Eles "pervertiam a graça de nosso Deus em sensualidade." Eles misturaram a ideia de liberdade cristã com uma oportunidade para satisfazer a carne. Eles "usaram a liberdade como um disfarce (cobertura) para o mal." No processo, eles banalizaram a cruz, corromperam a idéia da graça, e perverteram o evangelho.

     E aqui no nosso texto, Paulo emprega o princípio da própria graça para refutar tal banalizada, mundana, noção de uma religião sem lei. Ele diz que as verdadeiras lições que aprendemos com a graça haviam fugido em face de tudo o que é superficial e mundano, injusto, desobediente.

     Por uma questão de fato, Paulo está advertindo Tito a não ceder às tendências da cultura cretense secular. Capítulo 1, versículo 12: "Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos." Isso provavelmente não era uma coisa politicamente correta para ser dita, mas mesmo assim, Paulo acrescenta enfaticamente: "Este testemunho é verdadeiro. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé." Ele estava dizendo a Tito que a igreja deve ser contra-cultural, resistente aos males e falhas de caráter da sociedade secular. Os líderes da Igreja não devem ser obcecados com ganhar elogios e admiração do mundo.
     Em vez disso, Paulo diz (2:1): "ensina o que está de acordo com a sã doutrina," e ele passa a dar uma série de mandamentos para categorias específicas de pessoas na igreja: "anciãos" (v. 2). "As mulheres mais velhas da mesma maneira" (v. 3). "As mulheres jovens" (v. 4). "Os homens mais jovens" (v. 6). "Escravos" (v. 9). E a Tito como o pastor missionário de plantação de igrejas é dada uma diretriz em particular: "Em todos os aspectos ... seja um modelo de boas obras" (v. 7), especialmente por causa dos jovens que representam os futuros líderes na igreja .

     Agora, observe que o versículo 1 fala de "o que está de acordo com a sã doutrina", e, em seguida, Paulo passa a relacionar uma pequena lista de coisas que nós provavelmente rotulamos de "deveres práticos" mais do que os tipos de coisas que deveríamos designar como "verdades doutrinárias". Veja, um dos principais pontos de Paulo aqui é que ele não quer que Tito gaste todo o seu tempo ensinando doutrina como teoria, concentrando-se apenas no conteúdo objetivo bíblico, histórico e teológico à custa de exortar a igreja à obediência e à santidade prática. E vamos ser honestos: isso é uma falha peculiar em algumas de nossas igrejas reformadas e calvinistas. Adotamos uma abordagem didática que é pesada em material relativo à verdade e à doutrina objetiva – algumas vezes, sem nunca abordar qualquer tipo de exortação prática.

     O ponto de Paulo é que os deveres práticos vitais de santidade e obediência estão em perfeito "acordo com a sã doutrina." As chamadas para a obediência e exortações à virtude não são incompatíveis com as doutrinas da graça, e muito menos  estão em oposição à graça. Nas palavras do versículo 10, o que Paulo definiu neste capítulo são as ações e qualidades de caráter que "adornam a doutrina de Deus, nosso Salvador ".

     Em outras palavras (se você me permite citar a versão bíblica NIV), estas são coisas que "vão tornar o ensino sobre Deus, nosso Salvador atraente", e não" atraente" no sentido de que elas tornariam a mensagem numa estória que agrade o mundo. O evangelho ainda é "um escândalo para os judeus e loucura para os gentios." Cristo ainda é "uma pedra de tropeço e rocha de escândalo". Sua advertência em João 15:18-20 ainda é válida: "Se o mundo vos odeia, sabei que antes odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, porque eu vos escolhi do mundo, por isso o mundo vos odeia. Um servo não é maior do que seu senhor. Se eles me perseguiram, também vos perseguirão a vós." Assim também, nas palavras de 1 João 3:13: "Não se surpreendam irmãos, que o mundo vos odeie." Você não pode mudar isso e ser fiel. Pare de tanto se esforçar para ganhar a afeição do mundo.

     E, no entanto, a virtude autêntica é atraente no sentido de que capta a atenção do mundo e dá à nossa mensagem uma medida de inegável credibilidade. Nesse sentido, o cultivo da virtude básica é mil vezes mais atraente do que qualquer marca atualmente popular do evangelismo elegante, da moderna religião, ou da contextualização pós-moderna.

     Essa é a estratégia do apóstolo Paulo para se chegar a uma cultura hostil. E o que me intriga é como ele usa o princípio da graça para fazer seu ponto. Em contraste com aqueles que transformam a graça em libertinagem, Paulo diz que o princípio bíblico da graça nos ensina algo completamente diferente.

     Na verdade, eu vejo três lições distintas que Paulo afirma que podemos aprender com a graça. Todas elas têm a ver com a forma como vivemos (em outras palavras, elas são práticas, não lições teóricas). Todas as três lições nos dão instruções e incentivos para a vida reta e obediência ao senhorio de Cristo. Isso, diz Paulo, é o que a graça deve produzir, não uma atitude negligente sobre a virtude e o vício, não uma aceitação casual dos valores mundanos, mas exatamente o oposto. O fruto verdadeiro da graça divina é uma vida santa.

     A graça nos ensina três lições nos versículos 12 e 13, mas antes de nos concentrarmos nesses dois versos, preste atenção na estrutura da passagem maior, começando no versículo 11. Você notou as duas ocorrências da palavra "aparecer"? Versículo 11: "Porque a graça de Deus se manifestou." Versículo 13: Nós estamos "esperando ... o aparecimento de ... Jesus Cristo." É o mesmo texto básico no original grego. A palavra no versículo 11 é a forma verbal (para aparecer) e a palavra no versículo 13 é a forma substantiva (aparência); e a palavra grega tem a conotação de brilho (literalmente, "brilhar" ou "ser trazido à luz").

     E essas duas palavras apontam para os dois adventos de Jesus Cristo.

     Versículo 11: "a graça de Deus se manifestou." Como, especificamente? Na encarnação e ministério de Cristo. "Porque a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.", João 1:7 , e eu acho que é importante ressaltar o que João quis dizer quando escreveu isso. Ele não estava sugerindo, é claro, que a Velha Aliança era desprovida de graça. Ele não estava dizendo que a graça é algo novo que Cristo introduziu no seu primeiro advento. Ele simplesmente quer dizer que Cristo é a própria encarnação da graça divina. Moisés, por um lado, foi o legislador, Jesus, por outro lado, é a fonte e o representante vivo da graça de Deus. A lei foi a característica dominante da aliança mosaica, a graça e a verdade são as características dominantes da Nova Aliança. João 1:14: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, glória como do unigênito Filho do Pai, cheio de graça e de verdade." (João 1:14). Moisés era o representante e instrumento através do qual a lei foi escrita em tábuas de pedra. Cristo é a pessoa em quem a graça e a verdade estão encarnados. Mas Moisés e Cristo não são adversários. Muito pelo contrário. Cristo veio como o cumprimento de tudo o que Moisés jamais escreveu.

     E isso inclui a lei. A graça cumpre a lei, não a derruba. O próprio Jesus disse isso no início de Seu Sermão da Montanha (Mateus 5:17): "Não penseis que vim revogar a Lei ou os profetas: não vim revogar, mas cumprir."

     Assim a graça "apareceu" de uma forma única e definitiva através da encarnação e obra expiatória de Cristo. Paulo se refere a isso novamente em Tito 3:4-5: "Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo,".

     A palavra "aparecer" – manifestação - em Tito 2:13, certamente, é uma referência à segunda vinda de Cristo: "aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,". Agora, nós não temos tempo para entrar em detalhes sobre isso, mas a maneira como Paulo emprega as palavras nesta declaração é instrutiva. Esta é uma referência a uma pessoa, não duas. “Nosso grande Deus e Salvador, Cristo Jesus". É uma afirmação da divindade de Cristo, e é um paralelo exato com a expressão encontrada no final do versículo 10: "Deus, nosso Salvador." Jesus Cristo é o nosso Deus e nosso Salvador. É Sua manifestação em glória que esperamos.

     Enquanto isso, vivemos entre esses dois adventos - as duas "aparições". No final do versículo 12, Paulo se refere ao período de tempo entre as duas aparições como "o presente século". Assim, ele nos aponta para o passado, quando "a graça de Deus ... apareceu." Ele quer que vivamos "no século atual" - exemplificando as virtudes da graça no aqui e agora. E ele quer que a gente fique de olho na expectativa sobre o futuro, à medida que " aguardando a bendita esperança ", o retorno de Deus, nosso Salvador, em Seu esplendor completo - que será a culminação final tanto da graça quanto da glória.

     Em outras palavras, existem dimensões passadas, presentes e futuras da graça, e a presente dimensão é o foco principal de nosso texto. Enquanto vivemos entre estes dois adventos, a graça nos leva para a escola. Este "presente século" é a escola da graça. E eu vejo três lições principais que a graça nos ensina. Elas todas são lições difíceis, porque são contrárias às tendências naturais da nossa carne caída, e nós temos que guardar e reaprender essas lições diariamente. Mas aqui estão elas. Lição número 1. A graça nos ensina:

1. A repudiar as obras da carne

     Versos 11-12: "Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,". Agora, eu preciso comentar o versículo 11, mas nós não podemos permanecer lá. Obviamente, este texto não está dizendo que a graça traz a salvação para todas as pessoas, porque Jesus ensinou repetida e expressamente que "larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e aqueles que entram por ela são muitos." (Mateus 7:13). Descrições do julgamento final de Jesus sempre incluem avisos urgentes que muitos naquele dia ouvirão: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos."

     Então Tito 2:11 , não está ensinando uma doutrina de salvação universal. Observe a conjunção "Para" no início do verso. Vincula a declaração a que a precedeu - e isto é uma longa lista de categorias de pessoas - "Os homens mais velhos ... mulheres mais velhas ... mulheres jovens ... homens mais jovens ... e  escravos." "Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação para todos os tipos de pessoas, todas as pessoas: homens velhos, mulheres velhas, jovens, homens mais jovens, e  escravos, nos ensinando a todos, a  renunciar à impiedade e às paixões mundanas . "

     Essa é a primeira lição que aprendemos debaixo da graça como nosso instrutor: "dizer não às paixões mundanas e à impiedade". O verbo grego é arneomai, que significa "negar" ou "recusar", ou "repudiar".

     É uma palavra forte, repudiar, mas não tão forte, talvez, como a palavra que Paulo ocasionalmente usa em outro lugar: "mortificar", Romanos 8:13: "mortificar as obras da carne". Colossenses 3:5: "Ponha à morte ... o que é da terra em você". Gálatas 5:24: "Crucifique a carne com as suas paixões e concupiscências". O sentido, porém, é exatamente o mesmo. "Repudiar a impiedade e as paixões mundanas." Quão fortemente devemos repudiar tais coisas? Basta seguir em frente e colocá-las à morte. Exterminá-las.

     Essa é a primeira lição que a graça nos ensina. É no que consiste o arrependimento: a total, renúncia incondicional e negação das obras carnais e desejos mundanos.

     Agora, isto não é opcional. Há uma ideia de que todas as exigências para a obediência e todo apelo à santidade são, por definição, pietistas, legalistas e moralistas, e, portanto, essas coisas devem ser evitadas, como se fossem uma ameaça séria para o evangelho e o princípio da graça.

     Se você acha que cada apelo à santidade soa como legalismo, você tem um problema. Por outro lado, se você acha que o remédio real para a derrota na vida cristã é dobrar os joelhos e trabalhar duro para alcançar a santidade, você tem um problema, também. Acima de tudo, você tem uma visão distorcida da graça se você acha que a graça elimina qualquer necessidade de santidade. Você tem uma visão distorcida da graça se você acha que graça simplesmente derruba a justiça em favor do livre e fácil perdão. Se você pensa que a marca da chamada "livre graça" soa perigosa ou você acha que isso soa divertido, se você acha que graça torna discutível todo tipo de dever moral, você não entende a graça adequadamente.

     Os evangélicos contemporâneos são perigosamente suscetíveis tanto ao legalismo quanto ao liberalismo, porque os evangélicos têm ficado satisfeitos com uma compreensão superficial da graça por gerações. O problema remonta, eu acho, a mais do que um século.

     A graça foi degradada pela primeira vez no inferno. Em seguida, ela foi retratada como um meio de realização pessoal. Hoje em dia é geralmente entendida como um princípio que anula a necessidade de ser ou agir corretamente. Talvez alguns de vocês pensem que a graça é um princípio que anula a necessidade de ser ou agir corretamente. Mas isto é uma mentira que é enfaticamente refutada pelo apóstolo Paulo aqui: "a graça de Deus nos ensina a renunciar à impiedade."

    Note que esta primeira lição sozinha faz um forte contraste com a noção convencional de graça. A graça não é um sentimento meloso que nos faz sempre passivos e positivos. A graça em si é dinâmica. É a expressão ativa do favor de Deus. É favor imerecido. Mais do que isso, é exatamente o oposto daquilo que nós merecemos. Mas é uma força potente, poderosa. Pela graça Deus se apodera de pecadores indignos, e os une espiritualmente a Cristo, os veste com Sua justiça, desperta suas almas mortas, remove os seus corações de pedra e dá-lhes a vida, um coração terno de carne, e os abençoa, com todas as bênçãos espirituais.

     E a primeira resposta mesma da graça que advém do coração regenerado é uma confissão negativa: nós "renunciamos à impiedade e às paixões mundanas." Em outras palavras, o primeiro movimento de nosso arrependimento é um dom de Deus, uma obra da graça. Cada aspecto do arrependimento autêntico é motivado e operado pela graça. A pessoa que não se arrependeu não recebeu de fato a graça.

     Falamos de "graça irresistível". Gosto dessa expressão, porque transmite a sensação de que a graça é dinâmica, não passiva. Mas também é sujeita a mal-entendidos. Quando dizemos que a graça é "irresistível", não queremos dizer Deus emprega coerção para nos conduzir a Cristo. A graça é irresistível no mesmo sentido que eu acho a minha mulher irresistível. Não que ela me ameace ou me obrigue a fazer a sua vontade, mas que eu estou cativado de uma forma muito positiva por seu apelo inerente.

     De um modo semelhante, mas ainda mais profundo, a graça divina nos leva a Cristo pela atração, não por constrangimento. E se você foi atraído a Cristo pela graça, se você realmente o ama, você vai odiar tudo o que se opõe a ele. É assim que a graça que nos atrai a Cristo nos ensina "a renunciar à impiedade e às paixões mundanas." Isso, eu acho, é a mesma verdade que Paulo tem em mente em Romanos 2:4 quando diz que "a bondade de Deus é quem nos conduz ao arrependimento".

     Nas famosas palavras de Martinho Lutero, de suas 95 teses, "Quando o nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo, disse "Arrependei-vos," Ele chamou toda a vida dos fiéis para ser de arrependimento." Nós "renunciamos à impiedade e às paixões mundanas" num fundamento diário, que é a graça, adequadamente compreendida, que nos instrui a nos arrependermos no início de nossa vida cristã, e em seguida, solicita e opera arrependimentos diários desde então.” Essa é a lição número um que podemos aprender com a graça: repudiar as obras da carne. Aqui está uma segunda lição. A graça nos ensina:

2. A cultivar o fruto do Espírito

     A segunda metade do versículo 12. A graça nos ensina para que "vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,". Observe o enfoque triplo na sobriedade, justiça e piedade. O primeiro termo é de uma palavra grega que, literalmente, se refere a solidez de mente. Sua conotação é auto-controle, moderação. A versão King James diz: "sóbria", e a Bíblia New American Standard diz: "sensata". Todas essas ideias são inerentes à palavra no original grego. A ideia não é apenas de temperança e moderação, mas de  sabedoria, prudência, circunspecção - clareza de mente. Ele está descrevendo uma virtude cujo benefício principal reverte para o próprio indivíduo. A graça nos ensina a ser lúcidos e a exercer domínio próprio cauteloso.

     O segundo termo descreve uma virtude que descreve as nossas relações com os outros: A graça nos capacita a "viver ... com justiça." A ESV e a NIV usam a palavra "reto". Para citar o grande teólogo batista John Gill, isso fala da vida “justa” entre os homens, dando a cada um o que lhe é devido, e lidar com tudo de acordo com as regras de equidade e justiça, por termos sido feitos novos homens, criados para a justiça e santidade verdadeiras, e como mortos para o pecado, através da morte de Cristo, e assim vivemos para a justiça, ou de uma forma justa, e como sendo justificados pela justiça de Cristo, revelada no Evangelho." Isto abrange todas as dimensões da justiça - prática e forense. Mas como o contexto é claramente sobre o modo como vivemos nossas vidas, eu acho que o enfoque aqui é sobre as nossas relações com os outros seres humanos. Viver "de modo justo" é fruto do ensino da graça.

      E então o terceiro termo, "piedoso".

     Esta terceira palavra "piedoso" é um adjetivo que no grego é etimologicamente o oposto exato da palavra traduzida por "impiedade" no início do verso. "Impiedade" é asebeia. "Piedade" é eusebos. Elas são formas positivas e negativas de uma mesma raiz. A graça nos ensina a evitar a impiedade e a viver piedosamente. Isso tudo é muito simples e direto. Paulo não está dando a Tito uma ideia complexa e misteriosa. É muito simples: A graça (a autêntica graça bíblica, não o substituto pobre moderno evangélico, mas a graça do Senhor Jesus Cristo) nos ensina a repudiar as obras da carne e a cultivar o fruto do Espírito.

     Paulo ensina esta mesma ideia em Gálatas 5, onde ele contrasta as obras da carne com o fruto do Espírito. Gálatas 5:18-24:

Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. É claro que os crentes são não estão sob a lei, mas debaixo da graça. Então, o que Paulo está fazendo nesta passagem é um claro contraste entre o que produz a carne sob o jugo da lei, contra o que o Espírito Santo produz em nós através da liberdade da graça. Ouça o contraste. E note que a única coisa que a nossa carne caída pode produzir são obras corruptas. Mas a obra do Espírito em nós é chamada de "fruto", e isto é inteiramente virtuoso:

Gál 5:19 Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia,
Gál 5:20 idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções,
Gál 5:21 invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.
Gál 5:22 Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
Gál 5:23 mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.
Gál 5:24 E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências.

Em outras palavras, o que nos define como cristãos é isto mesmo: que nós repudiemos as obras da carne. A graça, não a lei, é o que nos capacita e nos motiva e nos dá poder para fazer isso. E, ao mesmo tempo, a graça nos ensina a cultivar o fruto do Espírito.

     Assim, as lições 1 e 2 que aprendemos na escola da graça: repudiar as obras da carne; para cultivar o fruto do Espírito, e agora a terceira:

 3. A antecipar a bem-aventurança da eternidade

     Aqui está a distinção fundamental entre a lei e a graça. Porque para qualquer pensamento de auto-conhecimento o efeito da lei por si só, à parte da graça, é puro terror. Porque nós somos pecadores, a lei ameaça os pecadores com a destruição total. Mas a graça nos enche de expectativa e antecipa as bênçãos que vão durar eternamente. Versículo 13: "aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus."

     Em suma, a escatologia da graça é diferente da escatologia da lei. Sempre que a lei pronuncia condenação e jura vingança eterna, a graça pronuncia uma bênção e promete recompensa eterna. A graça nos ensina a viver à luz desta esperança.

     Todas as lições que a graça nos ensina são incentivos para a santidade: o nosso ódio da injustiça, a dívida que temos para com a justiça de Cristo, a recompensa que nos é prometida na eternidade - todas essas coisas são incentivos para nós renunciarmos à impiedade e às paixões mundanas e vivermos de modo sensato, justo e piedoso, no presente século.

     E note: este era o próprio objetivo de Cristo em redimir-nos, em primeiro lugar. Versículo 14: "o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras."

     Agora, não me diga que não há nada inerentemente legalista sobre ser zeloso de boas obras. E não me diga que a graça exclui qualquer tipo de boas obras. O zelo para as boas obras é o objetivo final da graça.

     Agora, tenha em mente: esta passagem abrange todos os tempos e todas as perspectivas: passado, presente e futuro. Eu, os outros, e Deus. Em todos os aspectos, exceto um, as lições da graça estão em perfeito acordo com o que a lei diz. Elas dizem a mesma coisa. Tanto a lei e a graça dizem que devemos "renunciar à impiedade e às paixões mundanas." Tanto a lei e a graça dizem que devemos ter domínio próprio, e viver de modo justo e piedoso no presente tempo. Tanto a lei e a graça nos humilham e nos mostram a virtude do domínio próprio. Tanto a lei e a graça dizem que devemos viver em retidão e amar o nosso próximo como amamos a nós mesmos. Tanto a lei e a graça  nos instruem a amar o Senhor nosso Deus com todo nosso coração, alma, mente e força. Em todos os aspectos, a graça está de acordo com os mandamentos e diretrizes da lei moral eterna de Deus. Nunca entretenhamos o pensamento de que a lei e a graça ou a lei e o evangelho se contradizem.

     Mas há esta distinção vital entre a lei e a graça, e a diferença reside nesta terceira lição: a lei nos ameaça com a destruição, porque não podemos obedecê-la perfeitamente. A graça nos dá tanto o desejo e o poder para obedecer. Isso é o que Filipenses 2:13 diz: "é Deus quem efetua em vós tanto o querer como o realizar segundo a sua boa vontade". A vontade e o poder para a obediência são dons da graça divina. Assim, enquanto a lei e a graça concordam em que ambas nos impelem a ser santos, a lei somente pode nos condenar para o nosso fracasso e nos ameaçar com a destruição. A graça é o remédio para o nosso fracasso, e garante a bênção eterna.

     A diferença principal, sucintamente, é que a lei não pode dar vida, somente pode levar à morte. II Coríntios 3:6: "A letra mata, mas o Espírito vivifica." Somos salvos "pela santificação do Espírito", de acordo com 2 Tessalonicenses 2:13. A obra graciosa do Espírito em nossos corações garante a nossa santificação. Leia Romanos 8:3-4: "Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito."

     A distinção entre a lei e a graça não tem nada a ver com os mandamentos, ou o conteúdo moral da lei. O que a graça elimina são as maldições da lei. Quando os imperativos morais da lei estão em causa, a graça está de pleno acordo. Paulo diz isso expressamente em Gálatas 3:6: "a lei é contrária às promessas de Deus? Certamente que não! Porque, se houvesse uma lei que pudesse dar vida, então a justiça seria de fato pela lei.". Gálatas 3:21: "O problema com a lei era a nossa incapacidade e nossa falta de vontade de querer e trabalhar para o bom prazer de Deus. A graça é o remédio para isso.

     E o resultado? Versículo 14: para que pudéssemos ser redimidos de toda iniquidade e purificados por Cristo – “um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras " E não há nada nem um pouco "legalista" sobre esse zelo.

     Versículo 15: “Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze."


Texto de Phil Johnson, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.Graça que Ensina

     O "legalismo" se tornou para todos os fins uma réplica evangélica a qualquer menção de santidade, obediência, ou boas obras. Eu não quero ser um legalista. Eu odeio o legalismo. Odeio cada expressão de legalismo. O legalismo, conforme definido em Gálatas 5:1, é o erro de abandonar nossa liberdade em Cristo, a fim de assumir um jugo de escravidão legal. Para o legalista, as boas obras são necessárias para ganhar o favor de Deus. (Ainda que Deus requeira e se agrade da prática das boas obras, realmente não é por meio delas que obtivemos ou continuaremos obtendo o seu favor, senão por causa exclusivamente de Jesus Cristo e de tudo o que fez por nós, para a nossa expiação, aceitação, reconciliação, justificação, redenção, santificação e glorificação – como poderíamos receber estas realidades espirituais por meio de nossas obras? - nota do tradutor.)

     Eu não tenho qualquer simpatia pela ideia de que aqueles que acreditam que a pessoa com a consciência mais sincera (ou a escola bíblica com as regras mais rigorosas) deveriam definir para nós o que seja a  santidade. Estou muito feliz de deixar a Escritura definir os parâmetros da santificação. E onde a Bíblia é silenciosa, eu acho que deveria ser, também.

     Então, eu deploro a cada pitada de legalismo, e quero deixar isso claro.

     Mas, também enfaticamente desprezo a tendência evangélica comum de considerar como "legalista" todas as chamadas para a obediência e para cada convocação à santidade. Como se a graça fosse uma punição por causa de desobediência e imoralidade. Como se o evangelho nos desse licença para "Permaneceremos no pecado, para que a graça aumente.” Ele nunca pode ser isto! Como morreríamos para o pecado ainda vivendo nele?"

     Agora, a linha de demarcação entre o Evangelho e a lei é absolutamente vital, e você nunca vai me ouvir dizer o contrário. Um dos grandes avanços da Reforma Protestante veio na forma como Martinho Lutero salientou a distinção entre lei e evangelho. A lei não é evangelho e vice-versa. Eu aprecio os que trabalham para diferenciar entre os dois. Não há praticamente nenhuma distinção teológica mais importante.

     E deixe-me dizer isto mais uma vez, com ênfase: Confundir a lei e o evangelho não é um pequeno erro. É um erro fácil de se cometer, e vamos ser francos: parece haver algo no coração humano caído que nos torna propensos a esse erro. É o erro que está no cerne de todo o tipo de legalismo. Eu acho que há uma tendência de cada mente humana caída para o padrão para o legalismo, e é certo que devemos resistir a essa tendência. Não há nenhum erro mais mortal em toda a teologia. Algumas das palavras mais fortes de condenação em qualquer lugar do Novo Testamento foram destinadas a quem suplantou as promessas do evangelho com exigências legais (Gálatas 1:6-9).

     Então estamos claros sobre isso? Eu odeio o legalismo com uma paixão santa.

     No entanto, é um erro grave (também condenado em termos muito fortes pelo apóstolo Paulo) imaginar que o evangelho não concorda com o padrão moral estabelecido pela lei; que a justificação pela fé, elimina a necessidade de obediência, ou que a liberdade perfeita da graça de Deus dá a licença para uma vida não santa. As boas obras, obediência aos mandamentos de Cristo, e encorajamentos e admoestações para sermos santos são aspectos necessários da vida cristã. Não necessariamente (na forma como o legalista sugere) para ganhar o favor de Deus. Na verdade, nossas obras são inúteis, totalmente impotentes, para esse fim. Mas a obediência é uma expressão natural e inevitável e essencial do amor a Cristo e gratidão por Sua graça. Esta é a lição prática principal que podemos aprender com o princípio da graça: a graça nos compele ao amor e às boas obras. A graça nos constrange a renunciar ao pecado e a buscar a justiça.

     Veja: O evangelho é mais excelente do que a lei, mas os dois não discordam. O evangelho nos liberta da condenação da lei, mas não nos dispensa do padrão moral estabelecido pela lei. Ou, para dizer de outra forma: o princípio da sola fide - justificação somente pela fé - não é hostil às boas obras. O evangelho coloca as boas obras no seu devido lugar, mas se entendermos corretamente o princípio da sola fide, seremos zelosos de boas obras; em busca sincera da santidade, e ansiosos para obedecer aos mandamentos de nosso Senhor. Não precisamos ser nem um pouco hesitantes em "estimularmos um ao outro ao amor e às boas obras."

     E isso é o que vamos ver na passagem que estamos meditando  nesta hora - Tito 2:11-15. Lendo este texto, que lições podemos aprender com uma compreensão bíblica do princípio da graça? Qual é a graça afirmada que deve nos ensinar? Em toda a nossa conversa sobre ser saturado de graça, com foco no evangelho, o ministério centrado em Cristo, será que realmente temos entendido a "graça" corretamente, ou temos inadvertidamente caído no mesmo passo de "homens ímpios, que transformam a graça de nosso Deus em libertinagem?” E se nós, como pastores, temos feito um bom trabalho em instruir o nosso povo nas verdadeiras lições da graça?

     Agora, aqui está a nossa passagem (Tito 2:11-15):

11 Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens,
12 educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,
13 aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,
14 o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras.
15 Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.

     Vamos começar com uma palavra sobre o contexto e as circunstâncias que levaram a esta epístola. Paulo está escrevendo a Tito, a quem ele "deixou... em Creta, para que Tito colocasse em ordem o que ainda era necessário e constituísse presbíteros em cada cidade" (1:5). Então Tito está treinando e designando líderes para as igrejas em Creta. E Paulo envia a Tito uma pequena lista de qualificações para os homens que ele deveria nomear anciãos nas igrejas. É essencialmente idêntica à lista dada em 1 Timóteo 3. O princípio central, certamente, é o de que os líderes da igreja são "mordomos de Deus" e, portanto, devem ser moralmente e de reputação "irrepreensível". Paulo reitera a mesma expressão duas vezes, no início de sua lista, em 1:6 e novamente no versículo 7.

     Ele segue com uma lista de especificações que definem o significado de ser "irrepreensível". Notem que exceto para a habilidade  de ensinar (que é um dom que é absolutamente necessário para cumprir o chamado de um ancião) os requisitos apresentados por Paulo não se referem a habilidades e talentos. Eles são qualidades de caráter. E todos eles têm a ver com a maturidade, domínio próprio e retidão moral.
     Este é o tipo de homem que está qualificado para liderar a igreja. Ele não é um palhaço ou um comediante. Não é alguém com potencial para ser uma celebridade, um futurista, um inovador, e palestrante motivacional. O tipo de pessoa que Tito deveria nomear para a liderança não era alguém com um enorme ego e um dom para ser simplista. Não há nada aqui sobre capacidade artística, graus de aprendizagem, exatidão política, visão de negócios, estilo de roupa, inteligência e criatividade, ou o seu conhecimento da cultura popular Nenhuma das coisas que as igrejas de hoje tendem a pesar quando à procura de um pastor.

     Mas os anciãos que Tito deveria treinar e ordenar simplesmente precisavam ser, santos, homens disciplinados, maduros, capazes de lidar com a Palavra de Deus com precisão e ensinar suas verdades para os outros. Não jovens, e culturalmente esclarecidos, mas homens de Deus que são totalmente maduros e firmes.

     Se você entender o que Paulo está dizendo aqui e compará-lo com a cultura evangélica do século 21, isto deveria causar um pouco de dissonância cognitiva. A estratégia que Paulo está dizendo a Timóteo para usar no trabalho de plantação de igrejas nada tem a ver como as organizações de plantação de igrejas de hoje dizem ser necessário.

     Eu não posso imaginar que Tito leu esta carta e levou Paulo a dizer que ele precisava para começar a dar aulas de contextualização, patrocinando seminários sobre sexo, gerindo simpósios sobre inovação e marketing da igreja, ou oferecendo cursos sobre liderança valendo-se das obras mais recentes escritas sobre o assunto por autores renomados, que vão na contramão de tudo o que o apóstolo ensinou.

     E (eu sei que isso é um pouco de digressão, mas) eu quero dizer isto claramente: As maiores ameaças para o evangelho de hoje não são as políticas do governo que prejudicam os nossos valores, e nem crenças seculares que atacam nossas confissões de fé, nem mesmo ateus que negam nosso Deus. Os maiores inimigos do evangelho de hoje são igrejas mundanas e pastores mercenários que banalizam o Cristianismo.

     E isso não é um problema novo. Isto era verdade mesmo nos tempos apostólicos - em muitas igrejas primitivas. Em Filipenses 3:18-19, o apóstolo Paulo escreveu: "Porque muitos há, dos quais muitas vezes eu vos disse, e agora vos digo até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo." Uma das principais características que Paulo destacou desses inimigos da cruz - inimigos da autêntica graça, era que eles "tinham suas mentes nas coisas terrenas." Eles "pervertiam a graça de nosso Deus em sensualidade." Eles misturaram a ideia de liberdade cristã com uma oportunidade para satisfazer a carne. Eles "usaram a liberdade como um disfarce (cobertura) para o mal." No processo, eles banalizaram a cruz, corromperam a idéia da graça, e perverteram o evangelho.

     E aqui no nosso texto, Paulo emprega o princípio da própria graça para refutar tal banalizada, mundana, noção de uma religião sem lei. Ele diz que as verdadeiras lições que aprendemos com a graça haviam fugido em face de tudo o que é superficial e mundano, injusto, desobediente.

     Por uma questão de fato, Paulo está advertindo Tito a não ceder às tendências da cultura cretense secular. Capítulo 1, versículo 12: "Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos." Isso provavelmente não era uma coisa politicamente correta para ser dita, mas mesmo assim, Paulo acrescenta enfaticamente: "Este testemunho é verdadeiro. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé." Ele estava dizendo a Tito que a igreja deve ser contra-cultural, resistente aos males e falhas de caráter da sociedade secular. Os líderes da Igreja não devem ser obcecados com ganhar elogios e admiração do mundo.
     Em vez disso, Paulo diz (2:1): "ensina o que está de acordo com a sã doutrina," e ele passa a dar uma série de mandamentos para categorias específicas de pessoas na igreja: "anciãos" (v. 2). "As mulheres mais velhas da mesma maneira" (v. 3). "As mulheres jovens" (v. 4). "Os homens mais jovens" (v. 6). "Escravos" (v. 9). E a Tito como o pastor missionário de plantação de igrejas é dada uma diretriz em particular: "Em todos os aspectos ... seja um modelo de boas obras" (v. 7), especialmente por causa dos jovens que representam os futuros líderes na igreja .

     Agora, observe que o versículo 1 fala de "o que está de acordo com a sã doutrina", e, em seguida, Paulo passa a relacionar uma pequena lista de coisas que nós provavelmente rotulamos de "deveres práticos" mais do que os tipos de coisas que deveríamos designar como "verdades doutrinárias". Veja, um dos principais pontos de Paulo aqui é que ele não quer que Tito gaste todo o seu tempo ensinando doutrina como teoria, concentrando-se apenas no conteúdo objetivo bíblico, histórico e teológico à custa de exortar a igreja à obediência e à santidade prática. E vamos ser honestos: isso é uma falha peculiar em algumas de nossas igrejas reformadas e calvinistas. Adotamos uma abordagem didática que é pesada em material relativo à verdade e à doutrina objetiva – algumas vezes, sem nunca abordar qualquer tipo de exortação prática.

     O ponto de Paulo é que os deveres práticos vitais de santidade e obediência estão em perfeito "acordo com a sã doutrina." As chamadas para a obediência e exortações à virtude não são incompatíveis com as doutrinas da graça, e muito menos  estão em oposição à graça. Nas palavras do versículo 10, o que Paulo definiu neste capítulo são as ações e qualidades de caráter que "adornam a doutrina de Deus, nosso Salvador ".

     Em outras palavras (se você me permite citar a versão bíblica NIV), estas são coisas que "vão tornar o ensino sobre Deus, nosso Salvador atraente", e não" atraente" no sentido de que elas tornariam a mensagem numa estória que agrade o mundo. O evangelho ainda é "um escândalo para os judeus e loucura para os gentios." Cristo ainda é "uma pedra de tropeço e rocha de escândalo". Sua advertência em João 15:18-20 ainda é válida: "Se o mundo vos odeia, sabei que antes odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, porque eu vos escolhi do mundo, por isso o mundo vos odeia. Um servo não é maior do que seu senhor. Se eles me perseguiram, também vos perseguirão a vós." Assim também, nas palavras de 1 João 3:13: "Não se surpreendam irmãos, que o mundo vos odeie." Você não pode mudar isso e ser fiel. Pare de tanto se esforçar para ganhar a afeição do mundo.

     E, no entanto, a virtude autêntica é atraente no sentido de que capta a atenção do mundo e dá à nossa mensagem uma medida de inegável credibilidade. Nesse sentido, o cultivo da virtude básica é mil vezes mais atraente do que qualquer marca atualmente popular do evangelismo elegante, da moderna religião, ou da contextualização pós-moderna.

     Essa é a estratégia do apóstolo Paulo para se chegar a uma cultura hostil. E o que me intriga é como ele usa o princípio da graça para fazer seu ponto. Em contraste com aqueles que transformam a graça em libertinagem, Paulo diz que o princípio bíblico da graça nos ensina algo completamente diferente.

     Na verdade, eu vejo três lições distintas que Paulo afirma que podemos aprender com a graça. Todas elas têm a ver com a forma como vivemos (em outras palavras, elas são práticas, não lições teóricas). Todas as três lições nos dão instruções e incentivos para a vida reta e obediência ao senhorio de Cristo. Isso, diz Paulo, é o que a graça deve produzir, não uma atitude negligente sobre a virtude e o vício, não uma aceitação casual dos valores mundanos, mas exatamente o oposto. O fruto verdadeiro da graça divina é uma vida santa.

     A graça nos ensina três lições nos versículos 12 e 13, mas antes de nos concentrarmos nesses dois versos, preste atenção na estrutura da passagem maior, começando no versículo 11. Você notou as duas ocorrências da palavra "aparecer"? Versículo 11: "Porque a graça de Deus se manifestou." Versículo 13: Nós estamos "esperando ... o aparecimento de ... Jesus Cristo." É o mesmo texto básico no original grego. A palavra no versículo 11 é a forma verbal (para aparecer) e a palavra no versículo 13 é a forma substantiva (aparência); e a palavra grega tem a conotação de brilho (literalmente, "brilhar" ou "ser trazido à luz").

     E essas duas palavras apontam para os dois adventos de Jesus Cristo.

     Versículo 11: "a graça de Deus se manifestou." Como, especificamente? Na encarnação e ministério de Cristo. "Porque a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.", João 1:7 , e eu acho que é importante ressaltar o que João quis dizer quando escreveu isso. Ele não estava sugerindo, é claro, que a Velha Aliança era desprovida de graça. Ele não estava dizendo que a graça é algo novo que Cristo introduziu no seu primeiro advento. Ele simplesmente quer dizer que Cristo é a própria encarnação da graça divina. Moisés, por um lado, foi o legislador, Jesus, por outro lado, é a fonte e o representante vivo da graça de Deus. A lei foi a característica dominante da aliança mosaica, a graça e a verdade são as características dominantes da Nova Aliança. João 1:14: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos a sua glória, glória como do unigênito Filho do Pai, cheio de graça e de verdade." (João 1:14). Moisés era o representante e instrumento através do qual a lei foi escrita em tábuas de pedra. Cristo é a pessoa em quem a graça e a verdade estão encarnados. Mas Moisés e Cristo não são adversários. Muito pelo contrário. Cristo veio como o cumprimento de tudo o que Moisés jamais escreveu.

     E isso inclui a lei. A graça cumpre a lei, não a derruba. O próprio Jesus disse isso no início de Seu Sermão da Montanha (Mateus 5:17): "Não penseis que vim revogar a Lei ou os profetas: não vim revogar, mas cumprir."

     Assim a graça "apareceu" de uma forma única e definitiva através da encarnação e obra expiatória de Cristo. Paulo se refere a isso novamente em Tito 3:4-5: "Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo,".

     A palavra "aparecer" – manifestação - em Tito 2:13, certamente, é uma referência à segunda vinda de Cristo: "aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus,". Agora, nós não temos tempo para entrar em detalhes sobre isso, mas a maneira como Paulo emprega as palavras nesta declaração é instrutiva. Esta é uma referência a uma pessoa, não duas. “Nosso grande Deus e Salvador, Cristo Jesus". É uma afirmação da divindade de Cristo, e é um paralelo exato com a expressão encontrada no final do versículo 10: "Deus, nosso Salvador." Jesus Cristo é o nosso Deus e nosso Salvador. É Sua manifestação em glória que esperamos.

     Enquanto isso, vivemos entre esses dois adventos - as duas "aparições". No final do versículo 12, Paulo se refere ao período de tempo entre as duas aparições como "o presente século". Assim, ele nos aponta para o passado, quando "a graça de Deus ... apareceu." Ele quer que vivamos "no século atual" - exemplificando as virtudes da graça no aqui e agora. E ele quer que a gente fique de olho na expectativa sobre o futuro, à medida que " aguardando a bendita esperança ", o retorno de Deus, nosso Salvador, em Seu esplendor completo - que será a culminação final tanto da graça quanto da glória.

     Em outras palavras, existem dimensões passadas, presentes e futuras da graça, e a presente dimensão é o foco principal de nosso texto. Enquanto vivemos entre estes dois adventos, a graça nos leva para a escola. Este "presente século" é a escola da graça. E eu vejo três lições principais que a graça nos ensina. Elas todas são lições difíceis, porque são contrárias às tendências naturais da nossa carne caída, e nós temos que guardar e reaprender essas lições diariamente. Mas aqui estão elas. Lição número 1. A graça nos ensina:

1. A repudiar as obras da carne

     Versos 11-12: "Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,". Agora, eu preciso comentar o versículo 11, mas nós não podemos permanecer lá. Obviamente, este texto não está dizendo que a graça traz a salvação para todas as pessoas, porque Jesus ensinou repetida e expressamente que "larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e aqueles que entram por ela são muitos." (Mateus 7:13). Descrições do julgamento final de Jesus sempre incluem avisos urgentes que muitos naquele dia ouvirão: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos."

     Então Tito 2:11 , não está ensinando uma doutrina de salvação universal. Observe a conjunção "Para" no início do verso. Vincula a declaração a que a precedeu - e isto é uma longa lista de categorias de pessoas - "Os homens mais velhos ... mulheres mais velhas ... mulheres jovens ... homens mais jovens ... e  escravos." "Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação para todos os tipos de pessoas, todas as pessoas: homens velhos, mulheres velhas, jovens, homens mais jovens, e  escravos, nos ensinando a todos, a  renunciar à impiedade e às paixões mundanas . "

     Essa é a primeira lição que aprendemos debaixo da graça como nosso instrutor: "dizer não às paixões mundanas e à impiedade". O verbo grego é arneomai, que significa "negar" ou "recusar", ou "repudiar".

     É uma palavra forte, repudiar, mas não tão forte, talvez, como a palavra que Paulo ocasionalmente usa em outro lugar: "mortificar", Romanos 8:13: "mortificar as obras da carne". Colossenses 3:5: "Ponha à morte ... o que é da terra em você". Gálatas 5:24: "Crucifique a carne com as suas paixões e concupiscências". O sentido, porém, é exatamente o mesmo. "Repudiar a impiedade e as paixões mundanas." Quão fortemente devemos repudiar tais coisas? Basta seguir em frente e colocá-las à morte. Exterminá-las.

     Essa é a primeira lição que a graça nos ensina. É no que consiste o arrependimento: a total, renúncia incondicional e negação das obras carnais e desejos mundanos.

     Agora, isto não é opcional. Há uma ideia de que todas as exigências para a obediência e todo apelo à santidade são, por definição, pietistas, legalistas e moralistas, e, portanto, essas coisas devem ser evitadas, como se fossem uma ameaça séria para o evangelho e o princípio da graça.

     Se você acha que cada apelo à santidade soa como legalismo, você tem um problema. Por outro lado, se você acha que o remédio real para a derrota na vida cristã é dobrar os joelhos e trabalhar duro para alcançar a santidade, você tem um problema, também. Acima de tudo, você tem uma visão distorcida da graça se você acha que a graça elimina qualquer necessidade de santidade. Você tem uma visão distorcida da graça se você acha que graça simplesmente derruba a justiça em favor do livre e fácil perdão. Se você pensa que a marca da chamada "livre graça" soa perigosa ou você acha que isso soa divertido, se você acha que graça torna discutível todo tipo de dever moral, você não entende a graça adequadamente.

     Os evangélicos contemporâneos são perigosamente suscetíveis tanto ao legalismo quanto ao liberalismo, porque os evangélicos têm ficado satisfeitos com uma compreensão superficial da graça por gerações. O problema remonta, eu acho, a mais do que um século.

     A graça foi degradada pela primeira vez no inferno. Em seguida, ela foi retratada como um meio de realização pessoal. Hoje em dia é geralmente entendida como um princípio que anula a necessidade de ser ou agir corretamente. Talvez alguns de vocês pensem que a graça é um princípio que anula a necessidade de ser ou agir corretamente. Mas isto é uma mentira que é enfaticamente refutada pelo apóstolo Paulo aqui: "a graça de Deus nos ensina a renunciar à impiedade."

    Note que esta primeira lição sozinha faz um forte contraste com a noção convencional de graça. A graça não é um sentimento meloso que nos faz sempre passivos e positivos. A graça em si é dinâmica. É a expressão ativa do favor de Deus. É favor imerecido. Mais do que isso, é exatamente o oposto daquilo que nós merecemos. Mas é uma força potente, poderosa. Pela graça Deus se apodera de pecadores indignos, e os une espiritualmente a Cristo, os veste com Sua justiça, desperta suas almas mortas, remove os seus corações de pedra e dá-lhes a vida, um coração terno de carne, e os abençoa, com todas as bênçãos espirituais.

     E a primeira resposta mesma da graça que advém do coração regenerado é uma confissão negativa: nós "renunciamos à impiedade e às paixões mundanas." Em outras palavras, o primeiro movimento de nosso arrependimento é um dom de Deus, uma obra da graça. Cada aspecto do arrependimento autêntico é motivado e operado pela graça. A pessoa que não se arrependeu não recebeu de fato a graça.

     Falamos de "graça irresistível". Gosto dessa expressão, porque transmite a sensação de que a graça é dinâmica, não passiva. Mas também é sujeita a mal-entendidos. Quando dizemos que a graça é "irresistível", não queremos dizer Deus emprega coerção para nos conduzir a Cristo. A graça é irresistível no mesmo sentido que eu acho a minha mulher irresistível. Não que ela me ameace ou me obrigue a fazer a sua vontade, mas que eu estou cativado de uma forma muito positiva por seu apelo inerente.

     De um modo semelhante, mas ainda mais profundo, a graça divina nos leva a Cristo pela atração, não por constrangimento. E se você foi atraído a Cristo pela graça, se você realmente o ama, você vai odiar tudo o que se opõe a ele. É assim que a graça que nos atrai a Cristo nos ensina "a renunciar à impiedade e às paixões mundanas." Isso, eu acho, é a mesma verdade que Paulo tem em mente em Romanos 2:4 quando diz que "a bondade de Deus é quem nos conduz ao arrependimento".

     Nas famosas palavras de Martinho Lutero, de suas 95 teses, "Quando o nosso Senhor e Mestre, Jesus Cristo, disse "Arrependei-vos," Ele chamou toda a vida dos fiéis para ser de arrependimento." Nós "renunciamos à impiedade e às paixões mundanas" num fundamento diário, que é a graça, adequadamente compreendida, que nos instrui a nos arrependermos no início de nossa vida cristã, e em seguida, solicita e opera arrependimentos diários desde então.” Essa é a lição número um que podemos aprender com a graça: repudiar as obras da carne. Aqui está uma segunda lição. A graça nos ensina:

2. A cultivar o fruto do Espírito

     A segunda metade do versículo 12. A graça nos ensina para que "vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente,". Observe o enfoque triplo na sobriedade, justiça e piedade. O primeiro termo é de uma palavra grega que, literalmente, se refere a solidez de mente. Sua conotação é auto-controle, moderação. A versão King James diz: "sóbria", e a Bíblia New American Standard diz: "sensata". Todas essas ideias são inerentes à palavra no original grego. A ideia não é apenas de temperança e moderação, mas de  sabedoria, prudência, circunspecção - clareza de mente. Ele está descrevendo uma virtude cujo benefício principal reverte para o próprio indivíduo. A graça nos ensina a ser lúcidos e a exercer domínio próprio cauteloso.

     O segundo termo descreve uma virtude que descreve as nossas relações com os outros: A graça nos capacita a "viver ... com justiça." A ESV e a NIV usam a palavra "reto". Para citar o grande teólogo batista John Gill, isso fala da vida “justa” entre os homens, dando a cada um o que lhe é devido, e lidar com tudo de acordo com as regras de equidade e justiça, por termos sido feitos novos homens, criados para a justiça e santidade verdadeiras, e como mortos para o pecado, através da morte de Cristo, e assim vivemos para a justiça, ou de uma forma justa, e como sendo justificados pela justiça de Cristo, revelada no Evangelho." Isto abrange todas as dimensões da justiça - prática e forense. Mas como o contexto é claramente sobre o modo como vivemos nossas vidas, eu acho que o enfoque aqui é sobre as nossas relações com os outros seres humanos. Viver "de modo justo" é fruto do ensino da graça.

      E então o terceiro termo, "piedoso".

     Esta terceira palavra "piedoso" é um adjetivo que no grego é etimologicamente o oposto exato da palavra traduzida por "impiedade" no início do verso. "Impiedade" é asebeia. "Piedade" é eusebos. Elas são formas positivas e negativas de uma mesma raiz. A graça nos ensina a evitar a impiedade e a viver piedosamente. Isso tudo é muito simples e direto. Paulo não está dando a Tito uma ideia complexa e misteriosa. É muito simples: A graça (a autêntica graça bíblica, não o substituto pobre moderno evangélico, mas a graça do Senhor Jesus Cristo) nos ensina a repudiar as obras da carne e a cultivar o fruto do Espírito.

     Paulo ensina esta mesma ideia em Gálatas 5, onde ele contrasta as obras da carne com o fruto do Espírito. Gálatas 5:18-24:

Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. É claro que os crentes são não estão sob a lei, mas debaixo da graça. Então, o que Paulo está fazendo nesta passagem é um claro contraste entre o que produz a carne sob o jugo da lei, contra o que o Espírito Santo produz em nós através da liberdade da graça. Ouça o contraste. E note que a única coisa que a nossa carne caída pode produzir são obras corruptas. Mas a obra do Espírito em nós é chamada de "fruto", e isto é inteiramente virtuoso:

Gál 5:19 Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia,
Gál 5:20 idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções,
Gál 5:21 invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.
Gál 5:22 Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
Gál 5:23 mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.
Gál 5:24 E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências.

Em outras palavras, o que nos define como cristãos é isto mesmo: que nós repudiemos as obras da carne. A graça, não a lei, é o que nos capacita e nos motiva e nos dá poder para fazer isso. E, ao mesmo tempo, a graça nos ensina a cultivar o fruto do Espírito.

     Assim, as lições 1 e 2 que aprendemos na escola da graça: repudiar as obras da carne; para cultivar o fruto do Espírito, e agora a terceira:

 3. A antecipar a bem-aventurança da eternidade

     Aqui está a distinção fundamental entre a lei e a graça. Porque para qualquer pensamento de auto-conhecimento o efeito da lei por si só, à parte da graça, é puro terror. Porque nós somos pecadores, a lei ameaça os pecadores com a destruição total. Mas a graça nos enche de expectativa e antecipa as bênçãos que vão durar eternamente. Versículo 13: "aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus."

     Em suma, a escatologia da graça é diferente da escatologia da lei. Sempre que a lei pronuncia condenação e jura vingança eterna, a graça pronuncia uma bênção e promete recompensa eterna. A graça nos ensina a viver à luz desta esperança.

     Todas as lições que a graça nos ensina são incentivos para a santidade: o nosso ódio da injustiça, a dívida que temos para com a justiça de Cristo, a recompensa que nos é prometida na eternidade - todas essas coisas são incentivos para nós renunciarmos à impiedade e às paixões mundanas e vivermos de modo sensato, justo e piedoso, no presente século.

     E note: este era o próprio objetivo de Cristo em redimir-nos, em primeiro lugar. Versículo 14: "o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras."

     Agora, não me diga que não há nada inerentemente legalista sobre ser zeloso de boas obras. E não me diga que a graça exclui qualquer tipo de boas obras. O zelo para as boas obras é o objetivo final da graça.

     Agora, tenha em mente: esta passagem abrange todos os tempos e todas as perspectivas: passado, presente e futuro. Eu, os outros, e Deus. Em todos os aspectos, exceto um, as lições da graça estão em perfeito acordo com o que a lei diz. Elas dizem a mesma coisa. Tanto a lei e a graça dizem que devemos "renunciar à impiedade e às paixões mundanas." Tanto a lei e a graça dizem que devemos ter domínio próprio, e viver de modo justo e piedoso no presente tempo. Tanto a lei e a graça nos humilham e nos mostram a virtude do domínio próprio. Tanto a lei e a graça dizem que devemos viver em retidão e amar o nosso próximo como amamos a nós mesmos. Tanto a lei e a graça  nos instruem a amar o Senhor nosso Deus com todo nosso coração, alma, mente e força. Em todos os aspectos, a graça está de acordo com os mandamentos e diretrizes da lei moral eterna de Deus. Nunca entretenhamos o pensamento de que a lei e a graça ou a lei e o evangelho se contradizem.

     Mas há esta distinção vital entre a lei e a graça, e a diferença reside nesta terceira lição: a lei nos ameaça com a destruição, porque não podemos obedecê-la perfeitamente. A graça nos dá tanto o desejo e o poder para obedecer. Isso é o que Filipenses 2:13 diz: "é Deus quem efetua em vós tanto o querer como o realizar segundo a sua boa vontade". A vontade e o poder para a obediência são dons da graça divina. Assim, enquanto a lei e a graça concordam em que ambas nos impelem a ser santos, a lei somente pode nos condenar para o nosso fracasso e nos ameaçar com a destruição. A graça é o remédio para o nosso fracasso, e garante a bênção eterna.

     A diferença principal, sucintamente, é que a lei não pode dar vida, somente pode levar à morte. II Coríntios 3:6: "A letra mata, mas o Espírito vivifica." Somos salvos "pela santificação do Espírito", de acordo com 2 Tessalonicenses 2:13. A obra graciosa do Espírito em nossos corações garante a nossa santificação. Leia Romanos 8:3-4: "Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito."

     A distinção entre a lei e a graça não tem nada a ver com os mandamentos, ou o conteúdo moral da lei. O que a graça elimina são as maldições da lei. Quando os imperativos morais da lei estão em causa, a graça está de pleno acordo. Paulo diz isso expressamente em Gálatas 3:6: "a lei é contrária às promessas de Deus? Certamente que não! Porque, se houvesse uma lei que pudesse dar vida, então a justiça seria de fato pela lei.". Gálatas 3:21: "O problema com a lei era a nossa incapacidade e nossa falta de vontade de querer e trabalhar para o bom prazer de Deus. A graça é o remédio para isso.

     E o resultado? Versículo 14: para que pudéssemos ser redimidos de toda iniquidade e purificados por Cristo – “um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras " E não há nada nem um pouco "legalista" sobre esse zelo.

     Versículo 15: “Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze."

Texto de Phil Johnson, traduzido e adaptado pelo Pr Silvio Dutra.















89) LEI E MANDAMENTOS

ÍNDICE

1 - Os Ternos Mandamentos de Deus
2 - Mandamento, Lei, Preceito e Ordenança
3 - Como o Cristão Morreu para a Lei
4 - Todos os Mandamentos de Deus São Possíveis com Deus
5 - A Lei Evidencia Nossa Deplorável Condição de Pecado


1 - Os Ternos Mandamentos de Deus

Por John Piper

Se, pela graça de Deus, você tem a certeza de que Ele está contigo e não contra ti, então, quanto mais você encontra evidências da soberania de Deus, mais feliz está. E quanto mais abrangente o propósito da soberania de Deus, tão mais seguro você se sente em todos os riscos do amor. E Ele está conosco. O evangelho é a boa nova que – por causa do sangue e justiça de Cristo, somos justificados pela fé somente, e Deus está conosco para sempre. Em Romanos 8:31-33 Paulo diz: “Se Deus está conosco, quem estará contra nós?... Quem trará qualquer acusação contra os eleitos de Deus?”
Assim, se Deus está conosco, então todo o Seu poder está do nosso lado. Toda a Sua soberania é aplicada para nosso bem e jamais contra nós. Todos os Seus decretos são para nosso definitivo benefício. Que tão soberano é Deus sobre coisas que ameaçam nossas vidas? Quando Deus ordena, quem e o quê deverá obedecer?
Comecemos pelo nível mais alto de inimizade. Os anjos e maus espíritos de Deus devem obedecer à Ele quando ordenados com autoridade onipotente: “Abençoado seja o Senhor, ó anjos de Deus, que sois poderosos e que fazem conforme Sua palavra, obedecendo a voz de Sua palavra!” (Salmos 103:20). “Ele ordena até mesmo espíritos imundos, e estes lhe obedecem” (Marcos 1:27). Desta forma, demônio algum poderá fazer qualquer coisa contra os eleitos de Deus, exceto servir aos propósitos definitivos de Deus, que está conosco. (Veja um exemplo disto em 2 Coríntios 12:7-10).
A seguir, consideremos o aparente inimigo do mundo natural, que com frequência nos fere com calamidades e desastres e doenças e obstruções. Que tão soberano é Deus sobre a natureza? Que partes da natureza pode Ele ordenar com poder efetivo? Aqui estão alguns exemplos bíblicos:
“Eu ordenei aos corvos que ali te sustentem” (1 Reis 17:4). “Desde os teus dias deste ordem à madrugada, ou mostraste à alva o seu lugar?” (Jó 38:12). “Ele ordenou aos céus... e choveu sobre eles o maná para que comeram (Salmos 78:23). [Ele] comanda o sol, e este não nasce; [Ele] sela as estrelas (Jó 9:7). “O Senhor preparou pois um grande peixe para que tragasse a Jonas (Jonas 1:17). “Deus preparou uma aboboreira e esta subiu por cima de Jonas (Jonas 4:6). “Deus enviou um verme para que atacasse a aboboreira, para que esta secasse” (Jonas 4:7). “Ele ordena, e se levanta o vento tempestuoso que eleva as suas ondas” (Salmos 107:25). “Quem é este pois, que ordena ventos e água, e estes o obedecem?” (Lucas 8:25). “Ele envia seu mandamento à terra; sua palavra corre velozmente. Ele dá neve como lã; esparge a geada como cinza” (Salmos 147:15). Ele lança seus cristais de gelo em pedaços; quem pode resistir ao seu frio?” (Salmos 147:17). “E às nuvens dá ordem que não derramem chuva sobre ela” (Isaías 5:6). “Com as nuvens encobre a luz e ordena a não brilhar, interpondo a nuvem” (Jó 36:32).
Se Deus ordena todos os demônios e todos os elementos naturais, e estes o obedecem, e se Deus está sempre conosco e não contra nós, então tudo o que acontece a nós os eleitos é para o nosso bem. Tudo. “Todas as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que o amam e são chamados de acordo ao seu propósito” porque Ele governa todas as coisas e é conosco, não contra nós.
Não é este o princípio da lógica de Deus quando disse: “Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai... Não temas, pois; mais valeis vós que muitos passarinhos” (Mateus 10:29-31). Porém, os mais ternos mandamentos de Deus não são ordens aos demônios e corvos e vento. São os mandamentos de seu próprio amor e bênçãos e aliança. “O Senhor mandará a sua misericórdia de dia, e de noite a sua canção estará comigo” (Salmos 42:8). Ali o SENHOR ordena a benção e a vida para sempre” (Salmos 133:3). “Redenção enviou ao seu povo; ordenou sua aliança para sempre. Santo e tremendo é o seu nome!” (Salmos 111:9).
Tremendo de fato!

Pastor John






2 - Mandamento, Lei, Preceito e Ordenança

Podemos inferir qual é a grande importância da lei e dos mandamentos de Deus para nós, através das inúmeras passagens bíblicas que a eles se referem (mais de 650 citações diretas das palavras do nosso título, sem contar os mandamentos e estatutos propriamente ditos, especialmente na Lei de Moisés).
É importante lembrar que desde a criação do primeiro casal, Deus lhes deu mandamentos específicos mesmo quando se encontravam em estado de inocência e sem pecado no Jardim do Éden.
De maneira que ainda que não sejamos salvos pelas obras da lei, todavia não estamos sem lei em Cristo. Ao contrário, pela fé nele confirmamos que a lei é espiritual, santa, perfeita, justa e boa, refletindo o caráter do grande Legislador.
Evidentemente, como afirma o apóstolo Paulo em I Timóteo 1.9,10, a lei não é feita para o justo, mas para os que são seus transgressores, mas, como nos encontramos ainda sujeitos à ação do pecado, necessitamos da lei para nos indicar qual seja a vontade de Deus, pois conforme proferido pelo mesmo apóstolo, não conheceríamos a cobiça como sendo pecado, caso a lei não dissesse: “não cobiçarás.”
Nosso Senhor confirmou a validade da lei até que tudo se cumpra, ou seja, quando já não estivermos mais sujeitos ao pecado, quando atingirmos aquele estado de perfeição prometido para o por vir.
Quando formos assexuados como os anjos, certamente não mais necessitaremos das leis contra o adultério, contra a fornicação, o incesto, e toda sorte de impureza sexual, mas enquanto no corpo, neste mundo, precisamos da lei para confirmar juntamente com o testemunho do Espírito Santo que todas as obras da carne, assim definidas pela lei, são pecaminosas.
Tão importante é a lei que na dispensação da graça, Deus a tem escrito nas mentes e nos corações dos crentes, por estarem estes debaixo da Nova Aliança, na qual prometeu fazê-lo pela habitação do seu Espírito em nós.
A lei que é escrita no nosso interior, sobrenaturalmente, e que nos inclina a amar os mandamentos de Deus, e a odiar os pecados que ela condena, é a mesma lei moral que foi revelada a Moisés, só que melhor entendida em seu sentido amplo e interno pelo ensino de Jesus nos evangelhos, pelos apóstolos no Novo Testamento, e pelo Espírito Santo.
De modo que tendo sido revogada a Antiga Aliança, não foram revogados, no entanto, os seus mandamentos, os quais Jesus não veio revogar, mas cumprir.
Desta forma, quando Jesus afirma que devemos guardar os Seus mandamentos, não devemos pensar que isto exclua as ordenanças morais do Antigo Testamento, pois neste se dá também testemunho do mandamento que nos é dado para nos arrependermos e cremos em Cristo, conforme Ele próprio afirmou em seu ministério terreno que a Lei e os Profetas (modo de se designar o conjunto das Escrituras do Velho Testemunho) testificavam a Seu respeito.
A este conjunto de ordenanças o Senhor acrescentou um novo mandamento, a saber, que os crentes se amassem com o mesmo amor com o qual Ele nos amou – o amor ágape divino, de comunhão mútua entre Deus e os que são nascidos do Espírito.
Se a lei nos alerta quanto ao que pode interromper a nossa comunhão com Deus e nos sujeitar ao Seu juízo ou correção, como poderíamos considerá-la como um inimigo?
Mas quando o assunto se trata da nossa salvação (justificação e regeneração) a lei, nossa amiga, não pode nos ajudar, porque isto pode ser feito somente pela graça, virtude, mérito e poder de Cristo.
A veemência com que o apóstolo Paulo escreveu a favor da justificação somente pela graça, mediante a fé, é explicada pela forte oposição que ele sofreu em seus dias da parte dos judeus legalistas, que ensinavam que a salvação não era pela graça e mediante a fé, mas por se guardar todos os mandamentos da Lei de Moisés.
É preciso pois ter muito cuidado ao se interpretar a palavra do apóstolo Paulo quando usa o termo “lei”, especialmente nas epístolas aos Romanos e aos Gálatas, pois quando diz por exemplo, que o crente não está debaixo da lei, o que ele quer afirmar é que não está debaixo do sistema da Antiga Aliança, por se encontrar numa Nova Aliança, e assim, a palavra lei nesses casos não se refere de modo nenhum aos mandamentos morais do Antigo Testamento.
Paulo não descumpria a Lei, conforme seu próprio testemunho na defesa que apresenta no livro de Atos, mas se opunha, como de fato todo verdadeiro crente deveria fazer, à afirmação de que a salvação é por se guardar todos os mandamentos da lei, aparte da graça e da fé.

Você pode ler os versículos bíblicos contendo destacadas as palavras
1 – nomos (grego) – lei;
2 – entole (grego) – mandamento, preceito;
3 – mitzvah (hebraico) – mandamento, lei, preceito, ordenança;
4 – torah (hebraico) – lei, estatuto; relativas ao assunto, acessando o seguinte link:

http://www.escrita.com.br/escrita/leitura.asp?Texto_ID=33525







3 - Como o Cristão Morreu para a Lei

Rom 6:14 Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça.

Rom 7:4 Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, a saber, aquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus.

Rom 7:6 Agora, porém, libertados da lei, estamos mortos para aquilo a que estávamos sujeitos, de modo que servimos em novidade de espírito e não na caducidade da letra.

Interpretadas fora do contexto, estas palavras do apóstolo podem produzir as mais grosseiras interpretações, totalmente distanciadas da verdade.
Muitos utilizam estes versículos para sustentarem uma opinião antinomista, ou seja, contrária à necessidade de se obedecer a lei.
Então é muito importante sabermos a que estava se referindo o apóstolo Paulo quando se expressou de tal forma.
Primeiro de tudo, deve ser observado que ele afirma que não foi a lei que morreu, mas o cristão relativamente à lei, especialmente para a sua condenação que sujeita à maldição eterna a quem transgredir a quaisquer dos seus mandamentos.
Portanto, se não houvesse uma obra de Cristo no sentido de nos resgatar dessa maldição, estaríamos irremediavelmente perdidos.
E o modo pelo qual nosso Senhor o fizera, foi através da graça, que nos foi concedida nos termos da Nova Aliança, na qual Deus tem prometido perdoar e ser misericordioso para com todos os nossos pecados e nossas transgressões da sua lei.
Foi especialmente para tal propósito que Jesus morreu no nosso lugar carregando sobre si mesmo todos os nossos pecados.
O cristão está morto para a lei porque Deus considerou a morte de Jesus como sendo a própria morte do cristão.
Ora, a lei que vigorava com todo o seu poder de condenar sobre aqueles que estavam vivos debaixo do seu domínio, já não tem qualquer poder legal sobre aqueles que morreram.
Pois a lei não se aplica a mortos, mas a vivos.
Por isso Paulo fez a ilustração inicial no sétimo capítulo de Romanos dizendo que uma pessoa pode contrair novas núpcias com outra que não seja o seu cônjuge, uma vez que este tenha morrido, porque a lei matrimonial se aplica somente enquanto os cônjuges vivem.
Assim, o cristão, que morreu em Cristo, está livre para assumir uma nova aliança com Ele, em novidade de vida, e totalmente livre do poder de condenação previsto na Lei de Deus.
Todavia, como a lei é santa, espiritual, justa e boa, porque provém do próprio Deus, ela deve ser observada, respeitada e cumprida, porque era justamente pela sua transgressão que a morte imperava, antes, no viver do cristão, quando não conhecia a Deus.
E para que o sacrifício de Jesus em nosso favor fosse eficaz e aceitável a Deus, foi necessário que ele cumprisse toda a lei em seu ministério terreno, quando viveu como homem debaixo da inteira direção, instrução e poder do Espírito Santo.
  Daí nosso Senhor Jesus Cristo afirmar que  comprovamos que somos de fato seus discípulos quando guardamos os seus mandamentos, e estes mandamentos, evidentemente, estão respaldados em toda a lei de Deus, motivo porque também afirmou que não veio revogar a lei, mas cumpri-la.
Entretanto, sempre ensinou que é impossível cumprir a lei sem o poder da graça.
Cumpre-se a lei quando se vive na graça.







4 - Todos os Mandamentos de Deus São Possíveis com Deus

Por John Piper

Cristianismo significa que mudar é possível. Uma mudança profunda e fundamental. É possível se tornar compassivo mesmo que você tenha sido duro e insensível. É possível deixar de ser dominado pela amargura e pela raiva. É possível se tornar uma pessoa amável, não importa como tenha sido sua criação.

A Bíblia assume que Deus é o fator decisivo em tornar-nos o que devemos ser. Com maravilhosa franqueza a Bíblia diz, "Deixe de lado a malícia e seja compassivo". Ela não diz, "Se você puder..." Ou: "Se seus pais foram compassivos com você..." Ou: "Se não te trataram terrivelmente mal..." Ela diz, "Seja compassivo".

Isso é maravilhosamente libertador. Liberta-nos do terrível fatalismo que diz que mudar é impossível para mim. Liberta-me da visão mecânica que faz a minha criação ser meu destino.

Se eu estivesse em uma prisão e Jesus caminhasse até minha cela e dissesse, "Saia desse lugar esta noite", eu poderia ficar aturdido, mas se eu confiasse em Sua bondade e poder, eu sentiria uma torrente de esperança de que liberdade é possível.

Se fosse noite e a tempestade estivesse furiosa, e as ondas quebrando alto sobre o embarcadouro, e o Senhor viesse a mim e dissesse, "Zarpe amanhã pela manhã", há uma explosão de esperança no escuro. Ele é Deus. Ele sabe o que está fazendo. Seus mandamentos não são palavras ao vento.

Seus mandamentos sempre vêm com libertação, verdade que muda nossas vidas para crermos. Por exemplo,

E sejam bondosos uns com os outros, compassivos, perdoando uns aos outros, assim como Deus em Cristo também tem perdoado vocês. Portanto sejam imitadores de Deus, como filhos amados; e andem em amor, assim como Cristo também vos amou, e se entregou por nós, uma oferta e sacrifício a Deus como um aroma perfumado.

Deus nos adotou como Seus filhos. Nós temos um novo Pai e uma nova família. Isso quebra as forças fatalísticas de nossas "famílias de origem". "E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus" (Mateus 23:9).
Deus nos ama como Seus filhos. Nós somos "filhos amados". O mandamento de imitar o amor de Deus não fica ao vento, ele vem com poder: "Sejam imitadores de Deus como filhos amados". "Amem!" é o mandamento e sermos amados é o poder.
Deus nos tem perdoado em Cristo. Seja compassivo e clemente assim como Deus em Cristo te perdoou. O que Deus fez é poder para mudar. O mandamento de ser compassivo tem mais a ver com o que Deus fez por você do que o que sua mãe fez a você. Esse tipo de mandamento significa que você pode mudar.
Cristo te amou e se entregou por você. "Ande em amor assim como Cristo te amou". O mandamento vem com uma verdade que muda nossas vidas. "Cristo te amou". Agora, quando houver uma chance para amar e uma voz te disser, "Você não é uma pessoa amorosa", você pode dizer, "O amor de Cristo por mim me faz um novo tipo de pessoa. Seu mandamento para amar é tão certamente possível para mim como Sua promessa de amor é verdadeira para mim".
Orando com você (e Santo Agostinho), "Senhor, ordene o que Tu quiseres e conceda o que ordenaste!"

Pastor John







5 - A Lei Evidencia Nossa Deplorável Condição de Pecado

Por João Calvino

Para que toda a matéria melhor se ponha à mostra, coletemos, em forma sucinta, a função e uso da lei a que chamam Lei Moral. Ora, até onde a entendo, ela consiste nestas três partes. A primeira é: enquanto manifesta a justiça de Deus, isto é, a justiça que é aceita por Deus, a cada um de nós de sua própria injustiça adverte, informa, convence e, finalmente, condena. Pois, assim se faz necessário que o homem, cego e embriagado de amor próprio, seja a um tempo impelido ao conhecimento e à confissão, seja de sua fraqueza, seja de sua impureza. Pois, a não ser que sua fatuidade seja claramente evidenciada, infla-se o homem de insana confiança de suas forças, não pode jamais ser levado a sentir sua debilidade sempre que as mede pela medida de seu alvitre. Contudo, tão logo começa a compará-las à dificuldade de observar a lei, aí tem ele o que arrefeça sua altivez. Ora, por mais exaltada opinião ele presuma acerca dessas suas força, entretanto logo as sente a palpitar ofegante sob tão grande peso, então vacila e cambaleia, por fim até cai por terra e desfalece. E assim, ensinado pelo magistério da lei, o homem se despe daquela arrogância que antes o cegava.
De modo semelhante, ele precisa ser curado de outra enfermidade, a saber, do orgulho, do qual se diz padecer. Por quanto tempo se lhe permite firmar em seu próprio julgamento, fomenta a hipocrisia em lugar da justiça, contente com a qual se levanta contra a graça de Deus, não sei com que engendradas justiças. Entretanto, depois que é obrigado a pesar sua vida na balança da lei, posta de parte a presunção dessa justiça imaginária, percebe estar distanciado da santidade por imenso espaço; pelo contrário, que superabunda de infinitos vícios dos quais até aqui parecia livre. Pois em tão profundos e sinuosos recessos se escondem os males da cobiça, que enganam facilmente a visão do homem. Nem sem causa diz o Apóstolo que teria ignorado a cobiça, se a lei não dissera: “Não cobiçarás” [Rm 7.7]; porquanto, a não ser que a cobiça de seu covil seja posta a descoberto mediante a lei, ela destrói o mísero homem tão dissimuladamente, sem que possa ele sentir esse golpe mortal.

A LEI EVIDENCIA NOSSA INILUDÍVEL CONDIÇÃO DE CULPA

Desta sorte, a lei é como que um espelho no qual contemplamos nossa incapacidade, então resultante desta a iniqüidade, por fim a maldição proveniente de ambas, exatamente como o espelho nos mostra as manchas de nosso rosto. Pois aquele a quem falta a capacidade para seguir a justiça, este está inexoravelmente chafurdado em um lamaçal de pecados. Ao pecado se segue imediatamente a maldição. Portanto, quanto mais a lei nos convence de que somos homens que têm cometido transgressão, tanto mais nos mostra que somos dignos de pena e castigo.

A isto é pertinente o dito do Apóstolo, de que o conhecimento do pecado é mediante a lei [Rm 3.20]. Pois ele aí está apenas a assinalar-lhe a primeira função, que é experimentada nos pecadores ainda não regenerados. A esta passagem são anexas estas: “Sobreveio a lei para que o pecado abundasse” [Rm 5.20]; e por isso “é a dispensação da morte” [2Co 3.7], que “produz a ira” [Rm 4.15] e mata.

Ora,  quanto mais claramente é a consciência espicaçada pelo conhecimento do pecado, com muito mais firmeza cresce a iniquidade, pois juntamente com a transgressão da lei acresce, então, a contumácia contra o Legislador. Resta-lhe, portanto, que acenda a ira de Deus para a ruína do pecador, porquanto de si a lei nada pode senão acusar, condenar e perder. E, como escreve Agostinho: “Se o Espírito da Graça está ausente, a lei não serve para outra coisa senão para acusar-nos e condenar-nos à morte.”

Quando, porém, se diz isso, não se afeta a lei de ignomínia, na verdade nem mesmo derroga-se-lhe algo da excelência. Com efeito, se toda nossa vontade fosse conformada e ajustada à obediência, evidentemente seu conhecimento seria suficiente para a salvação. Quando, porém, nossa natureza carnal e corrupta contende hostilmente com a lei espiritual de Deus, nem se deixa corrigir por sua disciplina, segue-se que a lei, que fora dada para a salvação, se encontrasse ouvintes idôneos, se converteria em ocasião de pecado e de morte. Portanto, uma vez que somos todos comprovadamente transgressores, quanto mais claramente revela ela a justiça de Deus, tanto mais desvenda, em contrário, nossa iniqüidade; quanto mais explicitamente confirma o galardão da vida e da salvação como dependente da justiça, tanto mais confirma a perdição dos iníquos.

Portanto, estas ponderações longe estão de ser injuriosas à lei; ao contrário, são valiosas para uma recomendação mais excelente da beneficência divina. Ora, daí se evidencia cabalmente que por nossa corrupção e perversidade somos impedidos de fruir da bem-aventurança de vida revelada mediante a lei. Donde se torna mais doce a graça de Deus que nos socorre sem o subsídio da lei e mais aprazível sua misericórdia que no-la confere, mediante a qual aprendemos que ele jamais se cansa de continuamente conceder-nos benefícios e cumular-nos de novas dádivas.



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